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As cenas foram fortes. Selvagens pisoteando torcedores do time adversário, pancadaria, covardia, tudo diante de uma multidão impotente, que incluía idosos, mulheres e crianças. Isso não é futebol. Isso é pura barbárie. É que bárbaros encotram no futebol, muitas vezes, um canal para extravasar sua barbárie.

Podemos tirar algumas lições do ocorrido. Em primeiro lugar, a evidente falta de policiamento. Alguns que reclamaram da falta ostensiva de policiais são os mesmos que aplaudem os Black Blocs ou pedem a desmilitarização da PM. Nessas horas fica mais claro o importante papel da polícia, não é mesmo?

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Em segundo lugar, as cenas chocantes nos lembram que há todo tipo de arma, inclusive as “brancas”. A paranoia dos desarmamentistas não leva em conta esse detalhe: quando alguém deseja agredir, machucar ou até matar outra pessoa, uma barra de ferro arrancada de um estádio atende muito bem sua demanda.

Algumas pessoas têm culpado o futebol como um todo. Não compartilho dessa visão, mas tenho algo a dizer sobre isso. Dizem que política, religião e futebol não se discutem. Por que será? Na verdade, são campos perigosos justamente porque os fanáticos encontram neles um refúgio.

Claro que a imensa maioria dos torcedores, dos defensores de partidos ou ideologias, ou dos crentes nas diferentes religiões é formada por pessoas pacíficas. Mas os fanáticos, que transformam tais coisas em seu leitmotiv para viver, que encontram sentido para a vida somente no time do coração ou no partido, esses apaixonados podem perder a linha dependendo da situação.

E é isso que me interessa aqui. Não aquele covarde que já vai para brigar e usa o time somente como pretexto, mas aquele que, normalmente, não faria nada disso e, naquele momento, parte para cima dos outros, tomado por algo que lhe escapa, que não controla. É a psicologia das massas em curso.

Gustave Le Bon fez um excelente estudo sobre o assunto, e seu livro The Crowd se tornou um clássico. Nele, Le Bon nos mostra como a lógica não faz parte de formações de massas, e sabemos como a lógica é fundamental para nossa sobrevivência.

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O intelecto que uma massa assume precisa ser o intelecto do ser mais simples do grupo. Vários crimes foram cometidos através da psicologia de massas, pois o indivíduo adquire a sensação de invencibilidade e perde a razão quando participa de um movimento contagiante desses. As massas “pensam” com o coração, e o indivíduo pensa através do cérebro.

Um exemplo prático e popular que podemos dar é justamente o futebol. Em um jogo clássico, estádio lotado, o ser mais inteligente se iguala ao mais ignorante naquele determinado momento de fúria. A emoção das massas ofusca a lógica individual. Pela mesma causa, naquele momento, todos se unem, mas depois retornam à sua individualidade. Nas palavras de Le Bon:

Uma massa é como um selvagem; não está preparada para admitir que algo possa ficar entre seu desejo e a realização deste desejo. Ela forma um único ser e fica sujeita à lei de unidade mental das massas. No caso de tudo pertencer ao campo dos sentimentos, o mais eminente dos homens dificilmente supera o padrão dos indivíduos mais ordinários. Eles não podem nunca realizar atos que demandem elevado grau de inteligência. Em massas, é a estupidez, não a inteligência, que é acumulada. O sentimento de responsabilidade que sempre controla os indivíduos desaparece completamente. Todo sentimento e ato são contagiosos. O homem desce diversos degraus na escada da civilização. Isoladamente, ele pode ser um indivíduo; na massa, ele é um bárbaro, isto é, uma criatura agindo por instinto.

Portanto, o que mais me chama a atenção não são atos isolados de um ou outro marginal ali presente, mas o contágio que isso exerce nos demais. Isso exige um clima coletivo, e por isso o futebol é campo minado, terreno fértil para isso. Ninguém vê esse tipo de reação em uma partida da tênis ou em um campeonato de xadrez. No futebol, sim.

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E onde mais? Na política, ou no mundo das ideologias. Basta pensar justamente nos já citados Black Blocs. Marginais mascarados já vão às ruas com más intenções, mas alguns são levados pela irracionalidade do momento a praticar atos que, em condições normais, jamais fariam.

Nesse fim de semana tivemos um exemplo disso, com 6 mil jovens que marcaram um encontro em um shopping center de classe média, na zona leste de São Paulo. Houve furtos e uma espécie de arrastão no local. Aglomeração de pequenos vândalos sob a psicologia das massas.

E tem quem defenda a “justiça das ruas”! O resultado será sempre linchamento, barbárie, violência. Como foi a Revolução Francesa, ou como retratou tão bem o filme “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, de Christopher Nolan. O vilão Bane usa justamente a psicologia das massas para executar seus “julgamentos sumários” e matar seus inimigos. Como nos fuzilamentos de Che Guevara e Fidel Castro.

O futebol deveria ser pretexto para chacota e troça entre amigos ou mesmo desconhecidos, o que geralmente é. Serve até mesmo para unir estranhos. Mas o sentimento tribal pode florescer, e sair do controle. Já vi gente quase sair no soco porque o outro perguntou o placar de um jogo, ao ver o torcedor com a camisa do time que havia perdido, e este sentir que tinha clima de gozação no ar.

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A barbárie existe, e pode ser que habite um Bane senão em cada um de nós, ao menos em muitos que sequer se dão conta disso por aí. Ele pode vir à tona com os incentivos adequados (ou inadequados), puxado pela psicologia das massas. Por isso é tão importante punição severa, policiamento rigoroso, e mecanismo institucional de pesos e contrapesos que evitem a “justiça das ruas”.

Ou alguém acha que a civilização se constrói na base no tribalismo e da paixão, típicas do futebol e das ideologias? Não. Civilização se cria domando o Bane em cada um de nós, e isso jamais é possível apenas com a bela retórica típica das esquerdas românticas.