Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal
Em meio ao julgamento que mais despertou interesse dos brasileiros na história, batendo o recorde de audiência da TV Justiça, o periódico Valor Econômico chamou a atenção para um provável desdobramento da absolvição que se avizinha da chapa Dilma-Temer no TSE, a despeito da evidente utilização de recursos de origem ilícita na campanha eleitoral de 2014 (a bem da verdade, verba que veio de empreiteiras, as quais a captaram junto ao BNDES; ou seja, dinheiro do pagador de impostos bancou o marketing da parceria PT/PMDB, e o resto é palavrório e juridiquês para justificar o injustificável):
A iminente exclusão das provas de caixa 2 da Odebrecht no financiamento da campanha presidencial da chapa vitoriosa em 2014 prenuncia a absolvição de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) e talvez se torne a mais impopular decisão judicial da história recente do país. É alta a chance do Judiciário enveredar pela mesma espiral de descrédito que afeta os poderes Legislativo e Executivo desde o início do noticiário sobre corrupção produzido pela Operação Lava-jato. Uma pesquisa do instituto Paraná Pesquisas, feita por questionário on-line, o que representa os 60% da população com maior renda e maior instrução, indica que quatro entre cinco brasileiros deste segmento da sociedade gostariam que o presidente Michel Temer perdesse o mandato no julgamento que transcorre nesta semana. Ainda que precária pela sua métrica, a sondagem é um indicativo do descasamento.
Difícil discordar da observação: o desfecho desta lide, tudo leva a crer, em muito concorrerá para depreciar a já não muito polida imagem que faz o brasileiro de nosso sistema judicial. Mas a frustração de nosso povo com a omissa e conivente atuação do Estado em desfavor daqueles que lesam seus cofres e corrompem o processo democrático (sejam eles agentes públicos ou privados) não é novidade em nossa trajetória recente.
O julgamento do Mensalão – desencadeado em 2005 pela denúncia do ex-deputado federal Roberto Jefferson que dava conta de que o governo Lula estaria comprando apoio parlamentar com capital estatal (oriundo do Banco Rural) – tinha tudo para ser um marco na política nacional e representar um significativo avanço no combate à malversação de recursos extraídos do setor produtivo.
E o andamento do feito até que começou de forma alentadora, com o Ministro Carlos Ayres Britto pautando o processo e dando início aos trabalhos (para desespero dos até então acostumados à impunidade irrestrita), e na sequência o Ministro Joaquim Barbosa assumindo sua relatoria e elaborando um trabalho irrepreensível de individualização das condutas criminosas perpetradas.
A fase em que as sentenças condenatórias começaram a ser expedidas também não deixou por menos, chamando a atenção o ineditismo do rigor das penas aplicadas pelo STF contra figuras de alto relevo. Parecia que, enfim, não valeria mais a pena adotar práticas ímprobas na administração pública, diante do (possível) efeito pedagógico da severidade diante dos delitos, abrindo caminho para uma nova era de posturas mais corretas de autoridades estatais.
Mas tudo ficou no quase. Assim que os chamados recursos infringentes foram protocolados, começou a desandar a maionese. A mudança no entendimento original de que teria sido praticado o crime de formação de quadrilha ajudou a reduzir em muito a pena de vários réus – especialmente às de José Dirceu e José Genoíno, petistas graúdos enrolados até o pescoço no esquema espúrio, apontados como seus líderes.
Resultado: os denominados núcleos publicitário e financeiro do Mensalão amargaram as maiores punições, enquanto o núcleo político acabou se safando de boa, usufruindo de sanções muito brandas diante da gravidade dos atos praticados.
Mas daí entra em cena o que Edward Lorenz chamou em 1963 de Efeito Borboleta. O fenômeno que compõe a Teoria do Caos foi massificado popularmente a partir da noção de que o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. Ou seja, pequenas alterações na conjuntura inicial podem implicar em significativas alterações no decurso dos eventos seguintes.
Tal qual explica esta tese passou a ocorrer no cenário da política nacional – e nas páginas policiais – a partir do desenrolar da operação Lava-jato em 2014: o decepcionante desenlace do Mensalão motivou empresários capturados pela “República de Curitiba” (metacapitalistas, melhor dizendo) a abrirem o bico contra toda a classe política.
Nenhum deles, afinal, queria padecer do mesmo destino que acometeu Marcos Valério, o publicitário que foi condenado a 40 anos de detenção e viu os comparsas políticos saírem rindo da Papuda após cumprirem penas muito leves.
Vale dizer: a consequência não intencional do circo (de horrores) armado na Suprema Corte em 2011 foi, justamente, motivar Marcelo Odebrecht e cia malfeitora a aderirem aos acordos de delação premiada e denunciarem os cabeças da facção ao Ministério Público feito devoto no confessionário.
Pode-se afirmar, pois, que a emenda daqueles que pretendiam promover impunidade saiu pior do que o soneto, tendo contribuído, ao fim e ao cabo, para que Sérgio Moro e demais membros das forças de imposição da lei pudessem encarcerar agentes políticos como nunca dantes havia sido possível.
E como tal enredo pode vir a se repetir agora, diante do inevitável melancólico desfecho da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo em análise no Tribunal Superior Eleitoral? Qual efeito borboleta pode emergir diante deste caos jurídico planejado nos mínimos detalhes por Gilmar Mendes e Michel Temer (o primeiro tendo pedido vistas do processo por cinco meses, tempo suficiente para o segundo nomear dois Ministros – Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e Admar Gonzaga – talhados para livrar sua cara)?
O principal deles já foi detectado no artigo do Valor Econômico supracitado: o Poder Judiciário, que até então vinha recebendo tratamento diferenciado da população revoltada com o Executivo e o Legislativo (muito por conta do trabalho da equipe da Justiça Federal no Paraná), vai passar a ser visto como apenas mais uma peça da engrenagem de dilapidação do patrimônio público.
E as repercussões práticas de tal mudança de paradigmas, quais poderiam ser?
A saber: a revisão dos critérios para nomeação de ministros para cortes superiores (esta já está caindo de madura, aliás); incremento do apoio popular aos pedidos de impeachment já protocolados contra Marco Aurélio Melo, Roberto Barroso e Gilmar Mendes (não que eles vão cortar na própria carne, mas a pressão dos cidadãos pode exortar o Congresso Nacional a tomar providências neste sentido), e até mesmo tal expediente vir a tornar-se comum em outros tribunais; redução dos inacreditáveis benefícios previstos no estatuto da magistratura, e que costumam alavancar os salários de seus membros para valores muito acima do teto constitucional; e a vedação ao chamado ativismo judicial, o qual inova o Direito por meio de suas decisões apartadas da vontade do legislador – entenda suas perigosas consequências neste artigo de Arthur Dutra.
Outra decorrência deste episódio insólito pode vir a ser, quem sabe, a mudança (tão desejada) de mentalidade do brasileiro médio, que pode passar a ver com tanto ceticismo o Estado e sua capacidade de prover o prometido bem-estar social (sem guardar metade do que arrecada no bolso e desarranjar a economia) que o liberalismo econômico clássico e o conservadorismo podem ganhar (mais ainda) espaço nos debates políticos. Este, sim, seria o legítimo mal que veio para bem.
Por fim, é de se esperar que o tema da reforma eleitoral retorne com força no embalo da zanga com o TSE. É claro que, em meio a esta discussão, propostas descabidas como o financiamento estatal de campanhas voltarão à tona, mas caberá a opinião pública enterrar de volta este e outros descalabros, e exigir que uma reforma política verdadeiramente válida – com direito a instituição do voto distrital com recall e nova consulta popular a respeito do Parlamentarismo – seja promovida.
Ressalte-se que o minucioso voto do relator da AIME de Dilma e Temer, Ministro Herman Benjamim (o qual deixou claro que constatou abuso de poder econômico e político), bem como sua condução impecável do julgamento, colaborou por demais para deixar claro ao público em geral que a absolvição da chapa vencedora da última corrida presidencial é uma fanfarronice, com a qual ele não compactua – muito pelo contrário.
Trocando tudo em miúdos: a presepada (da vez) que aponta no horizonte vindo de Brasília vai, no curto prazo, causar muita indignação em nosso povo. No longo prazo, todavia, este mesmo sentimento pode insuflar a luta por melhorias diversas – algumas previsíveis, outras nem tanto. Ou seja, as consequências não intencionais deste despropositado livramento (momentâneo) do Presidente da República podem vir a ser salutares para nosso democracia, bastando, no caso, que os brasileiros reajam adequadamente.
Assim espera-se: que os envolvidos nesta trama indecorosa tenham lançado um bumerangue que lhes vai encarar de volta muito em breve. Um pouco de otimismo não faz mal à ninguém.
A não ser, claro, que no recurso deste processo ao STF as coisas mudem de figura. Certamente, pois, haverá muitos portadores de bandeiras vermelhas financiados com imposto sindical na porta daquele tribunal exigindo a cassação de Temer, ainda que isso leve Dilma junto para a vala. Dê-se um voto de confiança a esse pessoal, ora essa…
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