“Chutzpah”. Alguns a traduzem como “audácia”, ou “ousadia”, mas a melhor definição que ouvi é: demonstra chutzpah o réu que, acusado de matar seus pais, pede clemência à corte por ser um pobre órfão. Assim explica Alexandre Schwartsman em sua coluna de hoje na Folha, ao usar a expressão ídiche para descrever a enorme cara de pau daqueles que nos colocaram nessa gigantesca crise econômica, e agora bancam os palpiteiros que vão mostrar o caminho da salvação, como se não tivessem qualquer elo com a lambança.
Podem ser chamados de sonsos também, no bom e velho português. Uma das coisas que mais me impressionam em nosso país, e que comentei no podcast que gravei com Alexandre Borges e Leandro Narloch pela Gazeta do Povo (deve ir ao ar neste sábado), é a memória curta da população somada à postura negligente dos jornalistas, que não cobram dos “especialistas” nenhuma explicação sobre crassos erros passados. No máximo, quando o fazem, aceitam sem muita pressão a justificativa cafajeste de que “o cenário mudou”, e fica tudo por isso mesmo.
Voltando ao texto de Schwartsman, o ex-diretor do Banco Central mostra a tremenda cara de pau dos economistas que afundaram de vez com o País, e agora lançam “manifestos” em defesa das mesmíssimas receitas que nos trouxeram até aqui, a esse caos com 14 milhões de desempregados, atividade desabando uns 10% em 3 anos e, mesmo com tudo isso, uma inflação que varreu o poder de compra do trabalhador. Ele diz:
Apesar da seriedade do assunto (não do manifesto), não pude conter gargalhadas ao ler reclamações sobre o “esquartejamento” da Petrobras, a decadência da “renascida” indústria naval e a piora da distribuição de renda, entre outras pérolas.
Como se não fosse o uso irresponsável da Petrobras (incluindo seu aparelhamento para fins de financiamento de caixa dois e roubalheira) que a tivesse levado a se tornar a petroleira mais endividada do mundo.
Como se pudéssemos ignorar que o símbolo da “renascida” indústria naval seja a Sete Brasil, empresa não só falida como ligada a escândalos de corrupção de toda sorte.
Como se a piora da distribuição de renda não tivesse já começado sob o governo de Dilma Rousseff, em boa medida por causa da forte elevação da inflação no período.
Já as medidas de política econômica não são menos ridículas, representando essencialmente uma tentativa de reviver a Nova Matriz, esta sim uma pobre órfã.
[…]
Somente chutzpah pode explicar como se opõem à reforma da Previdência e, ao mesmo tempo, pedem mais investimentos públicos e mais gastos com saúde e educação, como se a economia fosse uma fonte inesgotável de recursos a serem utilizados ao bel-prazer pelo governo de plantão, sem nenhuma preocupação com a trajetória do endividamento público.
Que gente sem o menor escrúpulo existe e sempre existirá, isso é um triste fato da realidade. Agora, que a mídia aceite dar espaço a essa turma como se ela tivesse acabado de chegar no “debate”, sem cobrar uma só explicação sobre tudo que deu errado em suas previsões super recentes, isso é especialidade nossa mesmo, bem brasileira.
Em qualquer outro país do mundo haveria um pouco mais de cerimônia, de decência, e um Guido Mantega da vida, um Arno Augustin, um Delfim Netto, um Nelson Barbosa, um Alexandre Tombini, uma Dilma, uma Conceição Tavares, uma Laura Carvalho, um Luiz Fernando de Paula, um Benjamin Steinbruch, um Andre Singer, um Mendonça de Barros, um Bresser-Pereira ou tantos outros esquerdistas que aplaudiram entusiasticamente as políticas petistas sofreriam no mínimo um baita ostracismo da imprensa.
No Brasil não. No Brasil eles preservam suas colunas, seus espaços na “mídia golpista” (segundo a própria esquerda que defendem), para continuar pregando as mesmas receitas heterodoxas, como se não tivessem sido elas que destruíram nossa economia não tem nem uma década!
É complicado…
Rodrigo Constantino
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