A nova pesquisa do DataPoder confirma Jair Bolsonaro liderando a corrida presidencial, e vencendo no segundo turno em todos os cenários. A surpresa maior foi Fernando Haddad, do PT, crescendo antes mesmo de Lula desistir de sua “candidatura” impossível. A tendência é o petista avançar ainda mais sobre Ciro Gomes, à medida que ficar claro para a parcela mais ignorante da população que ele é o escolhido por Lula.
Muitos, especialmente nas redes sociais, confundem análise com torcida, e isso polui os debates. Há quem, por exemplo, atue como diretor partidário, mas finja ser isento em suas “análises”, o que é uma piada. Todo cuidado com essa turma é pouco. Vejo vários seguidores meus pegando essa pesquisa e concluindo que Bolsonaro deve vencer até no primeiro turno. Bobagem! Não há a menor chance. E se ele bobear, poderá inclusive perder, apesar da folga atual.
Um torcedor não permite que os fatos e a lógica falem mais alto do que seus desejos, o erro primordial de um analista. Quem fica batendo o bumbo de que a direita vai vencer em toda eleição não faz análise, e sim marketing partidário ou ideológico. Quem quer entender os cenários e o que ainda deve mudar precisa procurar gente séria, minimamente imparcial.
Um seguidor empolgado do Partido Novo que diga que João Amoedo tem chance de vencer, por exemplo, deve ser descartado como analista isento da mesma forma que quem ainda acha que Lula será candidato ou que Bolsonaro vai levar logo no primeiro turno. Estão todos sonhando, não fazendo análise.
Eu, como ex-filiado do Novo e alguém que sempre defendeu seu projeto, posso torcer pelo sucesso do partido, mas também devo constatar honestamente o absurdo da crença de que João será o próximo presidente em 2019, pois sou independente. Mas alguém com cargo no diretório de um partido jamais terá a mesma liberdade, pois responde aos seus chefes e seu futuro profissional depende do resultado das eleições, não do acerto de suas previsões.
Quem faz boa análise do cenário, para dar um nome, é Alexandre Borges. Em sua avaliação com base nessa última pesquisa, o quadro começa a ficar mais definido, mas ele lembra que ainda falta muito chão até o dia da eleição:
Depois da Copa é que a campanha realmente começa e por isso não perco tempo com futurologia de borra de café. O que interessa e que há nomes muito fortes neste momento na disputa pós-prisão do Lula, especialmente Jair Bolsonaro e Ciro Gomes, e é possível que continuem na liderança em julho quando todas as candidaturas entram em campo.
Bolsonaro não apenas lidera em todos os cenários da pesquisa como ainda tem o voto mais consolidado (77%), um resultado fora de série. Ciro vem logo atrás na vice-liderança com 58% de eleitores que dizem que estão com ele “com certeza” e, mesmo sendo um chavista desmiolado, já recebe afagos públicos de bilionários e seus despachantes na imprensa. No segundo pelotão, Álvaro Dias tem 60% de consolidação de voto.
Considerando os votos totais, nada menos que 30 a 40% do eleitorado ainda está indeciso ou optando por branco/nulo. É um número que cairá com a proximidade da eleição e que hoje pode virar o jogo para qualquer candidatura, por isso é preciso ainda cautela antes de vaticinar o resultado final. Tenho minhas torcidas pessoais, como todos vocês, mas tento não misturar as coisas.
Borges cita outros pontos importantes, como o efeito do “recall” para os nomes mais conhecidos e em campanha há mais tempo, e divide os eleitores em três grandes grupos: Eleitor não-ideológico, indignado “contra tudo isso que está aí”, que busca mudança porque “pior que está não fica”, aquele insatisfeito com a situação atual e sem muita fé nas instituições; Eleitor que rejeita o legado do petismo, que quer mudança sem rupturas, que vê méritos na condução econômica do governo atual e quer uma continuidade na responsabilidade fiscal, na retomada do crescimento e vê na eleição uma oportunidade de renovação sem dar cavalo-de-pau no país; Eleitor que tem uma memória positiva do período lulista, que acredita que “todos são corruptos, mas pelo menos Lula fez algo pelos pobres” e que está na cadeia por conta de uma “armação” engendrada contra ele por poderosos de dentro ou fora do seu próprio círculo político. Por fim, ele conclui:
Considerando os votos totais, de 30 a 40% do eleitorado ainda está indeciso ou optando por branco/nulo. É um contingente enorme de eleitores que hoje podem virar o jogo para qualquer um dos grupos. Como já há candidatos colocados há algum tempo, quem ainda não se decidiu até agora é porque não está confortável com as opções colocadas e está aberto a conhecer melhor os candidatos durante a campanha.
É cedo para dizer quais eleitores destes três grupos vão colocar seus candidatos no segundo turno e se eles clusters vão crescer ou diminuir, mas os três são competitivos hoje num cenário com apenas metade dos eleitores dizendo que o voto está “consolidado”. Estamos vendo a eleição menos previsível desde a redemocratização, mas o eleitor já começa a se posicionar. Estamos de olho.
Outro que faz boas análises sobre pesquisas é Bernardo Santoro. Ele ainda não mergulhou a fundo nessa última do DataPoder, mas adiantou suas impressões iniciais:
Eu sempre digo o seguinte: o PT erra no seu cálculo ideológico e moral sempre. Faz parte da natureza do PT ser um lixo ideológico e moral. Agora, ignorado isso, o PT sempre foi o partido com o cálculo político mais afiado do Brasil. No entanto, continua a manter o erro grosseiro de insistir na candidatura Lula e impedir a pré-candidatura Haddad. É somente isso que hoje impede o estabelecimento de Haddad como o contraponto natural de Bolsonaro. Se o PT continuar a errar politicamente de maneira tão grosseira, Ciro Gomes pode acabar se viabilizando como o principal candidato da esquerda. O jogo começa a se afunilar e, também como previsto, Álvaro Dias vem aí para ser o principal candidato de centro. A briga para ver quem vai pro segundo turno com Bolsonaro vai ser muito divertida.
O erro mais bobo que alguém pode fazer numa análise é simplesmente extrapolar o presente. É um erro muito comum, porém. E é o que tem levado tanta gente a repetir que Bolsonaro “já ganhou”, ou que pode levar já no primeiro turno, sendo que se trata de uma eleição pulverizada, e lembrando que ele tem alto nível de rejeição, principalmente entre as mulheres.
Bolsonaro tem muita militância, até fanática, e passou a representar uma ideia, incorporando o cansaço com o establishment, o combate à corrupção e à violência, assim como Trump conseguiu fazer com sucesso aqui nos Estados Unidos, com sua visão do “muro” contra imigrantes ilegais e do “Make America Great Again”. Essa analogia foi bem explicada por Carlos Andreazza em sua coluna de hoje:
Todos se lembram do “muro de Trump”, o paredão que, eleito, ergueria para separar os EUA do México. Trata-se da hipérbole exemplar, a âncora a partir da qual o então candidato cravou para si — com ódio de um lado tanto quanto paixão de outro — uma bandeira objetiva capaz de mobilizar milhões de eleitores e transformá-lo em protagonista, em pauteiro-mor, da campanha.
Não há moralidade quando se emprega tal nível de persuasão. Somente eficácia. Quando Trump afirmava, espetacular e radicalmente, que deportaria milhões de imigrantes, inclusive legais, outra coisa não fazia do que se inscrever — na mente das pessoas — como o único que se preocupava com a porosidade das fronteiras nacionais e com a imigração ilegal, e o único que faria algo prático a respeito, daí o muro. Pormenores sobre como implementar o que prometia? Ora, ele se aprofundaria nas formas de execução quando empossado, com o auxílio de especialistas. Impossível não pensar em Paulo Guedes, no caso bolsonarista, como emblema tranquilizador dessa mensagem postergadora.
Bolsonaro joga esse jogo. Mapeou as duas principais sensibilidades do brasileiro médio — o desprezo pelo establishment político (vide o modo como tentou capitalizar a mobilização de caminhoneiros) e a demanda por segurança pública — e, sobretudo no caso da segurança, estabeleceu-se como o senhor do assunto, o único que verdadeiramente se sensibiliza com o problema, e o único que o enfrenta com a prioridade exigida pela população. Ele também ergueu seu muro. E aqui falamos de ferramentas de convencimento, pouco importando a violência da proposta, segundo seus detratores, tanto quanto sua realização impraticável, segundo o mundo real. A amarra mental de Bolsonaro — o gatilho de choque por meio do qual se eleva como dono da pauta da segurança — é a ideia, afirmada e reafirmada, de armar a população; o tom dessa pregação se intensificará daqui até outubro.
Cada novo assalto representa mais votos para Bolsonaro. O clima de insegurança aumenta suas chances. Escândalos de corrupção ininterruptos colocam mais eleitores do seu lado. E o viés escancarado da mídia, que age como no filme “A vila”, em que Bolsonaro faz o papel “daquele de quem não podemos falar”, a menos que seja para ataca-lo, também joga mais gente para o colo do “mito”. Mas isso é suficiente para uma vitória? E já no primeiro turno?
De forma curta e direta: não! Mesmo aliados políticos de Bolsonaro entendem bem isso. Joice Hasselmann gravou um vídeo explicando a matemática da eleição, e afirmando que de nada adianta Bolsonaro “pregar para convertidos”, falar para a “bolha”, pois esse nicho, ainda que grande e crescente, é incapaz de lhe garantir uma vitória majoritária. Joice frisa a importância das mulheres, grupo onde Bolsonaro tem rejeição mais alta.
Se não houver um esforço de moderação nesse sentido, ele dificilmente vence. Mas seus seguidores mais fanáticos e ignorantes, conhecidos como “bolsominions”, não entendem isso, e seu barulho nas redes sociais é o maior inimigo do candidato. Ou seja, enquanto a mídia mainstream é o maior cabo eleitoral involuntário de Bolsonaro, sua militância cega, achando que está ajudando seu “capitão”, é a força que mais joga contra sua candidatura.
Sem falar que ainda tem a campanha na televisão, ainda relevante no Brasil, e a máquina estatal dos grandes partidos, com seus prefeitos, vereadores, funcionários públicos e cabos eleitorais Brasil afora. O jogo mal começou, e é um grande equívoco extrapolar o momento atual para outubro. Constatar essas incertezas e os enormes desafios à frente não é “jogar contra” candidato algum, e sim fazer análise séria, análise que, inclusive, deveria ser lida com muita atenção por aqueles que querem a vitória de fato, e não o direito de gritar e espernear nas redes sociais, como se fosse um torcedor fanático de um time de futebol.
Por falar em futebol, nada pior do que o clima de “já ganhou”, aquele “salto alto” dos jogadores que entram em campo considerando a vitória como certa e garantida. A soberba é fatal. Meu grupo de pôquer leva esse alerta tão a sério que ela ganhou até apelido e virou apenas “a berba”, que sempre dá um jeito de deixar o arrogante de queixo caído para aprender uma importante lição sobre a hubris.
Repetir que o time da direita vai ganhar dez de dez jogos não é fazer previsão, e sim expor seu partidarismo tosco. A independência e a honestidade são os principais ativos de um analista. E claro, a inteligência ajuda…
Rodrigo Constantino