Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

Como o Brasil conseguirá superar séculos de uma cultura paternalista, dirigista e estatizante?

Por Vinícius Montgomery de Miranda, publicado pelo Instituto Liberal

O Índice de Liberdade Econômica (ILE) da Heritage Foundation, publicado recentemente, mostra que, infelizmente, em 2018, o Brasil regrediu 13 posições em relação ao ranking de 2017. Esse índice funciona como um termômetro que mede o grau de liberdade concedido aos agentes econômicos para que tomem decisões no seu dia a dia, sem a interferência do Estado. O ranking desse ano avaliou 180 países em doze quesitos considerados para a sua formação: direito de propriedade, integridade do governo, eficiência judicial, gastos do governo, carga tributária, saúde fiscal, liberdade comercial, liberdade de trabalho, liberdade monetária, liberdade de comércio exterior, liberdade de investimento e liberdade financeira. Todos os quesitos são avaliados de 0 a 100 e têm o mesmo peso no resultado final. Em 2018, o Brasil alcançou a pontuação de 51,4, ficando atrás de 152 países considerados de maior liberdade econômica. Espanta saber, por exemplo, que países como Etiópia, Haiti, Gana e a maioria absoluta dos vizinhos sul-americanos possuem ambientes de negócios menos hostis que o brasileiro. É por isso que criar riqueza no Brasil – papel de empreendedores e seus colaboradores – tem virado missão para heróis. Tarefa muito mais fácil é arrumar uma boquinha para se locupletar da máquina estatal. Afinal, cabide de emprego arranjado por políticos irresponsáveis não costuma faltar nesse país.

Por que a liberdade de iniciativa é tão importante? Ao se observar a história econômica das nações, não é difícil constatar que a prosperidade anda lado a lado com a liberdade para empreender. A livre iniciativa permite que soluções criativas e inovadoras para os problemas da sociedade sejam mais facilmente encontradas, descomplicando a vida das pessoas e das empresas. Novos negócios surgem das oportunidades detectadas pelos empreendedores mais atentos e talentosos; a produção aumenta, novos empregos são gerados e o nível de renda se eleva, aumentando a prosperidade geral da nação. Nesse caso, indicadores de qualidade de vida como o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano avançam, retratando a transformação do cotidiano da população. Até mesmo o Estado se beneficia com o aumento da arrecadação de tributos, sem que para isso seja preciso elevar a carga tributária. Estudos recentes, como o do economista Guilherme Azevedo, mostram a alta relação entre a qualidade de vida (IDH) e o grau de liberdade econômica (ILE). Enquanto as populações de países com maior liberdade econômica não sofrem de restrição alimentar e desfrutam de um bom nível de educação, saúde e segurança, além do conforto proporcionado por bens tecnológicos, as dos países de menor liberdade sofrem os efeitos nefastos do gigantismo estatal.

Muito se discute sobre quais deveriam ser as atribuições de um Estado. Os liberais acreditam que o Estado deve ter atuação limitada, restringindo-se tão somente a manter a ordem e garantir que as leis funcionem. Dessa forma, seria possível garantir igualdade de oportunidades, com os indivíduos alcançando resultados em função de seus próprios esforços; sem comprometimento da liberdade de ação. É exatamente por isso que o filósofo austríaco Friedrich Hayek destaca que existe uma enorme diferença entre a igualdade de oportunidades e aquela “igualdade” imposta pela interferência estatal. O economista espanhol Daniel Lacalle afirma que não há injustiça e desigualdade maior que o igualitarismo imposto pelo Estado, que elimina os incentivos para o aprimoramento próprio, comprometendo, portanto, a produtividade, que é fator chave para gerar riqueza.

Para John Locke, filósofo inglês, conhecido como pai do liberalismo, a formação de um governo deve ser consentida pelos governados, e respeitar o direito natural do homem à vida, à propriedade e à liberdade. Em seu ponto de vista, a sociedade apenas delega poderes a um Estado, que deve através de um contrato social, assegurar seus direitos naturais. Se o Estado não respeita esses direitos, visando interesses particulares e não o bem comum forma-se um governo tirano, contra o qual os indivíduos deveriam resistir. Thomas Hobbes, por sua vez, em Leviatã, defende a existência de um governo central forte. A centralização de poder estatal inibiria o caos ou a guerra civil, uma vez que, para Hobbes, os homens são egoístas por natureza e, por isso, tendem a guerrear todos contra todos (Bellum omnia omnes). Assim, diante da escassez de recursos, e da inexistência de um governo e de leis, os homens naturalmente mergulhariam na discórdia. Nesse estado de guerra, gerado pela inexistência do poder centralizado, o trabalho produtivo se torna impossível e não há condições nem tranquilidade suficiente para a busca pelo conhecimento e pelo progresso. A motivação para criar, construir e inovar desapareceria. Acemoglu e Robinson, em Por Que As Nações Fracassam, concordam que a centralização de poder é condição necessária para a prosperidade das nações, mas não suficiente. Esses autores mostram que, historicamente, nações sem as Instituições Inclusivas, que garantam o direito de propriedade e a liberdade de ação de empreendedores, têm seu crescimento econômico limitado e uma elevada concentração de renda.

Para o jurista Dalmo Dallari, a mudança da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, acelerou o processo de formação do Estado brasileiro, que teve seu nascimento formal em 1815, quando o país deixou a categoria de Colônia para se tornar Reino, unido aos de Portugal e de Algarves. Alguns anos depois, em 1824, desponta a primeira Constituição brasileira. Seu ordenamento jurídico é resultado da ação direta de D. Pedro I contra uma parte dos constituintes que desejavam uma monarquia; que delimitasse o poder do imperador, conforme o modelo de Estado idealizado por Locke. O Estado brasileiro nascia, portanto, absolutista, com o governo controlando atividades políticas e econômicas, e espaço limitado para a liberdade de iniciativa. A formação da burocracia estatal brasileira, após a independência, surgiu de um misto de meritocracia e relacionamentos pessoais de apadrinhamento, sendo contaminada pela patronagem, isto é, a distribuição de empregos públicos para garantir apoio político e social ao regente.

A tradição de concentração do poder estatal se intensifica com a outorga da Constituição de 1937, de inspiração fascista. Esta concedia poderes ilimitados ao presidente-ditador, Getúlio Vargas, que institui a legislação trabalhista (CLT) e políticas sociais excessivamente paternalistas e intervencionistas. Mais uma vez perdem espaço a livre iniciativa, a meritocracia e o empreendedorismo. Algumas décadas mais tarde, apesar do surto de crescimento econômico, que transcorreu na primeira metade do governo militar (1964-1985), a economia brasileira continuava defasada tecnologicamente, fechada ao comércio internacional, e alicerçada na formação de oligopólios e no dirigismo estatal. A celebrada redemocratização do Brasil e sua última Constituição, a de 1988, completa, então, séculos de restrição à liberdade de iniciativa. Praticamente em nenhum momento da história do país se percebe um governo de viés pró-mercado. A cultura anticapitalista de privilégios para grupos de interesses, proteção a setores industriais pouco competitivos, oposição à meritocracia e à modernização da gestão pública e o assistencialismo populista, que reforça a dependência estatal de grandes contingentes da população, aprisiona o país do futuro de forma quase que definitiva à armadilha da renda média. Nem as crises da hiperinflação dos anos de 1980, tampouco a grave crise econômica recente, parecem ter despertado a nação para a lição manifestada por James Madison (um dos pais fundadores da Constituição dos Estados Unidos de 1789), de que uma constituição deve habilitar o governo a controlar os governados; e em seguida obrigá-lo a controlar a si mesmo.

Os constituintes que formularam a Constituição cidadã, de 1988, foram pródigos em multiplicar “direitos”, sem se preocupar com o impacto dessa garantia constitucional à saúde fiscal do país. O Estado não deveria ter assumido a responsabilidade de prover condições materiais básicas aos indivíduos como educação, saúde, segurança e aposentadoria integral ao funcionalismo público, por exemplo, entre outros direitos, sem as fontes de recursos suficientes para fazer frente ao aumento dos gastos públicos, decorrentes dessas garantias. A consequência de uma Constituição tão detalhista (a Constituição brasileira é a terceira mais extensa do mundo e a décima em direitos constitucionais, conforme o Comparative Constitutions Project) e dirigista como a brasileira é o inchaço do Estado. Por isso, tem-se o excesso de burocracia e regulações, além de uma carga tributária sufocante para a iniciativa privada, na tentativa de efetivar os serviços previstos na lei.

Como o poder foi capturado por castas de funcionários públicos, sindicalistas, partidos políticos, grupos de interesses e lobbies corporativos que desejam ampliar “direitos” múltiplos, como auxílio-moradia, estabilidade de emprego, contribuição sindical obrigatória, indexação salarial, crédito subsidiado e aposentadoria precoce; na prática, não é possível garantir a todos, os direitos prometidos na carta constitucional. Ocorre então o que o economista americano Lawrence Reed chama de a contraposição entre um direito e um privilégio. Isto é, se um direito constitucional é efetivo para alguns e ao mesmo tempo é negado a outros, ele deixa de ser um direito e passa a ser um privilégio. Assim, a lei que pretendia fazer justiça acaba por disseminar a injustiça. Perde-se o sentido da existência do Estado, que Thomas Hobbes visualizou como a solução para a guerra de todos contra todos. Retorna-se à barbárie, onde o Estado não apenas deixa de cumprir sua função social como passa a ser patrocinador das injustiças que supostamente deveria eliminar.

O favoritismo aos grupos que estão próximos ao poder, criado por regras ou leis protecionistas, reforça os oligopólios, expande os gastos públicos, concentra renda, engessa a eficiência, enclausura a liberdade de iniciativa e cria barreiras ao empreendedorismo. Se a força econômica se associa aos detentores do poder para manter o status quo, acaba por afastar qualquer possibilidade de renovação política e florescimento do capitalismo. É exatamente isso que Acemoglu e Robinson chamam de uma nação de Instituições Extrativistas. O resultado é o subdesenvolvimento, com piora na qualidade de vida dos cidadãos. No Brasil, os tentáculos do Leviatã estatal são tantos, que como escreve Rodrigo Constantino no livro Privatize Já, privatizar estatais não é mais suficiente para modernizar o país. Perdem os consumidores e trabalhadores, lucram os amigos do rei que usam toda sua força e influência para manter privilégios à custa daqueles. No fim, a população paga caro para sustentar um nacionalismo infantil que gera preços elevados e menor eficiência em nome do interesse nacional.

Estudiosos renomados como Douglass North, Daron Acemoglu e Robert Cooter mostram em suas pesquisas a correlação entre o ambiente institucional e o desenvolvimento econômico e social. Regulamentos essenciais para o progresso social, como o respeito aos contratos e à propriedade privada, a segurança jurídica, a previsibilidade das ações de um governo enxuto e a liberdade para trabalhar, criar e empreender são condições essenciais para a produtividade de uma economia, sendo este fator fundamental para o aumento das condições materiais de uma sociedade e para a melhoria da qualidade de vida.

A grande questão que fica é como seria possível ao Brasil superar séculos de uma cultura paternalista, dirigista e estatizante? Já no século VIII A.C., o profeta Oseias afirmava que o povo padece por falta de conhecimento. Não difere muito do mundo atual, ainda que a informação e o conhecimento tenha se multiplicado. No currículo das escolas brasileiras de ensino fundamental, conteúdos básicos como os de economia, finanças pessoais, empreendedorismo e a ética do trabalho são taxativamente ignorados. Raramente existe a preocupação em relacionar a educação dos jovens com sua futura vida profissional. Multiplicam-se os cursos preparatórios para os candidatos a concursos públicos, enquanto a prática empreendedora é relegada a aventureiros. A meritocracia é solenemente ignorada em nome da igualdade a qualquer custo. Boa parte dos cursos superiores no Brasil são amplamente dominados por professores simpatizantes do marxismo. O ensino jurídico brasileiro estimula a cultura do intervencionismo e do dirigismo contratual, conforme descrito pelo professor de direito empresarial e econômico André Luiz Ramos. Muitas vezes o jornalismo ignora fatos em benefício de patrocinadores ou da classe artística próxima ao poder. Por todos esses obstáculos ao desenvolvimento do país, merecem admiração os blogs, sites, canais, autores e pesquisadores que tentam romper as barreiras culturais que prendem esse rico país ao atraso ideológico, que no final das contas, mantém privilégios à custa da maioria silenciosa que paga a conta.

Sobre o autor: Vinícius Montgomery de Miranda é formado em Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Itajubá. Possui MBA em Gestão Financeira na UNITAU. É Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Itajubá e professor no INATEL e na FAI (Santa Rita do Sapucaí).

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.