Comentei aqui um artigo de Pondé sobre o humor seletivo dos “bonzinhos”. Alguns leitores entenderam que eu estaria defendendo censura a esses humoristas, por atacarem religiões. Não! O fato de eu condenar a seletividade da turma não é sinônimo de eu pregar o uso de coerção para impedir as piadas desrespeitosas e seletivas.
Hélio Schwartsman, em sua coluna de hoje na Folha, resumiu bem os limites do humor. Tendo a concordar com sua análise. Diz ele:
Até onde o humor pode ir? Vale gozar da religião dos outros? E quanto a piadas francamente racistas, sexistas e homofóbicas? Sou da opinião de que, enquanto o alvo das pilhérias são instituições e mesmo grupos, vale tudo. Balanço um pouco quando a vítima é uma pessoa física específica, hipótese em que talvez caiba discutir alguma forma de indenização.
É por aí. O mundo está se tornando um lugar muito chato e sem graça com tanta patrulha politicamente correta. Não vai poder mais piada de português (as melhores sempre escutei de portugueses mesmo), de judeus (idem), de negros, bichinhas (o que seria do Costinha?), baixinhos (opa, olha eu aqui), nada!
Uma lei brasileira, de 1997, proíbe que “emissoras de rádio e TV usem trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”. Vetar o humor durante a campanha eleitoral, por exemplo, é um absurdo. Como se os políticos precisassem do auxílio dos humoristas para serem ridicularizados!
Sempre encarei o trabalho dos humoristas no Brasil de forma ambígua: se por um lado há farta matéria-prima, por outro lado a concorrência é desleal, uma vez que Brasília já é um grande circo. Esse é o país da piada pronta, como diria José Simão. Mas isso não vem ao caso.
O importante é que a censura ao humor, mesmo do tipo mais esculachado possível, denota um autoritarismo absurdo. Não é coincidência que os revolucionários comunistas nunca tenham demonstrado aptidão ao riso. Ou então os “moralistas” religiosos retratados por Umberto Eco em O Nome da Rosa. Sempre desconfio de quem não é capaz de rir de si mesmo de vez em quando.
Ditaduras não aceitam piadas sobre seus líderes, justamente pelo poder deste importante mecanismo numa sociedade aberta. Quando uma democracia apela para o mesmo instrumento de censura, há algo de muito podre acontecendo.
O comediante Marcelo Madureira, do Casseta & Planeta, que fazia humor durante o regime militar, chegou a afirmar que hoje é ainda mais difícil ser humorista, pois a censura não é explícita. Os políticos usam o poder do estado para intimidar rádios e emissoras de televisão, e o autoritarismo velado pode ser ainda mais complicado do que o escancarado.
Henri Bergson, em seu ensaio sobre a comicidade, afirma que o riso, pelo medo que inspira, mantém constantemente vigilantes certas atividades que correriam o risco de adormecer; ele “flexibiliza tudo o que pode restar de rigidez mecânica na superfície do corpo social”.
Como Schwartsman diz no artigo, também citando Bergson, o “humor funciona aqui como uma espécie de superego social portátil”, ao incutir o receio de se tornar objeto do riso dos outros, reprimindo assim nossas excentricidades. Nesse sentido, o riso persegue “um objetivo útil de aperfeiçoamento geral”, ele é uma espécie de “trote social”.
A censura ao humor, portanto, é uma grande palhaçada. Mas trata-se de uma piada de mau gosto. Claro, há aquele típico humor apelação, rude, grosseiro, que não agrega nada. Este deve apenas ser ignorado, nunca censurado. No mais, aprendamos a rir mesmo de nossos ídolos e heróis.
E por favor: façam mais piadas retratando a hipocrisia da esquerda caviar, das ideologias, nossas religiões seculares. Uma resposta bem melhor do que a censura ao humor com as religiões tradicionais…
Rodrigo Constantino