Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
A próxima quarta-feira, dia 4, será um dia especial para o estimado amigo e advogado Rodrigo Mezzomo – autor, inclusive, do texto de orelha do meu livro Guia Bibliográfico da Nova Direita, e que já escreveu artigos para o Instituto Liberal – e para outros ativistas do meio liberal e conservador. A ministra Carmen Lúcia marcou para esse dia o julgamento no STF do recurso de Mezzomo pleiteando o direito à candidatura independente de partidos políticos.
Mezzomo tentou concorrer como candidato independente à prefeitura do Rio em 2016 e destacou, em entrevista ao Boletim da Liberdade, que se fundamenta no Pacto de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil, que determina em seu artigo 23 que “todos os cidadãos devem ter o direito de participar diretamente dos assuntos públicos, tendo acesso em condições de igualdade às funções políticas”. Ele deduz disso que “nenhum obstáculo de inscrição partidária pode ser antagônico ao indivíduo, impedindo-o de exercer sua plena cidadania política e eleitoral”.
Queremos deixar claro, de antemão, que defendemos a importância dos partidos políticos. O professor Antônio Paim, em seu clássico História do Liberalismo no Brasil, evidencia que um dos grandes problemas do longo período republicano brasileiro foi o seu descuido original com a teoria da representação, calcada na organização política de interesses e correntes de opinião. Os partidos, desde que efetivamente representativos de segmentos da sociedade, são relevantíssimos para a vida política; ainda são mecanismos melhores para qualificar os sistemas de viés liberal-democrático – ou ao menos com a pretensão de o serem – do que a devoção a personalidades ou nacionalismos diluídos, desembocando em messianismos e autoritarismos.
Dito isso, apoiamos a luta do professor Mezzomo. Em primeiro lugar, pelo motivo mais óbvio: a afirmação básica de nosso amigo e de todos que defendem essa tese dando conta de que a medida prestigia a liberdade de participação dos indivíduos está correta. Qual o fundamento moral para que o direito a concorrer pelas próprias vias seja vedado?
Em segundo lugar, porque as candidaturas independentes são vastamente permitidas ao redor do mundo, ainda que com variações. Inclusive essas diferenças ajudam a confrontar um dos argumentos contrários à sua implantação no Brasil, que reside nas supostas dificuldades em adequar o sistema eleitoral nacional, na prática, à sua existência. Não há nada que impeça esse esforço, sobretudo por parte do Poder Legislativo, de organizar um sistema que se ajuste à nova realidade. Segundo dados do ACE Project, apenas 9 % dos países do mundo, entre eles o Brasil, não permitem que políticos concorram a cargos sem ligação com partidos, nem para funções legislativas, nem para funções executivas. 43 %, entre eles os Estados Unidos, admitem essa modalidade para todos os cargos.
Em terceiro, porque entendemos que a permissão das candidaturas independentes não implica, por si só, a morte dos partidos, em contextos em que eles estão efetivamente cumprindo seu papel. Ora, precisamente o que se espera é que eles tenham uma coesão programática e de princípios e que vocalizem demandas e posições daqueles a que pretendem representar. Se eles o fizerem, em vez de serem regidos por caciquismos e fisiologismos de toda sorte, não há por que temerem os candidatos independentes, porque saberão atrair a atenção do eleitorado. Se não é o que tem ocorrido, tendemos a estar entre os que acreditam que a liberdade não pode ser prejudicial ao cenário; a “concorrência” com candidatos que desafiem os partidos poderá suscitar um trabalho interno de organização da integração participativa das legendas. Poderá pressionar os partidos a repensar sua razão de ser e seu modo de operação.
Ensejando a liberdade, adequando-se a algo que é feito com sucesso na maior parte do planeta e potencialmente produzindo uma “chacoalhada” pedagógica nos partidos políticos, a possibilidade de candidaturas independentes parece ter muito mais benefícios a oferecer do que prejuízos. Há ainda, entretanto, uma quarta razão. A candidatura avulsa representaria mais um passo, junto ao fim do imposto sindical, para sepultar o persistente edifício institucional, legal e cultural que herdamos da ditadura mais caracterizada que o Brasil já teve: o Estado Novo de Getúlio Vargas.
Em 1945, quando o regime personalista, sob o influxo da luta brasileira ao lado dos Aliados contra o fascismo e o nazismo na Europa, precisou aceitar a própria abertura, isso não se fez acompanhar de uma contestação das forças políticas que o alicerçaram e conduziram. Prova disso é que o ditador não sofreu qualquer punição à altura pelos anos de repressão e desprezo à constitucionalidade e ao império da lei. Não houve, como quereria o tribuno da UDN do extinto Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, nenhuma “desvarguização” do país.
Por isso, embora precisando consentir em avanços, as elites estadonovistas conseguiram estabelecer, através de mecanismos como a Lei Agamenon – uma referência a Agamenon Magalhães, ministro da Justiça de Vargas que comandou a feitura do decreto de regulamentação eleitoral -, seu predomínio sobre a vida política brasileira. Um dos artifícios da Lei Agamenon determinava que, para se registrarem, os partidos deveriam ter base nacional, obtendo o apoio de, no mínimo, 10 mil eleitores em cada um de pelo menos cinco estados. A intenção era impedir um retorno ao modelo da República Oligárquica pré-Estado Novo, consolidado pelo presidente Campos Sales, com “partidos” regionais sem qualquer identidade que sustentavam o poder central mediante conchavos.
Evitar a volta da República Velha era evidentemente algo positivo, mas na prática, as forças mais bem estruturadas eram, de longe, os herdeiros da casta burocrática e do grupo dos interventores que deram sustentação ao poderio varguista. A lei eleitoral também estabelecia o sistema do voto proporcional e as coligações dos partidos, estimulando ligações eminentemente fisiológicas nos diversos estados e permitindo que o próprio Vargas, podendo então concorrer a diferentes cargos em estados diferentes (ao menos hoje essa loucura não se mantém), viabilizasse a diplomação de vários candidatos sem votação expressiva. A isso se somou mais uma grande inovação, a que nos interessa aqui: justamente a proibição das candidaturas independentes.
Considerando-se que o maior partido do país era o Partido Social Democrático (PSD), aglutinando todas essas elites interventoras, entrosadas com os “coronéis” e detendo o controle das diversas esferas administrativas locais; que o PSD detinha ainda vantagens por conta da possibilidade de alistamento de eleitores “ex-officio”, viabilizando o registro de blocos de eleitores com base em listas preparadas por empregadores e agências do governo; e que havia ainda o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), terceira maior sigla, aglutinando as forças sindicais, sendo ambos os partidos diretamente ligados às bases de apoio ao autoritarismo estadonovista, definitivamente podemos dizer que a Lei Agamenon foi uma consagração do continuísmo.
A proibição de candidaturas independentes tem, portanto, um vício de origem no Brasil: já nasceu como um dos dispositivos concebidos para proteger os herdeiros do varguismo, facilitando a vida do ditador e seus companheiros no interesse de manterem a condução das rédeas do país, mesmo em um regime nomeadamente democrático, conquanto, sob vários aspectos, disfuncional. Assim como o imposto sindical, excrescência varguista desafiada pelo admirável parlamentar Paulo Eduardo Martins, ela é filha de um regime que marcou o Brasil moderno e permitiu a entronização de enfermidades de toda sorte em nossa alma nacional. Que, pois, como tal, termine.
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