Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal
Não, não foram os burocratas das casas legislativas dos Estados Unidos que elaboraram leis determinando que os comerciantes devolvessem o dinheiro dos consumidores arrependidos por terem efetuado determinada compra: foi a concorrência entre os empresários que os induziu, na ânsia por atrair clientes, a possibilitar o cancelamento de uma transação livremente realizada entre as duas partes, sem nem mesmo cobrar maiores esclarecimentos a respeito da decisão do comprador desgostoso.
Alguns estados, no máximo (como a Flórida), exigem que os estabelecimentos que não efetuam devoluções informem aos clientes tal deliberação, seja por meio de avisos afixados na própria loja, no recibo de compra ou por meio da internet. Mas a decisão de adotar o procedimento ou não, em si (bem como os princípios que irão reger seu sistema), é exclusiva do próprio empreendedor, tendo em vista seu desejo de impulsionar suas vendas a partir do exacerbamento do ímpeto dos fregueses em possuir certo produto gerado a partir desta medida.
Sim, pois a possibilidade de devolver uma mercadoria diminuiu a reflexão do consumidor no momento da compra. Ora, se eu posso vir a declinar aquele item caso venha a decidir que não foi um bom negócio, reduz-se naturalmente o tempo de avaliação de sua real necessidade e conveniência antes daquela aquisição.
No mesmo sentido, pesquisar preços e condições nos concorrentes antes de concretizar a operação comercial torna-se menos oportuno neste cenário, o que faz com que o consumidor, de forma muito mais frequente, decida-se pela compra tão logo sinta-se atraído pela oferta, por puro impulso – o qual pode ser consertado a posteriori, se for o caso.
No final das contas, entre devoluções efetuadas e compras feitas no calor do momento, tanto consumidor quanto fornecedor costumam sair ganhando: o primeiro por não precisar pensar mil vezes antes de comprar algo; o segundo por aumentar suas vendas e, no saldo, ver seu lucro majorado – e caso isso não ocorra, ele pode rever suas diretrizes internas a qualquer momento.
Cada empresa está livre na América para estabelecer suas próprias regras para devolução de mercadorias, determinando prazos para tal e fixando normas para sua realização – como manter a etiqueta em uma roupa ou guardar a nota fiscal, ou mesmo se irá devolver o dinheiro do cliente ou oferecer crédito para compras na mesma loja. Ou se, simplesmente, não vai aderir à política.
E foi o ambiente favorável ao empreendedorismo nos Estados Unidos que instou os comerciantes a adotarem tal procedimento, a partir da forte concorrência produzida por esta conjuntura voltada ao livre mercado – leia-se: facilidade para abrir (e fechar) empresas, taxa de juros praticada bastante baixa, garantia de cumprimento de contratos, segurança jurídica, tributação mais racional, pouca intervenção estatal na economia, dentre outros fatores.
Mas sempre que tal assunto vem à tona, levanta-se a seguinte questão: será que isso funcionaria no Brasil? É inegável que o forte sentido de ética do americano médio contribui para que esta política de devolução dê certo. A liberdade econômica costuma vingar em sociedades onde os indivíduos respeitam (na maioria das vezes, ao menos) os acordos firmados, dispensando a atuação estatal intermediando as trocas.
Quanto tempo demoraria até que brasileiros começassem a litigar judicialmente contra o regulamento de devolução das empresas? Ou até que o Legislativo passasse a ditar normas para tal – muito provavelmente motivado por lobby financeiro de determinados segmentos interessados em minar a competição? Ou para que Procon inviabilizasse por completo a política de devolução de produtos?
Para efeito de comparação, narro uma experiência pessoal: certa feita, fui devolver uma jaqueta comprada em Chicago/Ilinóis, adquirida às pressas pelo fato de que não esperava deparar-me com tanto frio logo na chegada à terra de Al Capone. As circunstâncias levaram-me a comprar a peça de roupa na primeira loja que entrei. Mas logo percebi, nos dias seguintes, que o preço cobrado estava muito acima do observado nas demais lojas do gênero. Quando fui atendido no departamento de devoluções, indagaram-me o motivo da decisão, ao que respondi com total sinceridade. Prontamente, o próprio empregado do balcão, sem chamar o gerente nem nada parecido, disse que cobriria o preço da concorrência, devolvendo-me a diferença, caso eu desistisse de retornar o produto. Aceitei.
Ou seja, estão incluídos no caldo do relato exitoso para todos os lados a honestidade de, no mínimo, três pessoas: a do consumidor (pois eu poderia ter mentido qualquer preço na ocasião), a do empregado (a qual permite que o empregador lhe delegue tamanho poder sem temer desfalques no caixa), e a do empreendedor, o qual busca manter uma clientela cativa – e obter lucro, mesmo que em uma perspectiva de longo e médio prazo – agradando seus consumidores, e não orando ao Estado por privilégios e tratamento diferenciado.
Retirado qualquer um destes elementos de cena, e provavelmente abriria-se brecha para que o governo, em seu infinito afã de dirimir conflitos entre os cidadãos (cobrando um altíssimo preço pelo “serviço”), apresentasse-se como o salvador da pátria.
Ou seja, estamos mesmo muito distantes desta realidade, e, por ora, vai ser difícil que esta política de devolução de mercadorias surja por estas bandas socialistas.
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