Um ministro da mais alta corte do país deveria ser bastante discreto, manifestar-se somente pelas decisões por escrito, muito raramente conceder entrevistas, e, acima de tudo, prezar pela sua função de guardião da Constituição. A divisão de poderes é essencial para a democracia desde Montesquieu. O poder executivo existe para executar e administrar, o legislativo para legislar e o judiciário para fazer cumprir as leis.
Mas o Brasil tem visto uma grande suruba entre os poderes, com cada um tentando se meter no papel do outro. Principalmente o poder judiciário, em seu mais alto grau, tentando legislar, como nos casos de aborto, casamento gay e outros temas delicados. Não é sua função, e quando o STF banca o Congresso, sabemos que a democracia corre sérios riscos. Quem julga tais avanços de poder com base em cada decisão em si, aplaudindo quando de acordo com suas crenças e condenando quando contrária, ignora o “big picture” e não tem noção do perigo.
Esse ativismo do STF tem aumentado à medida em que o Congresso vive uma crise de credibilidade, e também por conta de uma composição cada vez mais “progressista”, com quase todo ele montado por indicações de Lula e Dilma, ou seja, do PT. A visão de mundo petista não dá a mínima para a divisão de poderes ou para valores republicanos que pretendem preservar as instituições de estado. Governo, partido e estado são a mesma coisa para os petistas.
Luís Barroso talvez seja o mais “progressista” dos ministros vermelhos. E quando ele prega, numa entrevista, a legalização das drogas, inclusive da cocaína, está ultrapassando e muito o limite de seu cargo. Alguns socialistas e libertários podem vibrar, por acharem que todas as drogas devem mesmo ser legalizadas. Mas esse não é o ponto-chave aqui. Essa gente erra o alvo. Não cabe a um ministro do STF dar pitaco sobre esse assunto. É temerário! É indecente! Não é parte de suas atribuições, simples assim. Eis o que Barroso disse:
A primeira etapa, ao meu ver, deve ser a descriminalização da maconha. Mas não é descriminalizar o consumo pessoal, é mais profundo do que isso. A gente deve legalizar a maconha. Produção, distribuição e consumo. Tratar como se trata o cigarro, uma atividade comercial. Ou seja: paga imposto, tem regulação, não pode fazer publicidade, tem contrapropaganda, tem controle. Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a ilegalidade. E, se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a cocaína e quebrar o tráfico mesmo.
O site “Implicante” escreveu um pequeno texto argumentando que, se há espaço para um ministro que defende a legalização da cocaína no STF, então também há espaço para um que defenda a família. Refere-se a Ives Gandra Filho, cotado para assumir a vaga de Teori Zavascki. Ives é da Opus Dei, conservador, assumidamente a favor da família tradicional. A reação da esquerda à sugestão de seu nome foi de horror. Fizeram um escarcéu, ficaram em polvorosa, chocados com o “retrocesso” dessa possibilidade: um cristão ortodoxo no Supremo? Onde já se viu?!
“Se pode haver um membro do STF falando em legalização da cocaína, precisa haver um que analise a situação do ponto de vista do drama familiar, cujo o vício em drogas tantas vezes a consome do início ao fim. É assim que o jogo funciona”, conclui o texto. Mas não está totalmente correto isso. A visão pessoal de cada um não deveria ser o único fator levado em conta, ou sequer o mais relevante. Note-se que Ives é totalmente a favor da flexibilização das leis trabalhistas anacrônicas e fascistas que temos, mas no Tribunal do Trabalho ele precisa julgar… de acordo com a lei vigente!
Um juiz não está lá para legislar, repito, mas sim para fazer cumprir as leis. Um conceito básico para republicanos, e ultrapassado para “progressistas”. Neil Gorsuch, indicado para o lugar de Antonin Scalia para a Suprema Corte por Trump, disse com clareza que um juiz que gosta de todas as decisões que toma não é um bom juiz. Exatamente. Mas Barroso não é capaz de compreender algo tão básico do direito. É um ativista disposto a vestir o chapéu de deputado. Um absurdo!
Reinaldo Azevedo foi preciso em sua análise, concluindo que caberia até o impeachment do ministro:
É isto mesmo: acho que ele tem de ser impichado. E por quê?
Porque ele não se conforma com o seu papel de magistrado. Nota-se o seu desconforto com os limites que lhe são impostos pela Constituição. Barroso, a gente percebe, quer ser legislador, tem aspirações a Rasputin do Executivo; vende suas idiossincrasias e heterodoxias como se fossem um novo umbral do pensamento. Confessadamente — basta ler o que escreveu sobre novo constitucionalismo, entende que o papel de um magistrado é fazer justiça com a própria toga, mandando pra tonga da milonga do cabuletê os códigos que temos.
[…]
É claro que não cabe a um ministro do Supremo dar-se a essas especulações. Que renuncie à toga e vá disputar eleição, ora essa. Mas não o fará. Barroso quer precisamente isto: ser um ministro do Supremo, estar protegido por uma quase intocabilidade e, dentro do aparelho de estado, atuar para minar as suas bases.
[…]
“Impeachment porque ele quer legalizar as drogas, Reinaldo?” Não. Essa defesa destrambelhada e burra que fez só expõe a sua natureza. Ele tem de ser impichado é por seu solene desprezo ao Congresso, já verificado muitas vezes. Ele tem de ser impichado porque parece entender que seu papel no Supremo é rasgar os diplomas legais que não estão a seu gosto.
Está certo, nesse caso, Reinaldo Azevedo, de quem tenho discordado em outras questões recentemente. E notem que ele apresentou os argumentos pelos quais discorda totalmente do conteúdo em si da entrevista de Barroso, ou seja, da legalização das drogas (leves ou pesadas). Mas não vou entrar nessa questão aqui, pois não é o foco. Eu poderia ser a favor da legalização até do crack, mas isso não faria com que eu aplaudisse um ministro do STF defendendo tal bandeira por aí. É errado. É perigoso. É anti-republicano. Impeachment nele!
Rodrigo Constantino
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