Por Roger Scruton*
Marx comparou o capitalismo com outros “sistemas” econômicos – particularmente com a escravidão, o feudalismo e o socialismo – e previu que, assim como o capitalismo havia arruinado o feudalismo em uma revolução violenta, o capitalismo seria destruído pelo socialismo. No devido tempo, este “definharia” para dar lugar ao “comunismo pleno”, que se encontra no fim da história. A teoria é espantosa, as previsões são falsas e o legado é abominável.
O ponto essencial foi levantado pelos economistas da Escola Austríaca – notavelmente por Ludwig von Mises e Friedrich Hayek – no decurso do “debate sobre o cálculo econômico” em torno das propostas iniciais de uma economia socialista cujos preços e produção seriam controlados pelo Estado.
A teoria epistemológica do mercado de Hayek não afirma que o mercado é a única forma de ordem espontânea nem que o livre mercado é suficiente para gerar coordenação econômica ou estabilidade social. A teoria só defende que o mecanismo de preços produz e retém o conhecimento necessário para a coordenação econômica.
O mercado é mantido por outras formas de ordem espontânea, sendo que nem todas devem ser entendidas como esquemas epistemológicos, mas algumas delas – como a tradição moral e legal – criam o tipo de solidariedade que será corroída, caso os mercados sejam deixados por conta própria.
Aqueles que acreditam que a ordem social deveria estabelecer restrições ao mercado estão, portanto, certos. Entretanto, em uma verdadeira ordem espontânea, os limites já existem na forma de costumes, leis e moral.
Em situações emergenciais ou em condições de evidente desequilíbrio, a legislação pode ser a única arma que temos. Devemos, entretanto, sempre lembrar que a legislação não cria uma ordem legal, mas a pressupõe, e, no caso dos países de origem anglo-saxônica, a ordem legal surgiu por uma mão invisível a partir da tentativa de fazer justiça em conflitos individuais.
Em todas as sociedades, a religião, ao emergir espontaneamente, está vinculada a essas ideias de ordens inegociáveis. Para expor a questão de modo sucinto: é sagrado o que não tem preço. E a preocupação com o inestimável e com o inegociável é exatamente o que define a visão conservadora da sociedade.
A mais importante lição a ser extraída, tanto da defesa original do livre mercado feita por Adam Smith quanto do funcionamento benéfico da “mão invisível” e da apologia de Hayek a respeito da ordem espontânea como veículo da informação econômica, é que o livre mercado é uma economia regida por seres livres. E seres livres são seres responsáveis.
Toda transação no mercado leva tempo, e no período entre o início e a conclusão só a confiança, e não o direito de propriedade, mantém as coisas no devido lugar.
Nenhuma economia de mercado pode funcionar adequadamente sem o apoio de sanções morais e legais, criadas para manter os agentes individuais fiéis aos acordos comerciais e restituir o custo do mau comportamento para quem o causa.
Conservadores acreditam na propriedade privada porque respeitam a autonomia do indivíduo. É justo dizer, no entanto, que muitos conservadores falharam ao não levar a sério os numerosos abusos aos quais a propriedade privada está sujeita. Economistas libertários têm enfatizado corretamente o papel do mercado na disseminação da liberdade e da prosperidade, e mostraram claramente que o contrato salarial não é, como supôs Marx, um jogo de soma zero no qual uma parte ganha o que a outra perde, mas um arranjo de benefício mútuo. Mas o mercado só é o mecanismo benigno que Hayek e outros descreveram quando é restringido por um estado de direito imparcial e apenas quando todos os participantes assumem os custos de suas ações assim como tiram proveito dos benefícios. Infelizmente, aquela visão idealizada do mercado está cada vez mais longe da verdade.
Em suma, o capitalismo global é, em certos aspectos, menos um exercício em uma economia de livre mercado, em que o custo é aceito por causa de um benefício, do que um tipo de banditismo em que os custos são transferidos para as futuras gerações em troca de uma remuneração no presente momento.
A grande esperança, creio, é o surgimento de uma nova forma de conservadorismo, que, a exemplo daquele promovido por Disraeli, estaria preocupado em defender a propriedade privada contra os que dela abusam e assegurar a liberdade da geração presente sem transferir o custo para a próxima geração.
Valores materiais, idolatria e indulgência nos prazeres sensoriais estão corroendo constantemente a nossa consciência de que realmente existem bens que não podem ser colocados à venda, uma vez que fazê-los é destruí-los – bens como o amor, o sexo, a beleza e a comunidade.
Apesar de todo o bom senso existente no cerne do argumento, porém, parece-me que devemos hesitar antes de aceitar que a distinção entre desejos verdadeiros e falsos, que pertence à vida moral e que todos os pais têm o dever de ensinar aos filhos, está ameaçada por uma economia de mercado. Mercados colocam coisas à venda – isso é verdade. Entretanto, a decisão de proteger as coisas que não devem ser vendidas é nossa, a ser cumprida pela lei quando não for por concordância. Dado que não há alternativa à economia de mercado, a única questão é como ocultar as coisas que não devem ser vendidas. Essa não é somente uma questão política. Diz respeito à educação, ao costume, à cultura e ao funcionamento da sociedade civil, bem como às decisões de uma legislatura.
Não conseguimos escapar da “mercantilização” da vida que a prosperidade nos trouxe naturalmente. Podemos, no entanto, lutar para discipliná-la pelo bom gosto, pelo amor à beleza e pelo senso de decoro.
O que os marxistas dos últimos dias estão buscando é algo como uma alternativa ao reino das mercadorias. Pois qual é, afinal, o remédio contra o fetichismo senão a “religião verdadeira” que coloca a transcendência incognoscível no lugar do ídolo perceptível? É nesse ponto que devemos reconhecer o grande valor do liberalismo que, desde o seu nascimento no Iluminismo, tem se esforçado para nos incutir uma distinção radical entre ordem religiosa e ordem política, e a necessidade de erigir a arte de governar sem fiar-se na lei de Deus.
* Trechos do capítulo “A verdade no capitalismo”, de Como ser um conservador.
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