Quase cinco décadas após o surgimento do Tropicalismo, seu espírito revolucionário ainda sobrevive na música, na forma de ‘surpresas que revelam a força da música popular brasileira e o imenso potencial do Brasil’. A avaliação vem de nada menos do que Caetano Veloso, um dos cabeças do movimento dos anos 60.
São quase nove horas da noite. Ainda sem tomar café da manhã, Caetano, de 73 anos, ele não titubeia ao ser questionado sobre o que seria hoje uma Tropicália ainda inexplorada. “O funk carioca, o sertanejo universitário e os restos da axé music”, ele diz.
“Ontem fui ver um show da (funkeira) Anitta. Ela é muito boa, muito afinada”, disse. “O funk no Brasil hoje é uma coisa totalmente brasileira. E as letras, que às vezes são muito obscenas, ou ligadas ao narcotráfico e à bandidagem, ficaram cada vez mais criativas. Os efeitos sonoros também”, acrescentou.
Sinceramente: eu vejo isso como mais um sinal de nossa decadência moral, de nossa baixa exigência estética, de nossa eterna politização das “artes”. O tropicalismo já era chato pra chuchu, em minha humilde opinião. Essa turma da MPB, que não tem tanto de popular como pensa, adora posar de “intelectual” engajado e faz umas musiquinhas bem pentelhas. Não vamos esquecer que chegaram, lá atrás, a fazer marcha contra a guitarra elétrica. Isso mesmo!
Adoro música, e tenho o gosto bem eclético. Até mesmo um ou outro funk desce, mas só como diversão momentânea. Não dá para encarar o estilo em geral como algo louvável, refinado. E eis o ponto: em vez de o pessoal do “povão” olhar para as elites como fonte de inspiração, ocorre justamente o contrário: as elites culpadas da esquerda caviar, doutrinadas na ideologia do “bom selvagem”, encaram tudo que vem das favelas como mais “genuíno”, como mais “cool”.
É por isso que tantas patricinhas vão aos “pancadões” dançar ao ritmo de funk e cantar, eventualmente, aquelas letras “fantásticas” que pintam policiais como fascistas que merecem levar chumbo e mulheres como objetos sexuais (isso gera um tilt nas feministas: condenar o funk e arriscar a fama de “preconceituosas” ou ficar calada em sua incoerência?). Nada como uma elite culpada flertando com a vida “natural” por alguns minutos, como aquela turma que adora visitar favelas como se fossem zoológicos humanos.
Vivemos um desnível cultural muito grande, e estamos nivelando tudo por baixo. Coloquem Anitta perto de um Beethoven ou Mozart: preferências musicais à parte, alguém consegue mesmo afirmar que se trata da mesma coisa, tudo… arte? O fenômeno que observamos é, infelizmente, mundial e geral. Está em todo lugar. Nas “artes” contemporâneas vemos a mesma coisa: o ruim sendo valorizado, o efêmero suplantando o eterno, o feio desbancando o belo, o “protesto político” substituindo a verdadeira arte. Ideologia vem em primeiro lugar. E money talks, bulshit walks. Há muita grana envolvida nesses projetos voltados para “as massas”…
Escutei esses dias o novo disco duplo do Dream Theater, “The Astonishing“. Sei que nem todos apreciam o heavy metal progressivo deles, mas o talento de cada um é inegável. São feras! E o esforço empreendido nessa obra é de tirar o chapéu: trata-se de uma distopia em 2285 em que a música morreu, foi trocada por máquinas de fazer barulho (que tocam funk, talvez?). Uma história completa, um misto de Star Wars com Divergente e Footloose, com o heroísmo do “escolhido” que desafia o imperador insensível para resgatar a vida, o sonho, o amor, a música. Uma história interessante, com letras e músicas impactantes, ao menos para mim. Como disse o líder da banda, não é um álbum para se escutar enquanto se joga video-game. Exige mais do ouvinte.
Como comparar todo um trabalho desses com as porcarias que vemos por aí, enaltecidas por “intelectuais” admirados pelo que vem “do povo”? Preferia quando os padrões eram mais elevados, quando se esperava mais dos indivíduos, inclusive dos que vinham “do andar de baixo”, o que nunca foi obstáculo intransponível para os legítimos artistas. Hoje, nos contentamos com qualquer lixo. O que está acontecendo com o mundo?
As democracias pioram a qualidade de seus representantes, as “artes” acabam em cocô e análise do fiofó alheio, as músicas são substituídas por grunhidos sem sentido. Tudo parece parte do mesmo fenômeno: a “rebelião das massas”, como diria Ortega y Gasset. O vulgar se descobriu em maior quantidade e resolveu impor toda a sua vulgaridade como um direito natural. Argumentum ad populum. A lei do maior número. Tudo bem “democrático”. Quem precisa de Shakespeare quando se tem Paulo Coelho e Dan Brown? E quem vai apreciar música boa de verdade quando se tem os efeitos visuais de Anitta no palco? Pre-pa-ra!
Num mundo desses, em que o funk é admirado pelas elites como “revolucionário”, acabamos tendo um Caetano Veloso como “intelectual”. É assustador…
Rodrigo Constantino
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