Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal
O Brasil vive um momento de ascensão de ideias liberais, quebrando o que parecia ser uma hegemonia de ideias de esquerda ou mesmo de visões políticas conservadoras, que, no entanto, nunca primaram pela defesa do livre-mercado, simpáticas a coisas como protecionismo, desenvolvimentismo, subsídios para grandes indústrias e anti-privatizações.
Traçando uma linha histórica, é fácil perceber que o ponto de inflexão parece ocorrer com o impeachment de Dilma, quando grupos organizados da sociedade civil com visões à direita passaram a despontar no debate público no país e a antagonizar com movimentos sociais de esquerda.
Para muitos, a eleição de Bolsonaro é entendida como a consequência natural, como o vento de mudança que com ar de vitória viria fazer uma tardia revolução liberal brasileira.
Não vejo motivos para concordar com essa visão. É chover no molhado dizer que Bolsonaro não é e nem nunca foi um liberal. Contra isso muitos podem salivar em protesto, mas é um fato.
O presidente sempre teve um histórico controverso em matérias como defesa dos direitos humanos, da democracia e dos direitos individuais, que abarcam os chamados “direitos das minorias”. Reconhecer que homofobia, machismo e racismo são coisas perversas não é se render a lacração, é coisa que todo liberal e conservador sensato deveria fazer.
Tratar por fascista quem votou em Bolsonaro é uma visão torpe que se torna também hipócrita quando vem de quem sempre silenciou sobre a ditadura venezuelana, por exemplo. Porém, mesmo sendo um exagero leviano taxar como extremistas quase 58 milhões de brasileiros, é preciso reconhecer que, ainda que em parcela minoritária, há sim entre eles defensores de ideias extremistas, antidemocráticas e que em nada condizem com as pretensões de uma primavera liberal.
Os extremistas a que me refiro, parte de uma direita que fala em liberdade de mercado por conveniência e que sempre está disposta a sacrificar as demais liberdades inspirada por fetiches como “intervenção militar” ou jargões do tipo “bandido bom é bandido morto”, podem ser minoritários, mas são uma minoria barulhenta e que se torna mais barulhenta na medida em que o silêncio dos moderados não lhes faz competição.
A postura correta de um liberal em relação ao governo deve ser sempre, em alusão ao famoso ditado, de eterna vigilância. Não se trata de uma postura anárquica ou antissistema, mas de atenção, ceticismo e cobrança. Apoiar governos e políticos pontuais faz parte do jogo, mas apoiar é diferente de idolatrar. A idolatria cega em política sempre produz resultados nefastos.
As controvérsias do presidente não se extinguem com sua vitória e posse. Exemplo recente é a absurda intenção de se nomear o próprio filho para uma das embaixadas mais relevantes do país. Tivesse o “garoto” atributos condizentes com a importância do cargo e ainda assim se trataria de um disparate, mas fora seu DNA, Eduardo não possui atributo algum.
O caso do filho embaixador até parece ofuscado diante das sucessivas quebras de decoro de Bolsonaro. Os absurdos são tantos que listar todos seria uma tarefa quase impossível. O mais recente e repugnante foi a fala do presidente sobre o pai do presidente da OAB, desaparecido político da ditadura que Bolsonaro tanto endeusa.
Ocorre que há uma parcela de apoiadores que trocaram seu apoio pela idolatria. Estes não aceitam a menor crítica ao presidente e seu governo, por mais bem fundamentada que seja. Quando muito saem pela tangente com a indagação provocativa: “Mas e o PT?”. Claro que sempre presumem que o interlocutor é petista.
Mas já vimos esse filme antes, não é mesmo? O passado petista não é tão passado assim para que possamos esquecer como uma parcela do eleitorado mais fiel do Partido dos Trabalhadores e mesmo políticos do partido se comportavam diante de qualquer crítica quando eram situação: “Mas e o PSDB?”.
Naquele tempo, os tucanos eram os principais rivais políticos do PT e o principal partido de oposição. A coisa era tão forte que mesmo o impeachment foi tratado pela retórica petista como uma tomada de poder tucana para impor um projeto “derrotado nas urnas”, ainda que Michel Temer fosse do PMDB. Repetiram o discurso por tantos anos que fizeram escola, e agora é a vez dos chamados “bolsominions” fazerem o mesmo.
Quando o idólatra é confrontado com fatos e argumentos que não consegue contrapor, responder acusando o “outro lado” de fazer parecido é típico. Ignoram que a estratégia é derrotada por significar um reconhecimento tácito de que a crítica tem fundamento, só lhes restando compensar a coisa com os supostos malfeitos dos adversários.
No espectro político atual o PSDB não é mais o principal adversário do PT, que passou a ser, não o PSL, irrelevante sem Bolsonaro, mas o presidente em si.
Só que a questão excede a mera rivalidade política, comumente acentuada em períodos eleitorais. Bolsonaro venceu as eleições, é o presidente, portanto não deveria agir como se ainda estivesse em campanha. Deveria é se comportar como tal e não governar com o dedo em riste para seus adversários políticos, fazendo toda sorte de provocações baratas que acabam por desgastar seu próprio governo.
Só que as provocações não são por acaso, se constituem sim em uma estratégia. Jair Bolsonaro sabe que o que o alçou ao poder foi o antipetismo, logo sente a necessidade de continuar alimentando esse maniqueísmo, vislumbrando, desde já, a reeleição. Eleger um inimigo público tentando focalizar os ódios e temores das massas é uma estratégia que acompanha populistas ao longo da história.
A coisa funciona para um séquito fervoroso, apaixonado, que não questiona, não cobra e se compraz acreditando que em nome do combate ao “inimigo” vale tudo. Para estes, se você não faz parte da seita, se você ousa fazer o simples papel de cidadão, que é o de fiscalizar o governo e apontar aquilo que julga errado, então você é um petista, um comunista.
Como disse anteriormente, esse séquito é minoritário, mas representa um risco real para nossos “ventos de mudança” se contarem com a omissão dos moderados.
Muito se fala por aí em guerra cultural. Não usaria linguajar tão belicoso, mas em política há sim uma perpétua guerra de narrativas. Peguemos o caso dos direitos humanos como exemplo. Está aí uma matéria que deveria independer de cor ideológica. No entanto há uma notória associação do tema com a esquerda. É do interesse da esquerda monopolizar a defesa dos direitos humanos, como costuma ser do interesse de certos grupos políticos monopolizar as virtudes. Só que a esquerda só está sendo bem-sucedida em dominar essa narrativa por culpa da direita, de onde, com frequência sai todo tipo de bobagens do tipo: “direitos humanos para humanos direitos”. O problema é que muitos liberais se calam diante desse tipo de fala temendo ser taxados de “comunistas”.
O silêncio sepulcral de alguns liberais diante de fetichismos reacionários da extrema-direita às vezes vai na esteira de uma estratégia besta, que é silenciar no resto desde que o governo promova uma liberalização da economia. Ora, os políticos liberais do congresso não precisam necessariamente ser oposição. Matérias como a reforma da Previdência e a MP da liberdade econômica devem sim contar com apoio e endosso de todos que vislumbram um país melhor e mais livre. Isso não implica baixar a cabeça para tudo, mesmo porque uma coisa não depende de outra.
O preço a se pagar pelo silêncio omisso, num cenário em que o presidente, com endosso de seu séquito, adota atitudes de isolacionismo e paranoia ideológica, é uma vitória da narrativa de esquerda em associar o liberalismo, e a própria defesa do livre-mercado, com reacionarismo, o que em um futuro não muito distante poderia representar o fim de nossa pretensa primavera liberal, ainda em seu alvorecer.
*Gabriel Wilhelms é licenciado em Música e graduando em Ciências Econômicas, atua como colunista e articulista político.