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Uma das funções que vejo em meu trabalho é a de “media watch”, ou seja, fiscalizar o comportamento da imprensa e apontar seu viés esquerdista quando escancarado – ou seja, quase sempre. Não falo apenas dos veículos claramente vermelhos, mas também daqueles associados à direita, ainda que de forma equivocada.

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Uma notícia em destaque no site da VEJA chamou a minha atenção e serve de exemplo do que falo. Ao ler a manchete, “Guarda municipal de SP mata criança de 11 anos durante perseguição”, imaginei um policial matando uma criança quase que do nada, ou seja, a atitude de um verdadeiro monstro assassino. Mas os fatos relatados na história não combinam com a chamada:

Um menino de 11 anos foi morto pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) durante uma perseguição, na Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista, na madrugada deste domingo. O guarda responsável pelos disparos foi autuado em flagrante por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), pagou fiança e vai responder as acusações em liberdade.

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[…]

O carro não teria obedecido ao pedido de parada e começou uma perseguição. Um dos guardas atirou quatro vezes contra o carro. Os tiros acertaram o vidro traseiro e um dos pneus. O carro dos ladrões parou em uma rua próxima a uma quermesse e dois bandidos fugiram a pé.

Os frequentadores da festa notaram que uma criança estava baleada agonizando dentro do carro. O menino foi levado para um hospital da região, mas não resistiu. O caso será investigado pelo DHPP. O delegado responsável pelas investigações apreendeu o carro dos ladrões e o encaminhou para perícia. Inicialmente, não há indícios de que os ocupantes do veículo atiraram contra os guardas. Nenhuma arma foi localizada.

A mãe do menino disse na delegacia que ele nasceu na Bahia, era usuário de drogas e envolvido com más companhias. Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que os GCMs envolvidos no caso foram afastados das funções e que sua conduta será apurada.

O que o policial deveria fazer quando um carro foge da barreira policial? Não é legítimo atirar contra quem se recusa a parar? Não se trata claramente de um caso de bandido em fuga? Se depois é descoberto que um dos bandidos era menor de idade e tinha apenas 11 anos, isso muda alguma coisa?

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É triste, claro, ver bandidos cada vez mais jovens praticando crimes e desafiando a polícia. Mas não querer que a polícia reaja é algo sem sentido. E colocar na chamada que o policial simplesmente “matou uma criança” parece um tanto descabido. Creio que minha própria chamada é mais fiel aos fatos: foi mais um caso de bandido morto ao tentar fugir da polícia, só que esse tinha apenas 11 anos, por acaso.

Em Two Murders In My Double Life, o escritor tcheco Josef Skvorecky relata a história um tanto autobiográfica do assassinato de reputações em seu país após a queda do comunismo. A esposa do narrador, uma conhecida figura e amiga do então presidente Václav Havel (a quem o livro é dedicado), fora acusada de trabalhar para a polícia secreta nos tempos comunistas, com seu nome incluso numa lista de caça às bruxas.

Mas era tudo mentira. Quer dizer, havia alguma parcela ínfima de verdade, e com pequenos grãos de verdade se contava uma enorme mentira, fora do contexto, distorcendo a realidade toda. O autor diz que o ocidental entende o que é um crime físico, contra a propriedade ou a pessoa, mas entende menos o que é um crime contra a alma. O comunismo faz exatamente isso, e o pós-comunismo na República Tcheca não conseguiu se livrar da mesma mentalidade.

Lembrei disso ao ver essa constante tentativa de assassinato da reputação não de um indivíduo, mas de toda uma instituição em nosso país. Que a polícia é em grande parte despreparada, isso é fato. Que há muito corrupto na força, idem. Mas como cobrar o mínimo de conduta adequada quando se ganha tão mal, precisa enfrentar uma verdadeira guerra civil velada, e ainda por cima tem que aturar todo tipo de campanha difamatória na imprensa depois?

Se marginais com idade cada vez menor praticam crimes, isso certamente não é culpa da polícia, que tem a obrigação de reagir. São suas vidas em risco, e na hora em que um desses bandidos disparar uma arma, a bala que for em direção ao policial não fará distinção de idade. O tiro de uma criança de 10 anos mata tanto quanto o de um marmanjo de 20 anos.

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Tratar como uma simples criança quem tem igualmente o poder de matar é algo que serve apenas para fomentar ainda mais raiva e desprezo pela polícia, cuja missão é manter a ordem num ambiente completamente hostil e dominado pela bandidagem. Não quer levar tiro da polícia? Que tal não roubar e não fugir depois?

Rodrigo Constantino