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Não tive como deixar “Bono Vox” de fora dos ícones de Esquerda Caviar. O famoso líder do U2, afinal, tornou-se mundialmente associado às causas nobres lideradas por governos ocidentais, como o combate à fome na África. Já elogiou até o ex-presidente Lula, mostrando uma foto sua em show no Brasil, recebendo vaias em troca.

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Assim comecei o capítulo sobre ele:

Paul David Hewson é seu nome, mas pode chamá-lo de Bono (o bom). Ele merece! Afinal, quando pensamos nas pobres crianças africanas, automaticamente vem à mente sua imagem descolada, com óculos escuros da Prada, lutando por mais justiça na região. Bono, o salvador dos africanos!

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O líder do U2 é um dos mais ativos defensores da tese de que os governos ricos ocidentais devem ajudar a combater a miséria africana. O único problema disso, como já vimos, é que tal “ajuda” acaba perpetuando a situação nesses locais, criando dependência ou ajudando a financiar as elites organizadas no poder, não raro ditaduras corruptas e violentas. Intenções valem mais do que resultados?

A estratégia usada por Bono é aquela conhecida da esquerda caviar: incutir culpa nas pessoas (ele mesmo diz reconhecer a sua). Seu discurso faz qualquer um com uma vida minimamente decente se sentir responsável pela pobreza africana.

Com essa tática, conseguiu convencer autoridades a perdoar dívidas desses países miseráveis, inclusive autoridades de países pobres como o Brasil. A presidente Dilma, tal como Lula fizera, perdoou quase um bilhão de dólares de dívidas africanas, beneficiando ditadores nababos e mostrando como fazer caridade com o chapéu alheio é fácil (e o Brasil nem precisa de recursos, pois, como sabemos, não tem pobreza). Resta explicar ao cantor e à presidente Dilma que, agindo assim, as nações mais ricas perdem o interesse em emprestar mais dinheiro a esses países pobres.

Assim que soube de uma nova biografia crítica a ele (sim, isso é a coisa mais normal do mundo fora do Brasil, onde apenas “biografias” autorizadas são oficialmente permitidas), resolvi comprar e ler. Trata-se de The Frontman: Bono (In the Name of Power), do ativista irlandês Harry Browne (não confundir com o libertário que foi candidato a presidente nos Estados Unidos e autor de “Por que o governo não funciona”).

A simbiose do músico com o poder é bem retratada, assim como sua hipocrisia ao se colocar como grande humanitário, enquanto vive entre os ricos e poderosos. Só tem uma diferença: o autor considera Bono um “neoliberal”, que peca por ser pouco esquerdista na prática!

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Para o autor, a filantropia oculta uma agenda do capitalismo “neoliberal”, que seria nefasto e responsável pelas mazelas que assolam o mundo. Descobrimos que até a Rússia vai mal das pernas por culpa do “neoliberalismo” pregado por Bono e seu mentor de economia, Jeffrey Sachs.

O líder do U2 seria ganancioso, um especulador voraz e preocupado em pagar menos impostos. Para Browne, são pecados mortais! Ou seja, enquanto condeno a hipocrisia de Bono por posar de humanitário em vez de assumir abertamente as grandes vantagens do capitalismo calcado no lucro, Browne condena a mesma hipocrisia, mas porque Bono não defende de verdade os mais pobres (segundo o autor, isso só seria possível rejeitando o capitalismo “neoliberal”).

Por essa peculiaridade, foi um livro curioso de se ler. Concordava com o autor em vários aspectos, quando ele apontava as contradições de Bono, mas pelos motivos opostos. Bono não defendeu suficientemente o IRA, e isso, para o autor, é negativo. Bono acabou atuando na defesa dos transgênicos para aumentar a produtividade da agricultura africana, e isso, para o autor, é indefensável. Bono e sua banda migraram para a Holanda quando a Irlanda aumentou impostos, e isso, para o autor, foi absurdo (não a contradição com o discurso sensacionalista em si, que Browne aplaude).

E por aí vai. Descobrimos que Bono foi sempre próximo demais do poder ocidental, seja de Clinton, Bush, Tony Blair ou Obama, e que isso fez dele apenas massa de manobra para os interesses das grandes corporações que desejam explorar a África numa espécie de neocolonialismo. Sim, esse seria o “neoliberalismo”. Obama, o grande instrumento da colonização neoliberal? Risos.

O maior ponto de concordância entre mim e o autor diz respeito ao uso dos pobres do Terceiro Mundo como mascotes por essas celebridades. É para o velho regozijo pessoal, o “feel good sensation”, a visão entorpecente de que esses artistas, influenciando os políticos mais poderosos do mundo e os bilionários como Bill Gates, poderão “salvar o mundo”. Vão dormir certos de que jamais pisaram sobre a Terra seres tão bondosos e ungidos.

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A grande diferença é que condeno essa postura por ela afastar a solução liberal dos mais pobres, enquanto o autor acredita que ela fomenta o “neoliberalismo”, que julga responsável pela desgraça desses povos. No meu livro, até reconheci esse lado em Bono, o do discurso mais capitalista tão condenado pelo autor, mas concluí que era um lapso de bom senso:

Apesar disso, conseguiria me surpreender com um lapso de bom senso. Na verdade, ele próprio ficaria surpreso. Em um discurso na Goergetown University, Bono simplesmente defendeu o capitalismo como melhor forma para redução da miséria. Disse, após simular espanto por um roqueiro dizer tais coisas: “A ajuda é apenas um tapa-buraco. O comércio e o capitalismo empresarial tiram muito mais pessoas da pobreza do que as ajudas, é claro, já sabemos disso”.

Sabemos mesmo? Bom, eu sei, assim como boa parte dos leitores desse livro. Mas o público-alvo do cantor não sabe, e, como vimos, nem ele mesmo sabia. Seria fantástico se Bono usasse sua fama para divulgar os valores de livre comércio em vez de perdão das dívidas africanas. Eu até poderia tirá-lo da lista de ícones da esquerda caviar.

Contudo, foi apenas um “escorregão” mesmo. Logo depois, o megapopstar voltaria a seu normal, ou seja, um típico membro da elite culpada em busca de aplausos fáceis e da imagem de bom moço. Juntou-se ao chefe do chefe do mensalão, o ex-presidente Lula, considerado por ele um “tesouro internacional”, para propor esmolas assistencialistas planetárias. 

Ao que parece, o cantor pop, como humanitário engajado na política, não consegue agradar nem gregos, nem troianos. Nem liberais, nem esquerdistas radicais. O jeito é ignorar o Bono politizado e curtir apenas o músico mesmo. I still haven’t found what I’m looking for…

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