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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

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Segundo o deputado Jair Bolsonaro costuma apregoar, o presidente João Goulart representava, em 1964, a ameaça do comunismo. Por isso, de maneira inteiramente legal, o Congresso cassou seu mandato e os militares, para manter a ordem, assumiram o controle do processo administrativo nacional, limitando apenas as liberdades dos desordeiros comunistas e fazendo o que lhes coube para assegurar a prosperidade. Todos eles da mesma forma – Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel (que, como já comentei, sequer gostava de Bolsonaro) e Figueiredo – são heróis.

Segundo a corrente renovadora do Partido Social Liberal, LIVRES, em publicação desta sexta (14/04), em seu Facebook, feita sob o pretexto de atacar Bolsonaro, os militares, ao contrário, atraiçoaram o Brasil e assumiram o poder promovendo “censura, prisões, tortura ou repressão ideológica”. Eram todos “ditadores” e levaram a efeito programas econômicos desastrosos; Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo foram todos terríveis e autoritários. Da maneira com que a publicação se organiza, sem ressalvas, passa a nítida impressão de que de pouco vale discriminá-los em suas especificidades, porque tudo é igualmente repulsivo. “O governo militar”, como uma entidade única, “foi muito pior para a economia do Brasil do que o governo Dilma, o que não é fácil de atingir, com o “plus” de ter conseguido transformar o Brasil numa ditadura (coisa que, felizmente, o PT não conseguiu)”, eles concluem.

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De que lado eu estou? Sem nenhum pudor de ser acusado de “isentão”, porque eu tenho um lado muito firmemente adotado, que é o da minha própria consciência, afirmo: nenhum. Não concordo com nenhum dos dois desta vez. Bolsonaro e PSL, cujos simpatizantes costumam naturalmente trocar farpas, estão unidos nessa questão em um mesmo equívoco: o da simplificação histórica. Agem à maneira de certa classe pensante nacional que, desde a independência do Brasil, cuida de abraçar apenas idealismos e não leva em consideração as concretudes e as circunstâncias do desenvolvimento histórico – como certos liberais que acusavam José Bonifácio de absolutismo, quando este entendia que o Brasil estava tomado por senhores de escravos e não poderia de um salto se tornar a Inglaterra.

Não, os “militares” do regime não são os “grandes heróis salvadores do Brasil”. Não é correto, aliás, nem em um sentido positivo, nem em um sentido negativo, insistir no simplismo do “governo militar” como um bloco único, que mais atrapalha do que ajuda.

Para começo de conversa, por mais que o Brasil estivesse, sim, convulsionado em 1964, não há motivo para falsear a verdade histórica. O Congresso, na figura de Auro de Moura Andrade, cassou o mandato de Goulart, mas o fez sob a alegação de que o presidente estava fora do país, o que simplesmente não era verdade. Do ponto de vista técnico-jurídico, aconteceu um golpe, e por mais que compreendamos as dificuldades do contexto, negar isso é o começo de uma idealização equivocada do processo.

Para além disso, convém dizer o óbvio: os militares adotaram uma orientação tecnocrata, paulatinamente dissolveram a vitalidade da política civil, amputaram a carreira de líderes promissores como o próprio Carlos Lacerda, e sim, tal como aponta o PSL, sucederam-se em plataformas estatizantes que provocaram, ao final, a crise que ajudou a impulsionar o colapso do sistema que a “Revolução” montou. Não se preocuparam com a esfera cultural, até ajudaram a alavancar lideranças sindicalistas como Lula – sobretudo no período Geisel – e entregaram o Brasil de bandeja à divisão entre esquerda e fisiologismo.

Porém, e aí erra o PSL, adotando a mesma abordagem da esquerda, não se pode também ignorar o contexto da época, o temor de uma fase de Guerra Fria, a perturbação da ordem social e da própria hierarquia das Forças Armadas a que o país era conduzido sob o governo perturbado de Goulart, e nem, sobretudo, desconhecer as diferenças entre os presidentes militares.

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Se Castelo Branco – que, lembremo-nos, representou o Brasil na Segunda Guerra Mundial -, com o Plano de Ação Emergencial do Governo, levado a cabo por ninguém menos que Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, levou a efeito “a criação do ICMS, do IPI, do INSS (para resolver os problemas imediatos de caixa do governo) e do Banco Central” e também “foi responsável pela indexação da economia à inflação”, como destaca o LIVRES, ao mesmo tempo ele também chefiou um processo de contenção da emissão de moeda que verdadeiramente reduziu bastante a inflação. Além disso, se o processo de fechamento do sistema político já começou com medidas durante seu mandato, significativa parcela da classe política o elegeu para o cargo em 11 de abril de 1964, e artigos de oposição até virulentos foram publicados naquele período, inclusive textos do próprio Carlos Lacerda, como governador da Guanabara.

Não sou eu quem está dizendo, mas o próprio historiador Marco Antônio Villa quem lembra que, de 1964 até 1968, a realização de festivais musicais, a publicação de livros e artigos de oposição na imprensa da época, e a presença de um “leque enorme no campo político-cultural” de esquerda impedem que seja razoável falar em “ditadura” naquele momento. Isso não significa, ele também destaca, que houve “ampla liberdade” naquele período; houve uma combinação entre autoritarismo e liberdades, com o Congresso majoritariamente aberto, tipo de ambiente que marcou diversos episódios da nossa história, sobretudo até aquele momento.

É de uma simplificação muito grotesca acreditar que esse estado de coisas equivale ao que principia com o AI-5, sob o tacão de Costa e Silva. Aqui o PSL começaria a acertar e Bolsonaro começaria a errar, porque o sistema se torna mais acentuadamente fechado e as garantias constitucionais são suspensas. Ambos, porém, Bolsonaro e PSL, concordariam em que os adversários armados do regime, mesmo nesse período mais francamente ditatorial, não adotavam nenhuma intenção realmente democrática em seu vocabulário ativista.

Finalmente, de 1979 em diante, as imunidades parlamentares são restabelecidas, o multipartidarismo retorna, exilados retornam e culmina o processo de abertura. João Figueiredo, o último presidente militar, encabeça o desfecho desse processo, abrindo as portas à Nova República. Sobre isso, particularmente sobre quem, numa tacada arrogante, se dispusesse a chamá-lo muito preguiçosamente de “ditador”, é Villa quem diz, e não eu: “Isso é ridículo. Quem fala isso não sabe o ‘be-a-bá’ do conceito ‘ditadura’, tem que voltar para a escola; faz panfleto, não faz História. Faz um desserviço à ciência da História”.

Esses os fatos – nos quais não há nenhuma agenda distorcida e simplista do interesse de grupos que se cegam às contradições da realidade, em favor de atalhos de conveniência.

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