A prisão do banqueiro André Esteves ainda me deixa perplexo e mergulhado em reflexões filosóficas. Conheço, naturalmente, muita gente que trabalha ou trabalhou com ele, pois atuei no mercado financeiro por vários anos, e em especial numa instituição que era uma dissidência do antigo Pactual.
A ambição desmedida de Esteves era conhecida por todos. Um ex-sócio certa vez me disse que ele era como um trem-bala a 300 km/h, e ou ia “conquistar o mundo” ou dar de cara no muro. A prisão é, sem dúvida, muito pior do que qualquer um poderia imaginar como exemplo da segunda alternativa.
O garoto humilde da Tijuca, que entrou no banco de Luiz César Fernandes como técnico de informática, finalmente chegara ao topo. Comprou o banco do próprio mentor, quando esse estava em dificuldades financeiras após vários investimentos pessoais ruins. Esteves e “os meninos de César”, como eram conhecidos, aliaram-se ao enfraquecido banqueiro para colocar para escanteio outros dois fundadores grandes. Quanto o caminho ficou livre, dispensaram o próprio César Fernandes e assumiram o controle da instituição.
Dali em diante foi só crescimento, até a venda do controle para o suíço UBS, deixando os principais sócios bilionários. Mas Esteves achava pouco. Quis recomprar seu banco depois do UBS, e num devaneio megalomaníaco, quis inclusive comprar o próprio UBS, buscando parceiros e disposto a se alavancar para tanto. Isso foi antes da crise de 2008, e se ele tivesse tido êxito na operação, teria certamente falido.
Como um sujeito desses se mete com a quadrilha petista? Eis a questão filosófica interessante que me prende. Conheço outros ex-sócios de Esteves, muito ricos e, principalmente, low profile, ou seja, discretos. Odeiam holofotes e se mantêm longe do poder. Mas Esteves queria dominar senão o mundo, ao menos o Brasil. E para tanto era preciso se unir ao poder, tornar-se o “banqueiro do PT”, ocupando um espaço deixado pelo BMG após o mensalão.
A proximidade de Esteves com Guido Mantega era notória, e agora sabemos que havia muito mais por trás. Por quê? Será que ser o principal acionista e controlador de um enorme e bem-sucedido banco de investimentos era pouco para o tijucano que começou a vida consertando computadores dos traders? Não poderia ter seguido o exemplo de seus antigos sócios e mesclar o sucesso profissional com algum equilíbrio emocional e felicidade na vida pessoal?
“O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, dizia Lord Acton. Concordo, e sabemos como a tentação do poder pode ser mortal, especialmente num país como o Brasil, em que o estado concentra, além de absurdo poder, uma fatia gigantesca da produção nacional. Pessoas quase decentes podem se curvar diante de um pacto mefistofélico oferecido por diabos vermelhos.
Mas arrisco outra explicação: o poder, que sem dúvida corrompe, também pode atrair os já corrompidos. Por que algumas pessoas buscam tanto o poder e outras fogem dele? Acabei de ler ontem a biografia de Russell Kirk que Alex Catharino escreveu, e eis ali um caso de alguém que dispensou o poder, em troca de uma vida feliz e equilibrada com sua família na pacata e reclusa Mecosta. Foi convidado pelos mais poderosos do mundo, e recusou: “Você deve gostar muito pouco de mim para me convidar para a política”, teria dito Kirk a um desses poderosos.
Para Kirk, era fundamental uma ordem interior em cada indivíduo para a busca de uma ordem social exterior. Quem não controla os próprios apetites e instintos acaba inevitavelmente escravo. A dura verdade é que tem gente insaciável, que não só nunca está satisfeito com o que tem, como encara o céu como limite sem medir esforços para alcançar suas metas ambiciosas.
É análogo a um viciado diante de uma pedra de crack: ele precisa tê-la, custe o que custar. Esteves não pode ser comparado aos medíocres que se aproximam do poder para mamar em tetas estatais, pois sem elas seriam apenas perdedores na vida. Ele já era bilionário antes de esquemas com o governo. Ele sempre foi brilhante.
O que ele não tinha era controle de seus apetites e ambições. Faltou-lhe um freio moral e ético, uma ponderação acerca de tudo o que já tinha conquistado em sua vida, um equilíbrio psicológico. Um bilionário brilhante, ícone de um banco respeitado, pai de família, dorme hoje numa cela minúscula tendo que comer moela, pois o bacalhau do refinado Antiquarius foi, com razão e em nome da isonomia, vetado.
É um preço bem alto a se pagar pela ambição desmedida. Que ao menos sirva para um despertar seu e de outros que deveriam aprender com os erros alheios.
Rodrigo Constantino