A jornalista Heloisa Seixas escreveu um corajoso e sincero artigo hoje no GLOBO fazendo uma mea culpa geral da imprensa e questionando até que ponto o silêncio em relação aos black blocs foi cúmplice na morte do cinegrafista Santiago Andrade. Diz ela:
Desde que começaram os movimentos de junho do ano passado, temos assistido à crescente violência nas manifestações. Essa escalada de violência tem sido atribuída quase sempre à maneira truculenta de agir por parte dos policiais. […]
Jovens advogados, políticos progressistas, instituições que sempre defenderam os direitos humanos, todos têm saído em defesa dos manifestantes, na presunção de que, entre perseguidos e policiais, os primeiros têm sempre razão. Mas os black blocs, ou seja lá que nome tenham, vinham dando sinais nos quais devíamos ter prestado mais atenção: havia tintas neonazistas no comportamento deles, inclusive na hostilidade à imprensa.
Mas parecia retrógrado, uma coisa velha, de direita (como se dizia antigamente), ser contra os manifestantes. Poucos de nós, na imprensa, tivemos coragem de escrever contra eles com a força necessária. […]
E agora estamos assim, como o meu amigo da Bandeirantes. Com esse nó na garganta, essa pergunta presa no peito: será que nosso silêncio constrangido nos faz cúmplices na morte de Santiago?
Lamento dizer, cara Heloisa, mas creio que sim. Detesto usar o “eu avisei”, mas como um dos poucos que, na imprensa, desde cedo chamou a atenção para o risco fascista dos vândalos mascarados e disfarçados de “manifestantes”, posso atestar que tal conivência ou silêncio sempre despertaram angústia e revolta em mim.
Não foi por falta de aviso. Basta ler os primeiros artigos, ainda em junho de 2013, de minha autoria, ou do Reinaldo Azevedo, ou do Guilherme Fiuza. Éramos poucos, mas tentamos ser o mais objetivos e até estridentes possível. Cheguei a escrever um texto, que circulou bastante, alertando para o enorme perigo de se brincar de revolução neste país. Dizia eu nele:
Muita gente acha que o Brasil, terra do pacato cidadão que só quer saber de carnaval, novela e futebol, precisa até mesmo de uma guerra civil para acordar. Temo que não gostem nada do gigante que vai despertar. Ele pode fazer com que essa gente morra de saudades do “homem cordial”. Não se brinca impunemente de revolução. Pensem nisso, enquanto há tempo.
Mas foi tudo em vão. Ligava na GloboNews e lá estavam “especialistas” enaltecendo os jovens mascarados, que finalmente ajudariam a construir um “novo país”. Ia participar de palestras, e lá estavam seguidores de Manuel Castells, vibrando com a “nova forma” de se fazer democracia.
Abria os jornais, e lá estavam colunistas condenando sempre a polícia nessas “manifestações”, que invariavelmente começavam pacíficas e acabavam com quebra-quebra.
Entrava na internet e lá estava a foto de Caetano Veloso, fantasiado como um black bloc, endossando a prática dos delinquentes. Colocava na TV Cultura e lá estavam dois líderes da tal “Mídia Ninja” defendendo baboseiras como se fossem a vanguarda do novo jornalismo.
Fui severo crítico de tudo isso, como meus leitores podem testemunhar. Mas não é o sabor da vitória que desejo agora, pois isso de nada adiantaria. No mais, como disse Voltaire, “Quem se vinga depois da vitória é indigno de vencer “. Vingança com aqueles que foram míopes, cegos até, e deixaram a empolgação dominar a razão não serve para nada.
O importante é aprender lições com o que aconteceu. O importante é evitar tais erros no futuro. O importante é não sucumbir às utopias revolucionárias, aos jovens detentores de “sabedoria” ímpar, aos meios nefastos em nome de nobres causas.
Ficaria muito feliz se toda essa desgraça servisse, ao menos, para esta mudança de postura de boa parte da imprensa. Infelizmente, apesar de dolorosos reconhecimentos de culpa, acho pouco provável uma mudança muito significativa à frente. A história nos ensina que poucos aprendem com a história. Não fosse assim, os jacobinos não teriam tanta estima de tempos em tempos…
Rodrigo Constantino