Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal
Nos idos dos anos 1980, fazia sucesso nas rádios uma musiquinha pegajosa cujo refrão revelava uma verdade inconteste: “Video killed the radio star”. De fato, a popularização da televisão fez a radiodifusão perder muito de sua importância, relegando-a a um papel secundário na missão de informar e entreter o público. Mas eis que chegamos a 2016, e um fenômeno similar parece estar ocorrendo: tudo leva a crer que a Internet matou (ou deixou capenga) a tarefa da mídia convencional (canais de TV, jornais, revistas e demais veículos de comunicação do gênero) de manter o cidadão informado – e esta, em tentativa desesperada de sobreviver (e manter seus patrocinadores), resolveu mesclar entretenimento e informação. Em busca da audiência perdida para os celulares e notebooks, os noticiários resolveram preterir a objetividade em favor da passionalidade, e as consequências dessa metamorfose se fazem sentir de várias formas distintas – umas mais daninhas, outras nem tanto – a cada notícia “isenta” divulgada.
Primeiramente, é bom que se diga que o drama vivenciado pelo jornalismo tradicional é real. Especialmente a partir da introdução de smartphones de baixo custo no mercado, a qual tornou possível que até mesmo pessoas de baixa renda acessassem a grande rede, saber que ao meio-dia ocorreu um assalto ou um acidente de trânsito em nosso bairro, que vai chover daqui a duas horas, que meu time ganhou o clássico local ou que a atriz da novela está de namorado novo, são todas informações que chegam pelo Whatsapp ou por outros meios a todo instante. Desta forma, a informação em estado bruto perdeu valor de mercado, em prejuízo das mídias clássicas, e até mesmo noticiários de renome viram-se ameaçados de extinção. Ou seja, o monopólio da comunicação de massa estava quebrado, e não adiantava (desta vez) ir de joelhos até Brasília implorar por reserva de mercado. Enfrentar a competição de youtubers com milhões de inscritos em seus canais e blogueiros seguidos por não menos internautas apresentou-se como o grande desafio desta atividade econômica. Acrescentem ainda as centenas de canais de TV a cabo disponíveis a preços módicos (muitos dos quais podem ser visualizados online, inclusive), e temos a tempestade perfeita aproximando-se do mundo do Cidadão Kane.
A solução da qual lançaram mão tais empresas? Colocar “tempero” na notícia insossa. Se antes a voz marcante de Léo Batista era suficiente para atrair a atenção dos aficionados por futebol para os “Gols do Fantástico”, algumas décadas depois se fez necessário colocar em campo Tadeu Schmidt e seus cavalinhos torcedores. O saldo desta estratégia foi ótimo, e ela pode ser observada em diversos programas, desta e de outras emissoras, os quais passaram por alterações no sentido de não oferecer apenas a notícia ao espectador, ouvinte ou leitor, mas também diversão no pacote – quem já assistiu ao “Jogo Aberto”, da TV Band, há de concordar comigo. E esta evolução não ficou restrita, claro, ao segmento esportivo. Basta ligar a televisão, o rádio, abrir um jornal ou uma revista (principalmente nas versões digitais), e observar os novos formatos adotados e a maior interação com os usuários de redes sociais.
Até aí, nenhum problema a ser constatado. Pelo contrário: a concorrência no livre mercado fez seu milagre, e gerou mais qualidade a custos minorados para os consumidores – e quem não concorda, só precisa mudar de canal. É difícil negar que a maior dinamicidade foi um ingrediente que conferiu uma roupagem muito mais moderna e aproximou público e apresentadores de uma forma sem precedentes.
A celeuma teve início quando começaram a adicionar mais tempero do que informação nos noticiários, especialmente quando estão envolvidas questões políticas, jurídicas e econômicas. Pior: nestes campos, costuma-se fazer uso imoderado de pimenta esquerdista, e de forma dissimulada. A dor de estômago, claro, fica para quem tem paladar conservador ou liberal mais aguçado.
Ressalte-se que emitir opinião (do jornalista ou da própria instituição) não apenas é salutar, mas também inevitável. Comentaristas dos mais diversos assuntos prestam um serviço primordial, na medida em que não é humanamente possível ser versado em todas as áreas de conhecimento, e, por isso, um especialista que possa “digerir” os dados para o público é sempre bem-vindo. Ademais, não há como exigir isonomia total dos profissionais no trato com as matérias a serem publicadas, visto não estarmos lidando com autômatos, e sim com pessoas. Em maior ou menor grau, portanto, sempre haverá algum ponto de vista manifestado.
Mas o recomendável, todavia, seria sempre o difusor manter informação e opinião em separado, como prezava o padrão clássico de telejornal. Basta lembrar-se de Boris Casoy lendo no teleprompter da câmera principal uma notícia, e, na sequência, voltando-se para uma câmera lateral e proferindo sua análise a respeito do noticiado, separando, de maneira muito explícita, uma coisa da outra – e permitindo que o consumidor “comprasse” apenas aquilo que lhe interessasse. A prática atual, contudo, nos mostra que convicções do próprio repórter ou da empresa onde labora estão implícitas em cada palavra (literalmente) dita ou escrita, transmitindo, pelo uso de métodos sub-reptícios, conceitos ocultos entre os fatos relatados. O pessoal da “caneta desesquerdizadora” encontrou farto material para seu website apenas sondando estes mensagens subliminares nem um pouco discretas, reproduzidas por veículos autodeclarados como de “Centro”:
Outro contratempo gerado por esta mudança de paradigmas no jornalismo: os recrutadores de repórteres e apresentadores passaram a dar preferência para profissionais com virtudes artísticas. Como exemplo, cite-se a substituição das âncoras do programa “Primeiro Impacto” do SBT por um garoto de 18 anos sem formação específica na área. Aparentemente, a interface ficou melhor mesmo (Eduardo Camargo demonstra bastante desenvoltura), mas deixou claro que foi-se o tempo em que a expressão corporal não era uma das principais características exigidas para este ofício. Até mesmo atores profissionais têm sido convertidos em apresentadores, e vice-versa – Dan Stulback na ESPN é uma evidência dessa tendência.
E porque isto deveria causar preocupação? Ora, a relação umbilical da classe artística com o Estado é notória há longa data. Ludvig Von Mises costumava tratar do tema em suas palestras (e convenhamos que, levando em conta o desespero de nossos artistas com a mera possibilidade de redução da subvenção estatal, nem seria preciso citar o austríaco):
“Muitos pintores, poetas, escritores e compositores já se queixaram de que o público não reconhecia sua obra, o que os obrigava a permanecerem na pobreza. Não há dúvida de que o público pode ter julgado mal; mas, quando promulgam que “o governo deve subsidiar os grandes artistas, pintores e escritores”, esses artistas estão completamente errados. A quem deveria o governo confiar a tarefa de decidir se determinado estreante é ou não, de fato, um grande pintor? Teria de se valer da apreciação dos críticos e dos professores de história da arte, que, sempre voltados para o passado, até hoje deram raras mostras de talento no que tange à descoberta de novos gênios. Essa é a grande diferença entre um sistema de “planejamento” e um sistema em que é dado a cada um planejar e agir por conta própria.”
Portanto, cada passo dado pela classe jornalística em direção contrária à objetividade e ao encontro da subjetividade, aproxima-a mais e mais do aparato estatal. À medida que o noticiário vai virando entretenimento, faz-se necessário inovar frequentemente sua forma, sob o risco de aborrecer o público, que é capaz de desprezar hoje o que apreciava ontem – o que afugentaria o interesse de empresas privadas nas cotas de propaganda. Eis porque muitos artistas recorrem ao Estado como forma de fugir deste constante risco de entediar seus clientes. E quando se vê repórteres praticamente “interpretando papéis” no desempenho de suas funções, fica difícil de imaginar que não serão acometidos do mesmo mal.
De que forma? Bom, some-se a esse fator o fato de que, em decorrência da crise financeira que se abalou sobre os veículos de comunicação, haja vista a fuga de anunciantes para a Internet, os anúncios governamentais e de empresas paridas pelo BNDES tornaram-se a tábua de salvação de quase a totalidade daqueles. E como governos populistas tendem a desperdiçar bem mais dinheiro dos pagadores de impostos em publicidade, seria suicídio apoiar um governo parcimonioso em seus gastos – Veja só você.
Este cenário, porventura, pode servir para entender porque uma analista de economia de um conhecido canal não pode explicar, em português bem claro (enquanto comenta a redução da Selic promovida pelo Banco Central esta semana), como o Estado poderia diminuir, de forma muito mais significativa, o preço do capital no Brasil: freando gastos públicos, claro! Ora, isso seria loucura, correto? A chance de os efeitos de tal sugestão respingarem de volta na própria emissora seria consideravelmente alta. Melhor chamar um sociólogo da UFRJ para contestar a PEC 241. E rápido! Ah, e nem pensem em chamar um coxinha para fazer o contraponto, hein? Mantenha-se a conversa dentro da mesma bolha impenetrável de costume. E o espectador segue achando que juros podem ser reduzidos ao bel prazer do governantes, ou que lucro é crime. Um baita desserviço.
Visualizar tal conjuntura já seria suficiente para compreender o viés à esquerda de boa parte do jornalismo, mas não se pode olvidar da revolução cultural que transformou os departamentos de Humanas das universidades em ajuntamentos de “sociais-democratas” – para não pegar mais pesado. Como os cursos de jornalismos estão inseridos nessa estrutura, não há como escapar desta “Escola Com Partido” – e põe partido nisso.
O resultado é uma verdadeira fábrica de repetidores de mantras politicamente corretos que deixariam Antonio Gramsci orgulhoso de seus cadernos, nos quais ele preconizava que um regime comunista, em países com democracia e economia relativamente consolidadas e estáveis, não poderia ser instaurado a força, como aconteceu na Rússia. Infiltrar lenta e gradualmente a ideia revolucionária, pela via pacífica, legal, constitucional, entorpecendo consciências e massificando a sociedade com uma propaganda subconsciente, imperceptível aos mais incautos – a grande maioria da população, no caso – seria a fórmula ideal para subverter o capitalismo no vilão de todas as mazelas mundiais. Ocupando espaços estratégicos, (principalmente na mídia) formar-se-ia a necessária hegemonia (criação de uma mentalidade uniforme em torno de determinadas questões), e aí entram os repórteres simpatizantes do Che.
Ou seja, o que já era “canhoto” desde 1968 só piorou com o surgimento da Internet, que empurrou a mídia mainstream mais ainda para a esquerda, fazendo até mesmo profissionais como Miriam Leitão serem “insultadas” por serem, segundo a patrulha da mortadela, “de Direita”. Logo ela que, entrevistando Michel Temer, ao vê-lo declarar que, para não cortar gastos com Educação e Saúde, poderia, por exemplo, suspender a execução de uma obra qualquer, interpelou-o e indagou: “mas e os empregos gerados por esta obra?”. Uma leitura do século XIX (Frédéric Bastiat) poderia tê-la poupado da gafe, e mudado a opinião de seus críticos sobre as inclinações ideológicas da economista:
“(…) O estado faz uma estrada, constrói um palácio, conserta uma rua, abre um canal e, com isso, dá trabalho a certos operários: é o que se vê. Mas ele priva de trabalho outros operários: é o que não se vê. (…) Ora, é compreensível que se reúnam todos os cidadãos para mandá-los fazer, através do dinheiro que emprestarem, uma obra útil para todos: a recompensa estaria nos resultados apresentados pela própria obra. Mas, se depois de havê-los convocado, pede-se que construam estradas nas quais ninguém passará, palácios onde ninguém viverá — e isso só a pretexto de arranjar-lhes trabalho —, seria absurdo e eles teriam todo o direito de objetar, dizendo que, com esse trabalho, nada teriam que fazer e que prefeririam trabalhar por conta própria. (…)
E olhe que não estamos tratando aqui de um problema peculiar de nosso país. Felipe Moura Brasil divulgou artigo de David Kupelian, onde é explicitada a verdadeira razão da imprensa americana para proteger Hillary Clinton: “A grande mídia é cada vez mais apenas um pretexto, uma farsa, um show – apenas mais um grande empreendimento no qual os ativistas da esquerda dita progressista podem trabalhar juntos para transformar os Estados Unidos. Quando eles se cansam de ser “jornalistas” e “analistas” – ou conseguem uma oferta de trabalho melhor – eles podem sempre voltar a ser parte da administração esquerdista. Afinal de contas, é tudo um mesmo show.” Ou seja, esta “porta giratória” entre a imprensa e o Estado contamina a autonomia de qualquer profissional do ramo.
E como é muito mais fácil manter níveis de audiência altos priorizando reportagens de cunho sentimentalóide, com direito a violino no fundo, a apologia a essas pseudocausas que a esquerda adora explorar seguirão em pauta por tempo indeterminado. Até Bart Simpson sempre soube das vantagens de apelar para o coitadismo:
Convém enfatizar: que ninguém saia bradando por aí que “deveria haver uma lei proibindo tudo isso”. Tal atitude seria o estopim perfeito para a tão desejada pela esquerda regulação da mídia, e, por consequência, para a censura de tudo aquilo que não for “progressista”. A solução passa por alertar os desavisados a respeito destas artimanhas, e gerar, destarte, uma forte demanda por veículos mais independentes. Neste momento, Rodrigo Constantino vai se perguntar “onde está a Fox News Brasil?”, e a resposta, miseravelmente, ainda será um silêncio ensurdecedor. Até que surja uma alternativa que possa bater de frente com a “mídia golpista”, a Internet seguirá sendo o bastião dos defensores da liberdade e das tradições, o quartel-general de Liberais e Conservadores.
Como exemplo disto, recomendo este vídeo da Denis Prager University. A narradora é uma jornalista, e sabe muito bem, portanto, do que estamos falando aqui: padrões profissionais em decadência. E é difícil não anuir com a conclusão dela: como seria bom para nossas vidas poder confiar na mídia!
Sobre o autor: Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR. Também publica artigos em seu site:https://bordinburke.wordpress.com/
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