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Bolsonaro marca gol de placa com projeto de autonomia do Banco Central, e gol contra com “tabelamento” de preço do diesel

O novo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante cerimônia de transmissão de cargo. (Foto: )

Entre as medidas anunciadas no tal pacote dos cem dias, a independência do Banco Central talvez seja a mais importante. Qualquer coisa que faça Ciro Gomes agir com seu instinto coronelista, ameaçando até tomar as ruas para impedir, é sinal de que vai no caminho certo. A Gazeta traz hoje uma reportagem bem didática sobre a autonomia legal do BC:

O governo enviou nesta quinta-feira (11) um projeto de lei ao Congresso para dar autonomia formal ao Banco Central (BC). A iniciativa faz parte do pacote de medidas prioritárias para os 100 primeiros dias e é uma das principais missões de Roberto Campos Neto à frente da instituição monetária. O principal objetivo do projeto é que, sem o risco de ingerência política, o BC terá mais credibilidade e isso garantirá a estabilidade na economia.

Se o projeto for aprovado pelos parlamentares, o BC passa a ser formalmente independente do governo e a instituição perde o atual status de ministério e deixa de estar vinculado ao ministério da Economia. Além disso, o presidente da autoridade monetária passaria a ter um mandato de quatro anos, podendo o prazo ser prorrogado pelo mesmo período.

Atualmente, o Banco Central já funciona de maneira autônoma, mas isso não está no papel. Ou seja, não há uma independência formal, apenas um acordo para que o governo federal não interfira nas decisões na autoridade monetária. Esse acordo foi cumprido durante os governos FHC, Lula e Temer. Durante o mandato de Dilma Rousseff, houve pressão política para baixar os juros. No período militar, o BC não tinha autonomia.

A principal função do Banco Central é o controle da inflação, dentro das metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para isso, um dos instrumentos utilizados é a taxa básica de juros da economia, a Selic. O BC também é responsável por regular o setor bancário e a quantidade de moeda em circulação.

A independência formal do Banco Central é tratada como um avanço institucional e uma consolidação da estabilidade monetária, iniciada em 1994 com o Plano Real. O principal objetivo é reduzir ao máximo as chances de ingerência política nas decisões da entidade, como o governo pressionar para baixar – o mais comum – ou aumentar a taxa Selic. Atualmente, o presidente da República também pode trocar o presidente do BC quando bem entender.

Livre de interferência política, a instituição monetária ganha mais credibilidade junto a investidores nacionais e estrangeiros, pois dá uma sensação de maior segurança jurídica ao sistema financeiro e, consequentemente, à economia do país. Com isso, o risco-país tende a cair. O risco-país indica o nível de estabilidade econômica e é usado por investidores na hora de decidir em qual nação aplicar dinheiro.

Resgato um texto meu antigo explicando a importância da meta de inflação sendo perseguida por um Banco Central independente:

Quando leigos no assunto olham apenas o efeito imediato e criticam a medida de aumento da taxa Selic, podemos dar um desconto. Mas quando economistas e empresários caem na mesma falácia da miopia, levantando a falsa dicotomia de mais inflação e mais crescimento, aí temos muito o que temer. Afinal, a estabilidade dos preços e a maior previsibilidade advinda dela são fundamentais para o crescimento sustentável da economia. Esta confiança é o pilar que sustenta o crescimento a longo prazo, favorecendo o crédito e, acima de tudo, os investimentos produtivos. Eis os pilares que muitos querem derrubar, pedindo menor controle inflacionário para ter mais crescimento imediato.

Vários países parecem ter aprendido a lição de que o controle da inflação é fundamental. Inflação não é fruto da ganância de empresários ou nem mesmo de choques de oferta, que geram apenas mudanças relativas nos preços. Inflação é uma política, pois é sempre um fenômeno monetário. O padrão-ouro, com seus defeitos, servia ao menos para controlar a fome insaciável dos governos. Com as moedas fiduciárias sem lastro real, esse controle foi perdido, e a década de 1970 mostrou os enormes riscos disso. Os pobres são os que mais sofrem com o “imposto inflacionário”. O mundo evoluiu então para uma espécie de meio termo, com as moedas fiduciárias, mas com bancos centrais mais independentes, com autonomia para o mandato de controle da inflação. Foi uma evolução saudável após o fracasso dos governos irresponsáveis, que custaram milhões de empregos e muita destruição de riqueza.

Nesse contexto estão inseridos diversos países desenvolvidos e até alguns emergentes. A Zona do Euro, por exemplo, conta com uma meta implícita de 2% para a inflação, e a independência do banco central é garantida, nas tradições do Bundesbank. Os Estados Unidos possuem o Federal Reserve, banco central independente e que trabalha com meta implícita de 2% também. A Suíça vai na mesma linha, com meta implícita de 2%. O Canadá possui uma meta oficial de 2%, assim como a Inglaterra e a Suécia. Entre os países menos desenvolvidos, o Chile possui uma meta oficial de 3%, a mesma da Hungria, Coréia e México. A Noruega trabalha com metas oficiais de 2,5% para a inflação, a mesma da Islândia e Polônia. O Brasil, que ainda não tem, por lei, um banco central independente do governo, utiliza uma meta inflacionária de 4,5%, e uma banda entre 2,5% e 6,5%.

Como podemos ver, os principais países do mundo objetivam uma inflação perto dos 2%, e garantem autonomia para seus bancos centrais buscarem tal meta. No Brasil, que já possui uma meta maior e não conta com a independência do banco central, ainda há uma pressão enorme para menor controle, permitindo mais inflação, na falsa crença de que isso gera maior crescimento. Estamos muito atrasados no debate econômico!

Na verdade, o maior aliado do crescimento econômico é o investimento produtivo, e este é conseqüência, basicamente, de um ambiente favorável aos negócios. Isso quer dizer boa infra-estrutura, baixa carga tributária, flexibilidade trabalhista, abertura comercial e ampla liberdade econômica, de forma geral. Em outras palavras, tudo aquilo que o Brasil não oferece! Por isso convivemos com baixas taxas de investimento, sempre inferiores a 20% do PIB. O principal responsável por isso é o governo, que arrecada muito imposto, gasta demais e ainda controla muito a economia, através de uma burocracia asfixiante e infinitas leis inúteis. Para um crescimento maior e sustentável, o país precisa de uma drástica redução nos gastos públicos, das reformas tributária, previdenciária e trabalhista, e de investimento em infra-estrutura, de preferência através do setor privado. Em suma, se o governo sair um pouco da frente e deixar mais espaço para a iniciativa privada, o país avança.

Enquanto isso não ocorre, não resta outro mecanismo para debelar a inflação além da taxa básica de juros. Como o economista Paulo Guedes muito bem colocou, atacar a inflação com um único instrumento é como fazer cirurgia de córnea usando uma britadeira. O banco central brasileiro, sem independência legal mas com algum grau de autonomia na prática, vem fazendo o dever de casa, mesmo contra todo o barulho contra. Joga no time adversário pois o governo não ajuda onde deveria.

O governo Lula tem sido terrível em quase todos os aspectos, mas não podemos tirar seu mérito de manter a autonomia do banco central. Em vez dos empresários e esquerdistas condenarem a entidade, deveriam voltar suas energias para o ataque aos gastos excessivos do governo. Já passamos da fase de acreditar em contos de fada, como se a caneta milagrosa do governo fosse capaz de criar riqueza, como se fosse possível gerar crescimento marretando a taxa de juros para baixo. O juro é um preço e não pode ser manipulado ao bel prazer do governo sem graves conseqüências.

Muitos preferem usar a taxa de juros elevada como bode expiatório para nossos males, em vez de focar no cerne da questão. O dilema não é aceitar mais inflação para ter maior crescimento. O dilema é entre um crescimento sustentável ou um vôo de galinha. Para seguir pelo primeiro caminho, faz-se necessário um rígido controle da inflação, através de uma meta baixa a ser obtida através de um banco central independente. A taxa de juros mais baixa será resultado de um governo responsável, que gasta menos do que arrecada e não atrapalha tanto a iniciativa privada. Ou seguimos essa trajetória racional, ou ficaremos sempre reféns das maluquices de economistas que acham que riqueza se cria por decreto estatal.

Bolsonaro, portanto, marca um golaço ao apresentar proposta de autonomia legal do Banco Central. Curiosamente, parece que deixou o lado populista falar mais alto quando o assunto foi aumento de preço dos produtos da Petrobras. O presidente teria determinado que a estatal desistisse de aumentar o preço do diesel nas refinarias. Uma intervenção indevida, típica de petista.

Quando Bolsonaro acerta, devemos elogiar. Quando erra, temos a obrigação de criticar. Marcou um gol de placa com o projeto da independência do Banco Central, e um gol contra com o tabelamento de preço da Petrobras.

Rodrigo Constantino

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