Está circulando pelas redes sociais uma entrevista de Jair Bolsonaro ao Estadão em 1999, em que o capitão elogia ninguém menos do que Hugo Chávez, o troglodita socialista que destruiu a Venezuela. Leitores me cobram algum comentário, e é justo. Claro que tenho meus dois cents para oferecer sobre o assunto.
Em primeiro lugar, o óbvio: todos têm o direito de mudar de opinião. Resgatar algo de quase duas décadas atrás não prova o que o pré-candidato pensa hoje, ou que ele é hipócrita e mentiroso. Pode muito bem ser um caso de mudança legítima de posicionamento, como já vimos tantas vezes com diferentes pessoas.
Mas a postura de alguns militantes fãs do “mito” incomoda. Eles não aceitam quaisquer críticas, cobranças ou escrutínio. Ora, a postura do cidadão, do eleitor, e ainda por cima do liberal deve ser sempre a de cobrar políticos, exigir coerência ou reconhecimento de erros passados, investigar sua vida. É o mínimo!
Aceitar o escrutínio do público, portanto, faz parte da vida de qualquer um que resolve ser político e, principalmente, tornar-se presidente. O admirador tem todo direito de apontar para eventuais ataques exagerados, para um duplo padrão da imprensa, para forçação de barra, mas não pode esperar que o seu candidato não vá ser vitrine. Todos são, e todos devem ser, especialmente aqueles que lideram as pesquisas.
No mais, a própria militância de Bolsonaro deu o tom: tem usado táticas condenáveis nas redes sociais para detonar qualquer concorrência. Fizeram isso com Dória, com Alckmin e até mesmo com João Amoedo, do Partido Novo, que não representa uma grande ameaça por ser desconhecido do público e não despontar em pesquisas.
Quando Amoedo respondeu um comentário sobre a mãe que levou sua filha a uma “exposição artística” para tocar num homem nu, afirmando que acreditava ser um direito dos pais tal escolha, essa resposta circulou bastante pela militância de Bolsonaro.
Ficar revoltado agora que o seu candidato vira alvo é uma postura lamentável, portanto. Faz parte do jogo, e seria ótimo se todos mantivessem um nível mais elevado nessa disputa. Mas antes de apontar para a sujeira na soleira do vizinho, que tal limpar a própria?
Se Bolsonaro quer se vender como anticomunista e liberal em economia, ele tem todo direito, e pode muito bem ser sincera sua conversão. Mas se o passado o condena, então o eleitor tem todo direito de cobrar explicações.
Bolsonaro já votou em Lula, no Ciro Gomes, já quis “fuzilar” FHC por ter privatizado a Vale, e já elogiou até mesmo Chávez? Então que venha a público justificar esses erros, bater no peito e assumi-los, e admitir que mudou. Simples.
Mas voltar as energias contra aqueles que apontam tais erros passados não é uma postura aceitável. E, infelizmente, é exatamente a de muitos militantes de Bolsonaro. Eles pensam como time de futebol, e se alguém fizer perguntas incômodas, só pode ser do time contra.
Cansei de ver gente dessa turma afirmando que eu não sou muito “confiável”. Por que será? Porque não tenho caráter, porque sou vendido? Não! Mas porque… sou independente, faço elogios, defendo quando ele merece defesa, mas também critico. Não sou “confiável”, portanto, por não ser mais fiel, por ser um possível traidor. Isso é tribalismo na veia, algo incompatível com o liberalismo calcado em princípios, não em ídolos, já que todos têm os pés de barro.
O mesmo vale para a imprensa. Que há uma perseguição a Bolsonaro na mídia mainstream é um fato, e um que eu mesmo vivo a apontar. Os que não deixam passar nada do candidato de “extrema-direita” são os mesmos que poupam Lula, o PSOL e que chamam até um comunista invasor como Boulos apenas de “esquerda”. É patético!
Mas um veículo como a Gazeta do Povo, que tem uma pegada claramente liberal-conservadora, que busca ser realmente isenta e sem esse típico viés de esquerda predominante na imprensa, tem a obrigação de investigar e denunciar todos os políticos, não de bajular alguns. Não entender o papel do jornalismo é triste, e novamente: muitos na militância do capitão agem demonstrando não compreender a função essencial de um jornal, que jamais pode ser torcida de político.
Voltando ao começo: Chávez estava no início de sua gestão, então é claro que Bolsonaro pode alegar ignorância, desconhecimento de causa. É verdade que a frase sobre o comunismo é mais complicada, abrangente. E também é verdade que, na época, os liberais já detonavam Chávez. Lembro-me de debates no Orkut ainda, em que eu afirmava que Chávez iria destruir a Venezuela, enquanto “intelectuais” achavam ele o máximo.
Mas o melhor argumento de defesa para Bolsonaro está na resposta ao lado da sua, do comunista Aldo Rebelo. Foi ele quem elogiou ainda mais Chávez, comparou-o a Salvador Allende, e disse que Bolsonaro só estava empolgado com o homem por não conhecê-lo direito, por não saber quem ele era de fato. O comunista continuou louvando Chávez, depois Maduro e o “socialismo do século XXI”, que, de fato, destruiu a Venezuela.
“Quando o conhecer, pensará diferente”, disse Aldo Rebelo. E não foi exatamente o que aconteceu? Bolsonaro se tornou um dos maiores críticos do Foro de São Paulo, do PT, de Maduro e do comunismo. E o que está em jogo é o presente e o futuro, não o passado de quase 20 anos atrás, não?
PS: Os defensores de Bolsonaro que alegam que Chávez enganou “todo mundo” e se vendia como liberal-conservador democrata na época não percebem que em nada ajudam o seu “mito”. Primeiro, porque não foi “todo mundo” que embarcou nessa canoa furada, e os liberais já detonavam Chávez desde o começo. Da mesma forma que não foi “todo mundo” que acreditou e votou em Lula: os liberais já o detonavam desde sempre também, e o meu Estrela Cadente é de 2005 (mas bem antes disso eu já atacava com fervor o PT). Segundo, porque a imagem de um militar que se passa por liberal-conservador democrata para enganar os outros e depois vira um socialista estatizante totalitário não é exatamente muito positiva para o próprio Bolsonaro. Podem associar ao capitão e questionarem: o que garante que não é exatamente o caso dele agora? Talvez seja melhor simplesmente assumir que ele foi cego e errou feio, em vez de tentar justificar sempre seus erros passados…
Rodrigo Constantino
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