Por Diego Vieira, publicado pelo Instituto Liberal
Desastres naturais fazem parte da vida nesse planeta. Infelizmente sempre foi assim e, muito provavelmente, sempre será. Grande parte desses desastres trazem consigo considerável perda material e inestimável perda humana. Nesse breve artigo eu gostaria de tratar de como a destruição causada por esses eventos trágicos afeta a formação dos preços nos locais.
O estrago material causa grandes distorções no mercado local, e em geral combustível, alojamento e itens de primeira necessidade, como alimentos, medicamentos e material de limpeza, são os produtos mais demandados nessas situações. Não sem motivo, esses itens imediatamente sofrem aumentos dos preços, muitas das vezes tratados como abusivos e reprimidos pelo governo.
Recentemente isso ocorreu na Flórida, com o furacão Matthew. Consequência quase que imediata, o governo reage ameaçando e reprimindo o aumento dos preços. Como pode ser observado nesse artigo, onde Attorney General diz que vai “caçar” os estabelecimentos que aumentarem os preços devido a furacão. Para quem não se lembra, esse assunto foi exaustivamente tratado na mídia quando das enchentes que atingiram o Rio de Janeiro em 2013, em especial em Xerém. Houve relatos de aumento de 80% em galão de água. Mas o mais emblemático foi o preço da vassoura, que chegou a ser vendida a R$ 20,00.
Mas será que os comerciantes que aumentam os preços estão sendo puramente guiados pela “ganância capitalista”? Será que, suas atitudes são reflexo da irracionalidade ou de uma racionalidade? O aumento dos preços faz sentido? E, além disso, qual a melhor forma de tratar da questão? Controle ou congelamento de preços?
Bom, vamos por partes. Iniciemos falando das forças econômicas que regem esse aumento de preço, o price gouging.
Price gouging
Correndo o risco de ser simplista demais, recorro à explicação da primeira aula de Introdução à Economia I: oferta e demanda.
O preço de equilíbrio de mercado é na verdade o ponto de encontro entre o nível de demanda e o nível de oferta de determinado produto ou serviço. Quando todos os vendedores e todos os compradores se encontram nessa grande “praça”, as forças de oferta e demanda interagem até que um ponto ótimo é encontrado, ou seja, ninguém disposto a pagar um preço igual ou superior ao preço equilíbrio ficará sem o comprar o produto ou serviço e, por outro lado, ninguém disposto a vender por um preço igual ou inferior ao preço de equilíbrio fica sem vender.
Quando uma força exógena ao sistema atua, essas relações entre vendedores e compradores se altera. No caso de um desastre natural, ocorre que, pelo lado dos compradores, há um aumento pela demanda por determinados bens, em especial bens de primeira necessidade, combustíveis e alojamento. Esse aumento de demanda faz com que, naturalmente, as pessoas já estejam mais dispostas a pagar um preço maior do que o preço de equilíbrio anterior pelos mesmos produtos ou serviços. Nesse momento não há como dizer o quanto mais essa pessoa estaria disposta a pagar, mas há pelo menos um aumento marginal nessa disposição.
Pelo lado dos vendedores, existem três pontos importantes que afetam a oferta. O primeiro ponto é mais direto. Pode ocorrer que, e em geral ocorre, alguns vendedores têm seus estoques deteriorados ou destruídos pelo desastre. Isso por si só já é uma causa do aumento do preço de equilíbrio. Menor oferta dos bens. O segundo ponto é indireto. Os vendedores não possuem uma certeza com relação à renovação do estoque. Ou seja, não sabem ao certo quando conseguirão renovar os itens vendidos, nem qual será o preço para tal, uma vez que a demandam para esse produtos (vide parágrafo anterior) aumentou naquela região. O terceiro é derivado da provável assimetria de informação gerada pelo desastre. Como, muito provavelmente, a organização da “praça” não existe mais, os vendedores e compradores não mais possuem um ponto de encontro bem estabelecido e conhecido. Assim, limitada a relação ampla entre compradores e vendedores, o estabelecimento do preço de equilíbrio, em especial nos momentos inicias pós desastre, acaba por recair nos ombros de poucos compradores e vendedores. Sabendo dessa falha de mercado, alguns vendedores sobre precificam seus produtos.
Esses três fatores combinados fazem com que os vendedores desloquem sua oferta de modo contrário a demanda. Em outras palavras, ao passo que a demanda aumenta, a oferta diminui. A resultante dessas forças é um aumento do preço e consequente novo preço de equilíbrio.
Controle de preços ou cotas funcionam?
O governo normalmente é veloz em interferir nas relações entre vendedores e compradores e duas das principais atitudes tomadas pelas autoridades são a de atacar o aumento dos preços e a de controlar a quantidade máxima para ser comprada. Muitas das vezes são ambas.
Tanto uma como a outra geram as mesmas consequências: o surgimento de mercados negros e o aumento das tensões entre as pessoas.
O preço máximo, por ser sempre abaixo do novo preço de equilíbrio, incentiva a compra acima do necessário para posterior revenda. A consequência das cotas é a mesma. Aqueles que não conseguem ou acabam não conseguindo comprar os produtos, são obrigados a recorrer àqueles que conseguiram. Essa compra de segunda mão sempre vem com uma sobretaxa1.
Qual a vantagem de deixar o preço livre?
Outra opção para o governo é não interferir nos preços dos produtos e serviços. Observe que não estou entrando no mérito de o governo atuar no alívio dos danos e na recuperação do local afetado. Deixo esse tópico para depois. No momento estou tratando apenas da atuação do Estado nos preços dos produtos e serviços.
Ao não interferir nas relações do mercado, o governo permite (ou melhor, não impede) que os produtos cheguem nas mãos daquelas pessoas cujas demandas sejam tais que elas estejam dispostas a pagar um preço igual ou superior ao novo preço de equilíbrio. Veja que, mesmo com a intervenção do governo via controle de preços ou cotas, existem pessoas dispostas a pagar a mais pelos produtos. Sem a intervenção, esses produtos chegariam nas mãos dessas pessoas sem a existência dos intermediários do mercado negro.
É claro que essa dinâmica não exclui a caridade2. Pelo contrário, mais uma vez, em geral, é a inércia burocrática que o faz. No caso dos desastres Americanos, muitas das vezes é a legislação local, a qual requer permissões específicas para certos tipos de atividades, que acaba por atrasar a recuperação e reconstrução dos locais afetados.
E os “exploradores da dor alheia”?
Em caso de desastres os preços vão aumentar? Muito provavelmente. A melhor forma de fazer com que o produto necessitado chegue nas mãos de quem mais necessita é deixar o preço livre? Sim. Ok, você me diria, mas e os espertos “exploradores da dor alheia”, como colocado pela matéria do jornal O Dia, no link acima?
Deixe-me responder com uma pergunta. Você está atrasado para uma reunião importante, daquelas de nível terno e gravata, num dia de bastante chuva, e sua calça social rasga. Faltam 20 minutos para a reunião. Você olha para o outro lado da rua e vê uma loja de roupas quase fechando. Você entra correndo, e encontra a calça social. O vendedor, percebendo seu desespero, lhe diz o preço, que é dobro do preço normal. Você compra a calça? Não sei se você compra ou não, o que sei é que você provavelmente nunca mais volta naquela loja.
Esse custo moral existe em toda relação no mercado. No caso desse exemplo acima, o vendedor assumiu que nunca mais viria você. Logo, tentou encontrar o maior preço que você estaria disposto a pagar dadas as circunstâncias. O mesmo custo moral existe em um local de desastre natural. Após a recuperação da região, caso o vendedor decida por permanecer no local, ele terá que arcar com o custo moral de ter aumentado o preço dos produtos. Alguns compradores irão aceitar que o novo preço foi justo3, outros não. O risco de ser boicotado ou ignorado no futuro recai sobre os ombros do vendedor.
Nesse sentido as associações civis têm muito a contribuir. Associações de moradores, por exemplo, podem divulgar os maiores aumentos de preços, ao passo que associações comerciais podem tentar explicar os motivos dos aumentos. Essas interações voluntárias tendem a tornar o custo moral mais transparente.
O melhor mecanismo
Independente de você apoiar a ajuda governamental nos casos de desastre, de você ser a favor de que o governo seja o catalisador da renovação da região ou, por outro lado, de você acreditar que o laissez-faire, aliado à caridade privada, seria a melhor opção para a solução dos problemas gerados pelas catástrofes naturais, em um ponto podemos concordar: interferência no mecanismo de preços, seja a situação que for, gerará distorções inesperadas, geralmente no sentido de diminuir a eficiência do sistema. É a famosa situação do “o que se vê, e o que não se vê”, brilhantemente colocada por Bastiat.