O Brasil costuma ser dividido entre dois extremos: de um lado, os derrotistas, aqueles pessimistas crônicos que repetem que o país nunca terá jeito, pois seu povo é uma porcaria. São fatalistas, parecem depositar pouca confiança na capacidade de mudança das pessoas e mesmo de uma cultura. Do outro lado, há os ufanistas, os “polianas”, aqueles que já acham que o país é o máximo, que somos a última Coca-Cola do verão, e que quem não enxerga essa maravilha toda tem mais é que se mandar para Miami.
Considero os dois casos equivocados, e até patológicos. Em meu livro novo Brasileiro é otário? – O alto custo da nossa malandragem, busco exatamente um equilíbrio mais realista. Apesar de reconhecer todas as mazelas e defeitos apontados pelo primeiro grupo, tento não cair nesse pessimismo crônico paralisante. Ao mesmo tempo, podemos aceitar algumas qualidades apontadas pelos ufanistas, mas sem se fechar para as críticas duras e necessárias.
Claro, como quero muitas mudanças em meu país, acabo me alinhando mais ao primeiro grupo, pois considero as críticas fundamentais. Mas eis a diferença: devem ser críticas construtivas, buscando soluções, alternativas, oferecendo propostas. Criticar por criticar, repetindo que somos mesmo um lixo, em nada ajuda. Apenas gera um gozo mórbido naqueles que estão presos ao destino da nação, ao mesmo tempo em que parecem sonhar com uma espécie de “juízo final”.
Lendo os jornais de hoje, percebi os dois extremos. O NYT, após aquela reportagem sobre o biscoito de polvilho, publicou outra em tom bem mais ameno. Na verdade, oposto: o jornalista da vez, Roger Cohen, disse estar “cansado” de tanto pessimismo dos brasileiros, e resolveu tecer elogios ao país, focar em sua capacidade de superação.
“Os problemas do País persistem, mas só um tolo nega que o Brasil será um grande ator do século XXI. Como qualquer pessoa que esteja frequentando a Olimpíada deve perceber, o Brasil tem uma cultura nacional poderosa e feliz. É a terra do ‘tudo bem”’, diz ele. Resta saber se esse “tudo bem” nos ajuda ou nos atrapalha…
Ele ainda ressalta que a sua imagem preferida é a de Rafaela Silva, a jovem brasileira da Cidade de Deus que ganhou medalha de ouro no judô e declarou: “Essa medalha demonstra que uma criança que tem um sonho deve acreditar, mesmo que leve tempo, porque o sonho pode ser realizado”. “Nas favelas algumas crianças estão sonhando de uma maneira diferente agora. Isso, sim, é uma história”, conclui o artigo.
Sim, é uma boa história. Mas não deveria nos levar a fechar os olhos para tantas outras histórias ruins na mesma favela. Para cada Rafaela Silva temos centenas de outras que continuam naquele inferno glamourizado pela esquerda caviar, com saneamento precário, em território dominado pelos bandidos, sem grandes oportunidades.
O Brasil será mesmo um “grande ator” no século XXI? Desde quando falam que somos “o país do futuro”? Roberto Dias, na Folha, apresenta a visão alternativa, com fortes pitadas de realismo que, muitas vezes, pode ser confundido com pessimismo:
É divertido fazer troça do jornalista americano a quem escapou compreender que o biscoito Globo empacota não só uma maçaroca de polvilho, mas também um resuminho do incrível-da-vida que é ficar na praia em Copa.
Menos divertido é olhar o quadro de medalhas dos Jogos e constatar que a nos distanciar do mundo lá fora está bem mais do que uma questão gastronômica. Os reveses brasileiros em importantes esportes coletivos e o perrengue para chegar às mais de 20 medalhas imaginadas pelo COB e por analistas são um lembrete, ainda que simbólico, da cruel competição entre países que é o mundo.
Para quem passou uma ditadura abastecido pela ideia do Brasil Grande, acostumado a crer na panaceia da amarelinha, é um tapa na cara.
[…]
A importância do comércio exterior no nosso PIB não é nem metade da média mundial. Em proficiência no inglês, aparecemos no 41º lugar numa lista de 70 países. Temos uma percepção sub-representada do significado da Ásia, o lugar que mais e mais concentra a espécie humana —a explosão por lá diminui o peso relativo do berço esplêndido daqui.
Pois é. Não é agradável ser trazido novamente de volta ao planeta Terra, mais especificamente ao Brasil real. Mas é parte necessária de qualquer mudança possível. “Nosso maior ciclo de investimento olímpico produziu uma festa bonita, suficiente para exterminar qualquer complexo de vira-latas. Mas não resultou num claro sucesso competitivo. Um pouquinho mais de sangue nos olhos e autocrítica não nos fariam mal em nenhum front”, conclui Dias.
Onde ficar nessa coisa toda? Minha coluna na Gazeta do Povo de hoje tenta extrair algumas lições importantes do megaevento. Novamente, tem tom mais crítico do que ufanista, pois se tiver de escolher um deles, com uma arma apontada para minha cabeça, confesso que ficaria do lado dos pessimistas. A diferença é que não considero essa desgraça toda um destino inexorável.
Sem fantasias, sem ilusões, podemos melhorar, e muito. Depende de nós. Um primeiro passo seria, talvez, abandonar o derrotismo crônico. Um segundo, igualmente relevante, seria parar de repetir que já somos o máximo, pois não somos, e essa mentira serve apenas para nos afastar do esforço necessário para, quem sabe, um dia sermos.
O Brasil tem poucos motivos para ‘orgulho nacional’ hoje. Um fato que precisa ser encarado com coragem. Mas temos potenciais. Não será nada fácil lapidá-los, mas não é impossível. Temos a chance de sermos um “grande ator” no mundo um dia. Desde que não aceitemos com passividade que “está tudo bem”. Não está. Ao contrário: está tudo mal, muito mal. Mas podemos reagir.
Rodrigo Constantino
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