Escrevendo em sua coluna no GLOBO neste domingo, Caetano Veloso tenta transformar Marcelo Freixo, do PSOL, em vítima de uma conspiração do próprio GLOBO. Nem uma palavra sobre seu apoio anterior aos black blocs. Vamos a um ping-pong com Caê “black bloc” (ele em vermelho, lógico, eu em azul):
Gosto de Freixo não porque ele é do PSOL. Acho que gosto um tanto do PSOL por ele abrigar Freixo. Sou independente, conforme se vê.
O que se vê, até aqui, não é independência, e sim o velho esquerdismo caviar a todo vapor.
Ser estrela é bem fácil. Nada importam as piadas dos articulistas reacionários que classificam minhas posições como Radical Chic. Desprezo a tirada de Tom Wolfe desde o nascedouro. Antigamente tentavam me incluir na chamada esquerda festiva. Isso sim, embora incorreto, me agradava: a expressão brasileira é muito mais alegre, aberta e democrática do que a de Wolfe.
Concordo que ser “estrela” é bem fácil: não precisa se preocupar com coerência ou hipocrisia, pode defender as maiores barbaridades que fica por isso mesmo, e dá para posar de “classe média” defensora dos pobres vivendo em apartamentos milionários. Sobre os “reacionários”, obrigado pela parte que me toca: como Nelson Rodigues, também reajo contra tudo que não presta. E por falar em Nelson, o “esquerda festiva” vem dele, e é bem adequado. Por mais que Caetano prefira tal expressão àquela de Wolfe, ambas querem dizer a mesma coisa: a elite arrogante e hipócrita que prega o socialismo em festas de milionários, só para inglês ver, para ter aquela sensação gostosa de que é a coisa mais nobre que já pisou neste planeta.
Mas tenho vivido para desmontar o esquema que exige adesão automática às ideologias da moda. Deploro o resultado das revoluções comunistas. Todas. E, considerando o Terror que se seguiu a 1789, sou cético quanto a revoluções em geral. Na maioria das vezes, a violência se dá, não para fazer a história humana caminhar, mas para estancar seu fluxo. Olho com desconfiança os moços que entram em transe narcisista ao quebrar vidros crendo que desfazem a trama dos poderes.
Curiosamente, Caetano parece sempre aderir aos modismos. Deplora revoluções? Bom saber. Mas… por que se vestiu de black bloc então? Se olha com “desconfiança” os moços narcisistas que quebram tudo, por que endossou suas ações ao se fantasiar de um deles? Não acha que cabe aos seus leitores uma explicação, ou ao menos uma retratação?
Ainda hoje não consigo adotar a posição que considera Eduardo Gianetti, um liberal crítico, ou André Lara Rezende, o homem que põe em discussão o crescimento permanente, conservadores. Nem acho que o conservadorismo seja necessariamente um mal. A adesão de alguns colegas meus à nova direita me deixa nauseado, não por ser à direita, mas por ser automática.
Eduardo Giannetti e André Lara Rezende, que têm meu respeito, são dois pensadores de viés mais liberal, mas não chegam a ser liberais clássicos. Estariam mais para um tipo de “liberalismo social”. Só no Brasil são chamados de conservadores, erradamente. Os conservadores devem ter ficado em êxtase ao saber que Caetano não considera o conservadorismo necessariamente um mal. Até Edmund Burke deve ter agradecido da tumba. Resta descobrir como Caetano sabe que a adesão de seus colegas a esta filosofia política foi automática. Não podem ter simplesmente entrado em contato com seus principais ícones, lido suas obras, refletido? Algo que, cabe dizer, Caetano deveria fazer também, para não ficar automaticamente preso à esquerda caviar…
Simplesmente me pergunto qual exatamente será a intenção do GLOBO ao estampar manchetes e editoriais induzindo seus leitores a ligarem Marcelo Freixo aos rapazes que lançaram o rojão que matou Santiago Andrade. A matéria publicada no dia em que saiu a chamada de capa com o nome do deputado era uma não notícia. Nela, a mãe de Fábio Raposo, o rapaz que entregou o foguete a Caio Souza, é citada dizendo acreditar que o filho “tem algum tipo de ligação com Freixo”. Isso em resposta a uma possível declaração do advogado Jonas Tadeu Nunes, que, por sua vez, partiu de uma suposta fala da ativista apelidada Sininho. O GLOBO diz que esta nega. Como então virou manchete a revelação da possível ligação entre o deputado e os rapazes envolvidos no trágico episódio? Eu esperaria mais seriedade no trato de assunto tão grave.
Talvez Caetano devesse, entre um “abraçaço” e outro, ler com mais atenção as notícias políticas. O GLOBO – e vários outros veículos – expuseram a suposta ligação entre Freixo e os black blocs pelo simples motivo de que há fortes indícios desta ligação. A mãe do assassino confirma que se conhecem, Sininho, que ninguém sabe como se sustenta, liga para o advogado e fala em seu nome. O advogado afirma que há partidos por trás do financiamento deles. E o assessor direto de Freixo tem uma ONG pronta a ajudar nas causas jurídicas os black blocs. Caetano realmente não acha nada suspeito? De verdade? Eu esperaria mais seriedade no trato de assunto tão grave…
Li o artigo do grande Jânio de Freitas em que ele defende a tese de intenção deliberada de assassinar um jornalista, o que está em desacordo com as imagens exibidas na GloboNews. Sem falar na entrevista do fotógrafo, que afirma que o detonador do artefato tinha mirado os policiais.
Será que Caetano insinua, aqui, que matar policiais não teria tanto problema? Nem quero levantar esta hipótese! Mas é que ficou um tanto estranha a passagem. Se os garotos não tinham a intenção deliberada de assassinar um jornalista, e sim policiais, mudaria alguma coisa? Policiais em serviço não merecem respeito, não merecem… viver? Nessas horas aquele esquerdismo lá de cima vem à tona com tudo…
Claro que me lembrei, ao ver a primeira reportagem na GloboNews, dos carros de emissoras de TV incendiados durante as manifestações, o que me levou a participar da indignação dos âncoras do noticioso. Um vínculo simbólico entre aquelas demonstrações de antipatia e o ocorrido em frente à Central é óbvio: um rojão sai das mãos de um manifestante e atinge a cabeça de um jornalista. Mas parece-me abusivo ver nisso o propósito de matar o repórter.
Repito: se fosse para destruir o crânio de um policial, tudo bem? No mais, jovens soltam um rojão assassino na direção de policiais e jornalistas, o rojão despedaça o crânio de um deles, e “por acaso” temos a morte de um jornalista atingido pelo rojão? Se houver uma passeata de esquerdistas da “festiva” no Leblon e um “reacionário” maluco soltar um rojão (algo raro, pois os violentos costumam ser de esquerda mesmo), que por sua vez atinja a cabeça de um músico tropicalista, então é prematuro falar em dolo, em intenção de matar cantores da MPB?
Nas matérias que se seguiram, O GLOBO, ecoando falas do advogado Jonas Tadeu, que diz não ser pago por ninguém para defender os dois réus mas conta que um deles diz receber dinheiro para ir às manifestações, insiste em lançar suspeita sobre Freixo, por ser o PSOL, seu partido, um possível doador do alegado dinheiro. Na verdade, as declarações do advogado, mesmo nas páginas do GLOBO, soam inconvincentes.
Só porque Caetano quer! Vejam que ele até sabe já da lista de financiadores que vazou, incluindo nomes ligados ao PSOL. Mas vejam o malabarismo para desviar o foco:
Já O GLOBO, no qual detecto uma sinistra euforia por poder atacar um político que aparentemente ameaça interesses não explicitados, trata as falas de Tadeu sem crítica. Uma das manchetes se refere a vereadores do PSOL que teriam contribuído para uma ação na Cinelândia, na véspera de Natal, sugerindo ligação do partido com vândalos, quando se tratava de caridade com moradores de rua. O tom usado no GLOBO é, para mim, de profundo desrespeito pela morte de Santiago.
Primeiro, Caetano cria uma tese conspiratória (e depois falam de Olavo de Carvalho) de que todo o jornalismo do GLOBO ataca Freixo só porque o deputado representa ideias que ameaçam os interesses do grupo. Depois, cai no conto da carochinha de que aquele financiamento era apenas para uma ação de caridade na véspera do Natal, ignorando a ligação entre políticos (e até juízes) com black blocs. O tom usado por Caetano é, para mim, de profundo desrespeito pela morte de Santiago.
Freixo, em fala firme ao jornal, desmente qualquer ligação com os dois rapazes. Ele também lembra (assim como faz Jânio) que Jonas Tadeu representou o miliciano Natalino.
Então é assim: basta uma fala firme e fica por isso mesmo? Caetano prefere acreditar no camarada em vez de levar a sério as evidências todas? E ainda cita o fato de que o advogado já defendeu um miliciano para tentar desqualificá-lo. Ora, não é um advogado? Não defende criminosos, inclusive agora assassinos dos black blocs? Quer dizer que os advogados dos mensaleiros petistas nunca mais terão credibilidade alguma, pois defenderam bandidos? Explica isso, Caetano…
Quando Freixo era candidato a prefeito, escrevi artigo elogioso sobre ele. O jornal fez uma chamada de capa que, a meu ver, desqualificava meu texto. Manifestei minha indignação. A pessoa do jornal que dialogava comigo me assegurou não ter havido pressão dos chefes. Acreditei. Agora não posso deixar de me sentir mal ao ver a agressividade do jornal contra o deputado. Tudo — incluindo os artigos de autores por quem tenho respeito e carinho — me é grandemente estranho e faço absoluta questão de dividir essa estranheza com quem me lê.
Então é isso: tudo não passa de uma campanha orquestrada pelo GLOBO contra Freixo porque ele incomoda os interesses do grupo. Esqueçam que o PSOL defendeu abertamente os black blocs antes dessa trágica morte, que relativizou sua ameaça, que tem assessor bancando custas jurídicas desses marginais, que Sininho já disse ser próxima de Freixo, que o PSOL já defendeu até o terrorista assassino Cesare Battisti, que tem entre seus fundadores outro terrorista comunista, que defende a ditadura assassina cubana, etc. Nada disso importa.
O que importa é que Caetano, que também já foi “black bloc” por um dia, ao menos dando apoio moral aos vândalos, gosta de Freixo, e isso é suficiente para ignorar qualquer evidência de ligação entre PSOL e black blocs, e ainda jogar a culpa toda em interesses mesquinhos do GLOBO, que lhe concede espaço para tais sandices. De fato, Caetano é o representante perfeito do “radical chic” que ele despreza.
Rodrigo Constantino
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