O presidente Bolsonaro confessou que o governo sofre pressão da “velha política”, ou seja, que deputados cobram o preço para o apoio às reformas por meio da indicação de cargos nos segundo e terceiro escalões, mas que não pretende sucumbir ao toma-lá-dá-cá típico das gestões anteriores:
Considero o esforço do presidente em resistir a essa tentação nobre, e acredito em sua sinceridade. Mas se é possível evitar indicações apenas políticas, ou seja, sem qualquer respaldo técnico, não é possível rechaçar a influência política das indicações. Ou seja, o PSL e a base governista não contam com número suficiente de deputados para aprovar reformas, e viajou na maionese do romantismo infantil quem achou que bastava persuadir os demais com o patriotismo, ou uma “prensa” do povo.
Não é assim que funciona a política, e ela não vai mudar da noite para o dia. Para aprovar uma PEC como a Reforma da Previdência são necessários 308 votos na câmara de 513 e 49 dos 81 senadores em duas votações em cada casa. Alguém acha mesmo que é viável fazer isso sem concessões políticas? Quem pensa assim não quer fazer política, mas sim uma revolução. E revolucionários são sempre perigosos, e costumam entregar um resultado pior do que aquilo que destruíram.
Carlos Andreazza comentou sobre a mudança de postura do governo: “Aí está, conforme obviamente previsto: governo sem articulação política e sob pressão, no improviso, distribui cargos de segundo e terceiro escalões e abre o caixa para liberar emendas. Festa! Nem perguntarei onde estão as bancadas temáticas para não aborrecer ainda mais. […] É embaraçoso para o governo, porque o bolsonarismo criminalizou a política e cunhou a expressão toma-lá-dá-cá; mas o que se faz agora é negociar politicamente, e está certo. Quem tem de cobrar explicações são aqueles que se iludiram e votaram pensando que seria diferente”.
De fato, o “lava-jatismo” criou um clima antipolítica no país, o que é prejudicial à democracia. Parte da militância bolsonarista demonstra perfil jacobino, “purista” (ainda que seletivo, pois não cobra explicações dos rolos da família do próprio presidente), tribal, e não aceita qualquer tipo de concessão à “velha política”. Mas é exatamente disso que Bolsonaro precisa para aprovar as reformas. Pode chamar de outro nome, pode tentar evitar ao máximo indicações suspeitas, deve filtrar com base na ficha limpa e na capacidade técnica, mas no fim do dia terá de engolir indicações políticas, ou nada de reforma.
Em outras palavras, Bolsonaro tem a chance de ser um reformista, não só ao aprovar as reformas que estancarão a sangria fiscal, como fazer isso sem se curvar totalmente diante do velho qui-pro-quo. Não será uma compra de votos escancarada, como ocorria no PT, e tampouco será uma aprovação por mérito exclusivo dos argumentos apresentados e do patriotismo dos deputados e senadores. Será algo no meio do caminho. É o jeito. O pragmatismo necessário para se avançar, já que não existe forma de abrir mão da via política – ou melhor: até existe, mas ela é ainda pior!
Rodrigo Constantino
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