Por Alexandre Borges, publicado originalmente no blog Senso Incomum e reproduzido pelo Instituto Liberal
Era apenas uma diversão adolescente. Dois amigos entediados, um deles leva o outro, de penetra e disfarçado, para a última festa em que poderia estar no mundo: um baile na casa da família que há anos estava em guerra com a sua. O jovem intruso tira uma linda moça para dançar e a paixão é imediata, fulminante. No final da festa, descobrem que se apaixonaram por um membro da família errada, mas já era tarde. A festa termina, ela vai para a varanda de casa sozinha desabafar, sem saber que ele estava escondido no jardim.
Julieta Capuleto não aceita a idéia de que não possa se casar com Romeu Montéquio por conta de um nome. Falando para o jardim, desabafa: “é só seu nome que é meu inimigo; mas você é você” e depois implora “chame-se de outra coisa! Que é que há num nome? O que chamamos rosa teria o mesmo cheiro com outro nome”. Se o impeditivo é o nome, por que não trocar simplesmente? “Mude-o”, diz Julieta, “e em troca deste nome, que não é você, fique comigo”. Romeu surge de repente do jardim e diz: “se me chamar de amor, me rebatizo”. Sem saber quem dizia estas palavras, ela pergunta: “quem é que, assim, oculto pela noite, descobre o meu segredo?”, quando ele prontamente responde “pelo nome, não sei como dizer-lhe quem eu sou.” O que há num nome?
O caso do amor proibido entre o socialismo e parte da elite americana também enfrentou uma luta semelhante. Diversos partidos socialistas surgiram nos EUA no início do séc. XX, mas dividiam votos com o Partido Progressista de Teddy Roosevelt e seus candidatos tinham votações tímidas. Democratas e republicanos continuavam vencendo as disputas e se revezando no poder.
Eugene V. Debs, sindicalista e ex-deputado pelo Partido Democrata, tentou a presidência cinco vezes pelo Partido Socialista da América e conquistou sua melhor votação na eleição de 1912, com 5,99% dos votos populares. O Partido Socialista conseguiu sua melhor votação na eleição presidencial de 1924 ao se unir ao Partido Progressista, com Robert La Follette conquistando quase 5 milhões de votos (16,6%). Esta foi a melhor colocação de um terceiro candidato depois de Teddy Roosevelt em 1912, que dividiu os votos dos republicanos e ajudou a eleger Woodrow Wilson, e Ross Perot em 1992, que também rachou a direita americana, conquistou 20 milhões de votos (18,9%) e colocou Bill Clinton, um desconhecido governador do Arkansas, na Casa Branca.
Após a eleição de 1924, o Partido Progressista e o Partido Socialista da América foram perdendo espaço na política americana até o aparecimento de Franklin Delano Roosevelt, que revitalizou o Partido Democrata, venceu quatro eleições presidenciais seguidas, liderou o país na Segunda Guerra Mundial e absorveu progressistas e socialistas em suas fileiras. A América se tornou bipartidária e as diversas forças e correntes políticas do país hoje se acomodam dentro das duas grandes legendas.
Enquanto os partidos assumidamente socialistas e progressistas definhavam, o apoio dos intelectuais americanos aos regimes antiliberais de outros países só aumentava, especialmente aos bolcheviques. Os revolucionários russos eram vistos com admiração e entusiasmo por muitos jornalistas, intelectuais e acadêmicos, alguns deles participantes de viagens à União Soviética patrocinadas por Stálin para ver o comunismo de perto.
Em 1927, um destes cruzeiros levou alguns dos mais importantes intelectuais americanos e sindicalistas de primeira classe com tudo pago para a URSS a convite do governo soviético. Participaram da excursão Stuart Chase, Rexford Tugwell, Roger Baldwin, John Brophy, Paul Douglas, entre outros que foram recebidos por Josef Stálin em pessoa. Na volta da viagem, Stuart Chase escreve um livro chamado “A New Deal” que elogia efusivamente o regime soviético e termina com a pergunta: “por que só os russos devem ficar com toda a diversão de recriar o mundo?”
Os anos 20 nos EUA foram de uma transformação radical (e liberal) na face do país, que passou de uma nação basicamente rural para uma potência industrial com a luz elétrica, o saneamento básico, o automóvel, a geladeira, o rádio, o aspirador de pó, entre outras novidades revolucionárias, ficando acessíveis a quase todos. Os EUA conheceram um crescimento sem precedentes e havia pouco espaço para a proliferação de idéias socialistas. É neste momento que os entusiastas das idéias de Marx, Lênin e Stálin na academia, nos sindicatos, na política, no jornalismo e nas artes começam a perceber que os rótulos “comunista” e “socialista” mais atrapalhavam que ajudavam no avanço da agenda ideológica da esquerda. As idéias continuariam as mesmas, mas os nomes que usariam começariam a mudar.
O crash da bolsa e o desastroso governo Herbert Hoover (1929-1933), um intervencionista e progressista histórico, abriu espaço para que o capitalismo americano e o liberalismo fossem taxados de um sistema com falhas incorrigíveis e que sempre levariam a crises. Para os antiliberais, só uma economia “planificada” por intelectuais e especialistas poderia evitar que a economia sofresse com recessões e depressões. A frase do jornalista Lincoln Steffens, dita em 1921 ao voltar de uma visita à URSS, era constantemente lembrada: “eu vi o futuro e ele funciona”.
Os anos 30, os da Grande Depressão, foram também aqueles em que o capitalismo e o livre mercado foram mais demonizados pelos intelectuais americanos, especialmente ao comparar a situação calamitosa do país com a aparente pujança do fascismo italiano, do nazismo alemão e do comunismo soviético, todos exibindo números impressionantes de crescimento econômico, atividade industrial e emprego. O capitalismo americano parecia ter dado errado e a solução estaria do outro lado do mundo.
Durante os mandatos de Franklin Roosevelt, diversos agentes soviéticos chegaram aos mais altos postos da administração dos EUA, o que está hoje fartamente documentado. Uma das mais importantes autoridades monetárias do governo, Harry Dexter White, representante americano na histórica Conferência de Bretton Woods (1944) que definiu o sistema financeiro internacional como é hoje, incluindo a criação do FMI e do Bando Mundial, era um ativo colaborador da União Soviética, o que incluía o repasse de segredos militares dos EUA para Stálin. Harry Hopkins, o mais próximo conselheiro de FDR e um dos principais arquitetos do New Deal, era um agente soviético, assim como Alger Hiss, um dos mais destacados membros do Departamento de Estado.
O próprio nome do mais importante programa de governo de FDR é inspirado no livro “A New Deal” de Stuart Chase, que também se tornou um colaborador próximo do governo. Os três membros-fundadores e mais influentes do Brain Trust, Adolf Berle, Raymond Moley e Rexford Tugwell, o board de intelectuais que desenharam o New Deal, eram simpatizantes do comunismo e da União Soviética.
O New Deal foi o maior estupro já feito por um governo americano na economia do país. Mesmo não tendo criado a crise, o New Deal aprofundou a situação econômica do país ao ponto de transformar o quadro numa Grande Depressão com 11 anos de duração, cujos efeitos só foram mitigados pelo início da Segunda Guerra. Durante os anos 30, o capitalismo não foi apenas desmoralizado dos EUA, ele foi criminalizado.
Foram muitas as influências ideológicas dos formuladores e gestores do New Deal, desde os socialistas fabianos da Inglaterra até os social-democratas da Alemanha, mas o governo soviético forneceu diretamente muitas das idéias implementadas. Outra inspiração importante foi a política do “corporativismo” da Itália Fascista e sua visão de um capitalismo de Estado, com intervenção direta do governo na economia. Rexford Tugwell esteve na Itália com o próprio Mussolini e voltou dizendo que nunca tinha visto um experimento social tão organizado e eficiente: “eu fiquei com inveja”, declarou.
Tugwell era o mais esquerdista do núcleo duro de colaboradores de FDR, mas não queria ser identificado como “comunista” e, por sua influência direta, a esquerda americana passou a adotar o termo “liberal” para se definir, deixando aos seus opositores à direita o rótulo de “conservadores”. Desde então, o termo “liberal” assumiu nos EUA um sentido próprio e particular no país, sendo usado para identificar anticapitalistas, progressistas e socialistas.
A tática da camuflagem ideológica se mostrou extremamente bem sucedida e causa confusão até hoje, especialmente em tradutores que insistem em não entender que “liberal” em inglês americano deve ser traduzido por “esquerdista” ou “progressista” em português. O termo se tornou um falso cognato e hoje traduzir “liberal” em inglês dos EUA pela mesma palavra em português é tão errado quanto traduzir “push” por “puxar”.
Atribui-se ao líder dos socialistas americanos da primeira metade do séc. XX, Norman Thomas, a profecia: “o povo americano nunca vai adotar o socialismo conscientemente. Pelo nome ‘liberalismo’, ele vai adotar cada ponto do programa socialista até o dia em que os EUA se tornem uma nação socialista sem nem perceber o que aconteceu. Eu não preciso mais me candidatar a presidente, o Partido Democrata adotou a minha plataforma”.
Não se tem registro formal desta declaração, mas é verdade que Norman Thomas escreveu: “o povo americano vai adotar o socialismo mas não com esse nome. Eu disputei uma eleição pelo Partido Socialista e tive 60 mil votos, mas quando mudei meu discurso para “acabar com a pobreza” consegui 879 mil. Temos que reconhecer que o inimigo foi bem sucedido ao espalhar grandes mentiras sobre o socialismo. Não há porque atacar de frente, vamos atacar o inimigo pelos flancos”. O socialismo americano não mudava suas idéias, mas mudou de nome.
Nos anos 60, a estratégia de dissimulação e despiste da esquerda americana “liberal” chegou ao seu apogeu, o que causou um racha no movimento. Enquanto os puristas ainda insistiam em usar bandeiras vermelhas, foices e martelos, imagens de Mao e Che, a “New Left” surge com slogans como “faça amor, não faça guerra” e passa a buscar a infiltração em todas esferas da cultura, um processo que começa quando os intelectuais da Escola de Frankfurt se mudaram para Nova Iorque, mais especificamente para a Universidade de Columbia, em 1935.
Com o pretexto de fazer “críticas” ao capitalismo e à sociedade judaico-cristã ocidental, os intelectuais frankfurtianos deram a guinada marxista nos estudos das áreas de humanas nos EUA que, aliados aos pós-modernistas franceses dos anos 60/70, dá o tom até hoje. A “New Left” abraçou a contracultura e todas as causas que atacavam frontalmente o que era visto como os pilares da tradicional cultura americana (família, religião e patriotismo), mudando a face de toda uma geração do país. Eles são os baby-boomers, os nascidos entre 1946 e 1964 que hoje estão no poder.
Os sexagenários e septuagenários da “New Left” hoje controlam todas as esferas da cultura, do jornalismo e da academia, o que tem jogado uma parte crescente do país para a esquerda. Durante este período, a esquerda americana produziu Barack Obama, o senador com o histórico de votações mais à esquerda que se tem notícia mas que nunca assumiu abertamente o rótulo de esquerdista. Obama sempre foi extremamente habilidoso em avançar sua agenda ideológica de forma dissimulada e insidiosa como mandam os manuais revolucionários de gente como Saul Alinsky, ídolo de Hillary Clinton. A tática deu mais certo do que o mais delirante otimista poderia imaginar.
Depois de tantas décadas de um competente trabalho de engenharia social e doutrinação cultural, a atual geração de jovens americanos é considerada a primeira assumidamente socialista do país. Segundo uma matéria publicada na semana passada no jornal The Washington Post, 43% dos jovens americanos pesquisados (30 anos de idade ou menos) dizem ter uma visão favorável do socialismo e apenas 32% declaram ter uma avaliação positiva do capitalismo. Se você ainda não está assustado o suficiente, saiba que na mesma pesquisa 69% dos jovens disseram que votariam num candidato abertamente socialista (entre os que têm 65 anos ou mais, apenas 34%).
É neste ambiente que surge como um furacão a candidatura de Bernie Sanders, 74 anos, o primeiro candidato a presidente relevante em quase 100 anos que se apresenta abertamente como socialista. Não há uma única diferença ideológica entre Barack Obama, Hillary Clinton e Bernie Sanders, mas este último, uma espécie de Eduardo Suplicy americano, não tem qualquer receio em dar o nome correto para as idéias que seu partido há décadas representa.
A atual eleição americana não é uma disputa, no lado democrata, entre um socialista e uma “liberal”, mas entre um socialista assumido e uma socialista dissimulada. Hillary Clinton, 68 anos, uma típica representante da New Left, tem uma paixão proibida pelo socialismo desde a juventude, assim como Julieta tinha por Romeu, e preferiu abandonar o nome do seu amado para poder viver seu caso de amor ideológico sem ser incomodada.
É a geração de Hillary Clinton que, aos poucos, foi preparando o ambiente cultural e político para que hoje Bernie Sanders possa ser um candidato viável e que não choque a população. Pelo contrário, o principal “charme” de Sanders, que faz com que seja amado pelos jovens e pelas celebridades da cultura pop, é exatamente se assumir socialista.
O final de Romeu e Julieta é trágico. No clássico de William Shakespeare, é o Príncipe de Verona quem descobre os jovens apaixonados mortos. Ele encerra o drama com as seguintes palavras: “Uma paz triste a manhã traz consigo. O sol, de luto, nem quer levantar. Alguns terão perdão; outros, castigo. De tudo isso há muito o que falar. Mais triste história nunca aconteceu que esta, de Julieta e Romeu.”
Ainda é cedo para saber como se desenrolará a eleição deste ano, mas o caso de amor entre o povo americano e o socialismo está cada vez mais próximo. Se isso realmente acontecer, é impossível ser otimista em relação ao século XXI e só nos resta torcer para que o destino nos poupe de uma América assumidamente socialista depois de oito anos do dissimulado Barack Obama. Como dizia Ronald Reagan, “a liberdade está sempre a uma geração da extinção”.
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