Muitos me “acusam” de ter dado uma guinada conservadora nos últimos anos. Não ligo, por basicamente dois motivos: não considero xingamento o conceito “conservador”; e não me importo muito com rótulos, e sim com a defesa daquilo em que realmente acredito. Ainda me considero, se tiver que usar um rótulo, um liberal clássico. Mas eis uma das coisas que mais absorvi do conservadorismo: o ceticismo para com utopias “racionalistas”.
É a divisão entre o Ilumunismo escocês/britânico e o francês. O primeiro era apegado às tradições que nossa razão não necessariamente consegue apreender; o último era arrogante em sua crença fanática na Razão, com R maiúsculo. Hayek, um grande liberal, teve de escrever um texto explicando porque não era um conservador, já que também passou a ser confundido com um ao seguir a linhagem escocesa, de David Hume, Adam Smith, Burke e companhia. E, em minha opinião, mostrou apenas não ser um neoconservador, pois continuava se parecendo bastante com os “conservadores de boa estirpe”.
Há uma região cinzenta que confunde mesmo, até porque não são conceitos estanques e claramente definidos. Existem vários liberalismos, e também conservadorismos, e não é por acaso que muitos se definem como liberais-conservadores. Mas eis o foco aqui: como Hayek, que condenou a “arrogância fatal” desses “racionalistas”, também passei a rejeitar qualquer utopia racionalista, e demonstrar apreço muito maior pelas tradições, pelo acúmulo de conhecimento presente nos hábitos e costumes e que nossa limitada razão não é capaz de apreender em sua totalidade.
Comecei a ver muitos liberais mais libertários flertando com esses modelos prontos, como se tivessem encontrado a pedra filosofal na defesa de uma panaceia, e passei a combater em inúmeros artigos e até livro (Panaceia, pela editora Simonsen) essa postura, que julgo um tanto infantil. Um dos textos mais recentes foi a resenha do livro de aforismos de Nassim Taleb, inspirado no mito de Procusto.
Considero muito perigoso o intelectual que vive em sua “torre de marfim” e pretende reformar o mundo todo com base em sua “razão”, que sequer foi racional o bastante para entender suas próprias limitações. É o que chamamos de “cabeça de planilha”. Pois bem: toda essa longa introdução foi para chegar em “Sully”, o novo filme de Clint Eastwood com Tom Hanks, que vi neste domingo. Trata-se exatamente de um magnífico ataque a essa visão “racionalista” de mundo, que tantos “liberais” endossam.
Veio à mente o livro Blink, de Malcolm Gladwell, que mostra justamente como pessoas com excelência em suas áreas de atuação podem não saber explicar exatamente como, do ponto de vista racional, agem como agem, mas que simplesmente “fazem”. Claro, não quer dizer que qualquer um pode seguir seus “instintos” e se dar bem; é preciso ser experiente no que faz. Mas após muita experiência prática acumulada, o sujeito é capaz de identificar se algo vai dar certo ou errado antes mesmo, mas não necessariamente consegue explicar o motivo. Um tenista experiente antecipa quando o saque do outro vai fora, mas não sabe detalhar o que o levou a tal conclusão.
E o filme é exatamente isso: o capitão Sully fez uma ousada e arriscada manobra de aterrisagem do avião, com 155 passageiros a bordo, no rio Hudson. Ele tinha 42 anos de experiência, era especialista em segurança de voo. Mas as planilhas, as simulações, mostraram que era possível voltar com o avião para o aeroporto de La Guardia. Será que ele foi imprudente, colocando desnecessariamente a vida de tanta gente em perigo? Até ele passou a se questionar isso. Mas faltava um aspecto em todas essas simulações: o lado humano.
João Pereira Coutinho escreveu uma excelente coluna sobre o filme, buscando no conservador Michael Oakeshott inspiração para combater esses “racionalistas” arrogantes. Diz ele:
Para o racionalista, o conhecimento que importa não vem da tradição, da experiência, da “vida vivida”. O conhecimento é sempre um conhecimento técnico, ou o conhecimento de uma técnica, que pode ser resumido ou aprendido em livros ou doutrinas.
Oakeshott argumentava, com uma inteligência serena, que o conhecimento humano não pode ser resumido a um mero “conhecimento técnico”. O conhecimento humano depende sempre de um conhecimento técnico e prático, mesmo que os ensinamentos da prática não possam ser apresentados com rigor cartesiano.
Em política, por exemplo, não basta conhecer macroeconomia. É preciso estar atento a uma história, uma tradição –ao “caráter” de um povo, por mais intangível (ou “irracional”, dirá o racionalista) que isso possa parecer.
Pessoalmente falando, o ensaio de Oakeshott impediu-me de levar a sério qualquer ideologia que prometa resultados perfeitos de acordo com uma receita qualquer. Isso é válido para ideologias de esquerda ou de direita que propõem as suas soluções independentemente da realidade. Não há “livros sagrados” em política porque a experiência humana é sempre mais vasta do que as fantasias dos teóricos.
[…]
As máquinas são ideais para lidar com situações ideais. Infelizmente, o mundo comum é perpetuamente devassado por contingências, ambiguidades, angústias mas também súbitas iluminações que só os seres humanos, e não as máquinas, são capazes de entender.
O filme é uma lição de humildade, e essa talvez seja a coisa mais relevante que aprendi com os conservadores. Creio que seja um aspecto de maturidade que muitos liberais com viés mais libertário, que flertam com utopias, deveriam buscar, sem medo do rótulo de “conservador” por conta disso. A própria razão pode nos mostrar como é perigoso depositar uma fé absoluta em nossa razão, já que ela será sempre limitada.
Por fim, o filme de Clint Eastwood traz também uma mensagem de esperança, de otimismo, de aposta na vida. Se na mesma Nova York, em 2001, o governo Bush teve início com aviões usados por terroristas islâmicos para matar vidas inocentes, naquela arriscada manobra de 2009, no final do governo Bush, o piloto conseguiu salvar aquelas vidas, com o auxílio de várias pessoas que provaram como nossa espécie é capaz de atos de solidariedade.
Coutinho escreve: “Eis a diferença entre o Ocidente liberal e o fanatismo islamita: eles amam a morte; nós fazemos tudo para preservar a vida”. Sully virou um herói porque representa o que o Ocidente tem de melhor. Atitudes corajosas que salvam vidas: eis a marca dessa civilização. E não tente explicar isso com base em alguma teoria de gabinete: é o que os heróis ocidentais fazem, e ponto final.
PS: Se alguém tiver interesse em se aprofundar no tema ou entender melhor essa minha “guinada ao conservadorismo”, recomendo meu curso online “Civilização em Declínio“. Logo na aula dois explico melhor essa questão do “racionalismo arrogante”.
Rodrigo Constantino
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