Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Esta é a Semana da Pátria. É o momento em que, para qualquer país, qualquer povo, o foco estaria na celebração dos feitos em comum, das tradições e da cultura, das realizações cívicas, daquilo por que nos podemos felicitar em conjunto, como uma comunidade política e histórica.
Infelizmente, o Brasil não nos está permitindo isso. Justamente no 2 de setembro, dia da histórica reunião em que a então princesa Leopoldina, reunida ao Conselho de Estado, definiu-se pelo envio das correspondências ao príncipe D. Pedro recomendando a independência do país, seu palco, templo da memória carioca e brasileira, o já saudoso Museu Nacional, rendeu-se às chamas do descaso e do amesquinhamento.
Mais do que um pedaço insubstituível de uma epopeia de dois séculos, um daqueles símbolos que facilitam o contato do cidadão com seu passado e com o que, entre erros e acertos, nos trouxe até aqui, o Museu, que foi residência da Família Real e também foi o local onde se deu a Assembleia Constituinte republicana de 1891, era também parte da memória afetiva de quem nasceu e cresceu no Rio de Janeiro.
Todos temos alguma lembrança de infância, alguma experiência inesquecível, em geral de quando nossos pais nos levaram para nos deslumbrar com a beleza do lugar, despertar o primeiro interesse pelo conhecimento. Nossos filhos e netos poderão ver, se tivermos sorte, um remendo, uma réplica, artificial e inevitavelmente distinta. Cientificamente, perdeu-se um acervo incalculável; nunca mais veremos aquela preguiça gigante, aquele dinossauro que tanto me impressionou quando pequeno. É provável que nunca mais vejamos Luzia, o mais antigo fóssil humano da América.
É evidente que uma só vida humana teria mais valor que todos os objetos e memórias preservados e eu trocaria o museu inteiro pelo resgate de uma pessoa. Não há que se comparar as grandezas, há que sentir cada uma em sua proporção. Para a memória e a consciência nacionais e até para a humanidade, é uma perda dilacerante.
A indignação por essa perda vem sofrendo uma tentativa de monopolização por parte de grupos de extrema esquerda, grupos a que o próprio reitor da UFRJ, Roberto Leher, se vincula ao ser membro fundador do PSOL. Falsários repugnantes; nunca conferiram a mínima importância ao patrimônio nacional. Não têm qualquer prerrogativa para nos apontar o dedo. Acrescentam ao caldo apenas um ingrediente daquilo que a destruição do Museu Nacional representa simbolicamente: a agonia de um país, de uma sociedade que se tem permitido perder a alma, a memória e todos os seus bens mais preciosos. Tem tratado por natural e corriqueira a chacina de seus filhos. Tem jogado ao lixo sua dignidade.
Dignidade, sim. Pois logo no dia seguinte, imediatamente após essa devastação inolvidável, nossos representantes terminaram de lançar nossa já combalida reputação aos abismos. O leitor talvez se lembre de que repercutimos aqui a ausência do Brasil nas articulações dos vizinhos latino-americanos por apresentar uma condenação do regime ditatorial de Nicolás Maduro pelas suas reiteradas violações aos direitos humanos. Terminei dizendo que talvez, no dia seguinte, o Brasil endossasse o manifesto dos vizinhos, o que, confesso, julgava provável. Mesmo se o fizesse, teria “ido a reboque”, o que já era “uma vergonha que carregaremos para sempre, tanto quanto a de termos mantido no poder por tanto tempo aqueles que patrocinaram o horror na Venezuela”.
Eu estava errado. Triste e terrivelmente errado. Nossos representantes sempre podem fazer pior. O Brasil, o país mais expressivo, teoricamente mais influente, de maiores dimensões, de que se espera a liderança regional, que já se havia subtraído da obrigação de impulsionar as articulações pelo enfrentamento mais duro a um desastre humanitário que já lhe causa problemas diretos no norte de seu território, sucumbiu à covardia, à pusilanimidade extrema, à omissão imperdoável.
Não é que, ao fim das contas, não assinamos? O Itamaraty de Rio Branco, o Ministério das Relações Exteriores, a casa tradicional de nossa diplomacia, permitiu que a denúncia fosse entregue, para estupefação da comunidade internacional, sem a nossa anuência. Ao Estadão, informaram simplesmente que “o Brasil não é do núcleo duro da resolução e, portanto, não patrocinará a iniciativa, pois está concentrando seus esforços, no momento, no âmbito da Organização dos Estados Americanos”.
Estupefaz que esse tipo de comentário seja entendido como uma justificativa. O Brasil não é do núcleo duro porque não quis! Não querer, não tomar à frente, não liderar as pressões em todas as frentes possíveis, é assassinato mais que suficiente da nossa honradez. Neste momento, faltam-me palavras a dirigir para os senhores Michel Temer e Aloysio Nunes que não sejam impublicáveis e indecorosas.
Aliás, se o Brasil permite a aniquilação material de suas lembranças, despreza seu papel histórico e julga que há ainda o que esperar, como um pedante perfumado que prefere não se misturar e olhar de cima para os vizinhos que tomam a atitude que lhe deveria competir, o que nos resta é mesmo ficar sem palavras.