Não há classe mais organizada e corporativista do que a de artistas. A simples ameaça da perda de status da cultura no governo Temer foi suficiente para uma choradeira sem tamanho. Zuenir Ventura já escreveu texto sobre isso, dizendo que Temer não tem seu voto (por conta dessa medida), assim como Cacá Diegues, que usou até o conservador católico T.S. Eliot indevidamente para defender esse modelo estatizante do MinC (sim, cultura é fundamental, e por isso mesmo não deve ser estatal). São todos muito sensíveis, não ao sofrimento dos pobres, mas ao risco que isso representa para os próprios artistas e seus bolsos.
É como se não houvesse coisa mais importante no país nesse momento do que preservar os projetos “culturais”. As reais questões que assolam este país ficam em segundo plano perto da possibilidade de redução de poder e verbas da elite dos artistas – e sim, o grosso das verbas vai para uma minoria. Já comentei aqui como essa gente é poderosa, cria a pauta da imprensa, pauta esta que não é a da população.
Caetano Veloso também entrou em campo, claro. O GLOBO publicou um texto seu hoje argumentando contra o absurdo dessa medida. Diz ele:
Sem altas verbas (muito ao contrário), o MinC tem mostrado que o país passou a dar à produção cultural o valor que ela merece. Sei que os maluquinhos habituais vão repetir que os artistas famosos brasileiros vivem do dinheiro do Estado, que querem mais, que são dependentes do governo. Repetirão todas as bobagens que têm dito sobre a Lei Rouanet e demonstrarão todo o ressentimento pelo que filmes, peças, canções, escritos, desenhos, edifícios, estátuas, performances, instalações, criações artísticas em geral representam quando atingem multidões ou íntimas sensibilidades. Não. Eu digo NÃO. Os artistas que se sentem atraídos pelo histórico do PT, o mais duradouro e estruturado partido de esquerda do mundo contemporâneo, não são dependentes de governo. Eu não sou dependente de governo. Tenho minhas opiniões próprias e exibo as contradições de minhas buscas. Só retirarei a afirmação de que baixar o MinC a uma secretaria dentro do Ministério da Educação (que tem tarefa gigante pela frente) ou a uma Secretaria Nacional de Cultura ligada à Presidência da República, como se cogita agora, é retroagir se, uma vez em ação, o novo governo prove que é capaz de dar à produção cultural a atenção que ela requer. Se os trabalhos da DDI tiverem continuidade, se os ajustes que se mostrem necessários no uso da Lei Rouanet servirem para que ela seja mais eficaz no estímulo à inventividade, se outras áreas da criação forem levadas à condição de superavitárias, se o Estado exibir que sabe o quanto o apoio à cultura pode resultar em crescimento econômico, direto e indireto, local ou como estímulo ao turismo internacional. Sem isso, não quero nem saber de festa.
O MinC tem mostrado ao país o valor que a cultura merece, diz o músico. Mesmo? Então vejamos um dos exemplos do que essa gente tem chamado de “arte” por aí:
Uma performance de um grupo de teatro no Sesc Patativa do Assaré, em Juazeiro do Norte, no Ceará, gerou polêmica. A apresentação “Macaquinhos”, exibida na última quarta-feira (18), mostrava atores explorando os ânus uns dos outros e gerou revolta nas redes sociais.
A performance mostrava um grupo composto por homens e mulheres totalmente nus, em círculo, explorando com as mãos o ânus do companheiro a frente. De acordo com os artistas Caio, Mavi Veloso e Yang Dallas, idealizadores do projeto, a apresentação tem o intuito de “ensinar que existe ânus, ensinar a ir para o ânus e ensinar a partir do ânus e com o ânus”.
Nas redes sociais, a repercussão não foi positiva. Muita gente ficou revoltada com o fato do grupo ter se apresentado em um Sesc e ter recebido dinheiro público para a performance. “Cutucar o c… dos outros agora virou arte”, esbravejou um usuário no Facebook.
Não pense o leitor se tratar de um caso isolado. Instalações, exposições, “performances”, tem rolado um monte de baboseira em nome da “arte” e da “cultura” Brasil afora, boa parte bancada com recursos públicos. O próprio Caetano, recentemente, elogiou o funk, comparando-o ao tropicalismo (na subversão dos valores burgueses de classe média, talvez), e também parabenizou Anitta por seu talento. É o patamar em que chegou a nossa “cultura” sob o controle estatal e dessa elite “pensante”.
O modelo atual tem servido para mamatas, para privilégios, para a subversão da própria cultura e do conceito de arte, beneficiando uma minoria poderosa de artistas em detrimento do restante. Que as mesmas figuras de sempre apareçam para chiar contra a medida de Temer é algo que demonstra o medo dessa turma de perder suas boquinhas. Eles agora repetem que só Collor tentou mexer nisso, como se fosse para alertar das consequências. Mas só Collor, com todos os seus defeitos, teve coragem também de forçar uma abertura comercial que favoreceu o país.
Dilma ajudou a estatizar ainda mais a cultura e deu no que deu: também sofreu impeachment. No mais, Temer não deveria temer o mesmo destino. Tem a vantagem de não ter de se preocupar com reeleição. Pode se dar ao luxo de ser “impopular” (pela ótica dos poderosos). Está ali para fazer o que deve ser feito, para cortar as verbas da turma organizada que vive para pregar um estado inchado e intervencionista, pois dele vive ou endossa a ideologia socialista.
Temer deveria ter a coragem de deixar essa patota chorar em paz. Dificilmente conseguirá, pois quer o apoio da classe artística (da elite poderosa, na verdade). Uma pena. Não só porque o Brasil teria muito a agradecer se ele fosse adiante com o projeto de esvaziar o MinC, como porque vai ceder e nem vai colher os frutos: essa turma pode até suavizar nos ataques, mas vai continuar sem simpatia por ele e elogiando a esquerda radical, o PT e o PSOL.
A “cultura” que esse pessoal prega não é, definitivamente, a cultura de que o Brasil necessita. Mais T.S. Eliot, menos Caetano!
Rodrigo Constantino