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Como o Judiciário “protege” trabalhadores autônomos

Por Bourdin Burke, publicado pelo Instituto Liberal

Contratar os serviços de um profissional autônomo, para execução de reparos ou serviços em nossas residências, é situação corriqueira – ou costumava ser. O Estado brasileiro, desta feita personificado na figura do Poder Judiciário, vem proferindo decisões que elevam o custo e o risco de contar com esses profissionais, sempre que no trabalho prestado estiver presente a possibilidade de acidente (especialmente queda de altura).

Conferindo ao cidadão comum as mesmas responsabilidades atribuídas pela legislação às pessoas jurídicas, o que Juízes e Desembargadores podem estar decretando é o fim deste tipo de relação de trabalho. A pretexto de prover a segurança desses obreiros, podem estar privando-lhes do próprio sustento com tal precedente. O que não deixa de configurar verdade inconteste: em casa, sem poder laborar e ganhar dinheiro, estes trabalhadores estarão bem seguros mesmo, sem dúvida. “Apenas” estarão sem comida. E mais dependentes do Estado brasileiro, claro. Bingo!

Tomemos como caso ilustrativo julgado recente da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul.  Esta decisão ganhou notoriedade pelo fato de que o magistrado resolveu utilizar linguagem coloquial na elaboração de seu voto. Realmente, ficou fácil de entender – a forma, não o mérito. Em linhas gerais, foi deferido o pedido de indenização por acidente de trabalho ocorrido quando um trabalhador autônomo prestava serviços de “revestimento de pisos e azulejos” na construção de uma casa de alvenaria (ele caiu da sacada). O contratante era proprietário de um “pequeno negócio de padaria”, mas a obra nada tinha a ver com sua atividade econômica. O Desembargador reconhece que não há vínculo de emprego entre as partes, mas apenas prestação de serviços em regime de empreitada, motivo pelo qual indefere o pagamento de diversas verbas trabalhistas cobradas pelo reclamante. Todavia, ele condena o reclamado a arcar com uma indenização pelos danos morais sofridos, além de pagar pensão mensal e vitalícia ao acidentado. Por quê? Porque sim, ora:

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Então vejamos: o que poderíamos definir como “cuidar para que o trabalho fosse seguro”, no caso em tela? O ordenamento jurídico pátrio nos responde por meio da combinação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho:

CLT - Art 157 I

Está aí a resposta: se você contratou um autônomo para consertar o telhado de sua casa, e quer garantir sua segurança (e isentar-se de responsabilidade na esfera judicial), prepare-se para atender a TODOS os preceitos da Norma Regulamentadora nº 35, já que o Judiciário entende que, muito embora o texto da CLT determine que “cabe às empresas” cumprir tais exigências, estas também devem ser estendidas a todo e qualquer tomador de serviços, ainda que seja apenas alguém que não faça a menor ideia de como este tipo de atividade pode ser feita de forma segura.

E aí reside o busílis: se você não detém o know-how necessário para certificar-se que o contratado não vai sofrer acidentes em sua propriedade, será preciso contar com os serviços de uma empresa especializada no ramo de segurança e saúde do trabalho (SST), certo? Sim, exatamente como fazem as empresas que não possuem técnicos e engenheiros de segurança como empregados – e não pense que isso sai barato. E, de qualquer forma, caso o acidente ocorra, apesar das medidas de segurança adotadas, ainda assim a responsabilidade será sua, restando somente a possibilidade de ação regressiva contra a empresa de SST.

A alternativa mais econômica seria você, por conta própria, dar conta do recado. Tem certeza que quer encarar tal aventura? Tenho plena convicção de que, a esta altura (do campeonato, não da queda), se você ainda acredita que fornecer um cinto qualquer para o trabalhador, comprado por indicação de um amigo, e pedir que este seja utilizado uma única vez no início das atividades, são medidas que o eximirão de culpa, você ainda não leu todo o texto da NR-35 – e suas oito páginas de requisitos de segurança, que incluem desde treinamento para trabalho em altura até  estabelecimento dos sistemas e pontos de ancoragem.

Considere que muitas empresas de grande porte costumam apresentar dificuldade em atender a todas essas exigências, e não raro apelam para companhias com expertise neste mister. Tente lembrar-se da última vez que pagou a alguém pela realização de reparos no seu telhado, e veja se parecia com isso:

Telhado

Não parecia, nem de longe? Parabéns: você é um sujeito de sorte, e escapou de sofrer uma condenação na Justiça do Trabalho.

Mas então, se tornou-se arriscado contratar este autônomo, e mitigar esse risco implica em contratar uma empresa de SST, elevando as despesas da obra, por que eu não contrataria logo uma empresa de conserto de telhados, a qual vai cobrar mais que o autônomo, mas vai assumir os custos e os riscos (inclusive em caso de ajuizamento de ações trabalhistas futuras) de contratar empregados e cuidar de sua segurança?

Parece a providência mais racional a ser adotada (e é o que está começando a acontecer), especialmente levando em conta que a jurisprudência dominante no Brasil atesta que não há responsabilidade solidária do “dono da obra” com o empreiteiro, o qual, em caso de acidente, irá figurar sozinho no polo passivo de uma eventual ação buscando indenização. Ou seja, eliminar a figura do autônomo da transação, fechando negócio com uma empresa, acaba consubstanciando uma espécie de “seguro contra indenizações trabalhistas”. E não podemos culpar os clientes por buscarem o melhor para si – por enquanto, mas em nosso país é bom não duvidar de nada.

À primeira vista, parece não haver motivos para preocupar-se com a subsistência desses profissionais que prestam serviços por conta, visto que essa empresa de conserto em telhados poderia, em tese,  contratá-los para trabalhar como empregados, correto? Não é tão simples como parece, para variar. Como todo problema complexo, surge sempre a solução fácil, rápida, e…errada.

Tais trabalhadores autônomos costumam possuir nível de instrução muito baixo, e usualmente são preteridos por pessoas com mais escolaridade. Acrescente o alto custo de um empregado no Brasil (o qual não pode ser reduzido nem mesmo com a aquiescência dos empregados, tendo em vista o caráter irrenunciável dos direitos trabalhistas, e a impossibilidade de acordos negociados entre as partes prevalecerem sobre o direito positivado), e resta claro que significativa parcela desses autônomos não será absorvida pelo mercado formal de trabalho, gerando desemprego e, óbvio, cidadãos dependentes do Estado.

Outro fenômeno que vem sendo fomentado por essa conjuntura é a indústria de produtos e ferramentas concebidos para serem utilizados por qualquer pessoa, ao estilo “do-it-yourself”. A internet desempenha importante papel neste processo, patrocinando trocas de informações entre possuidores de determinados conhecimentos específicos. Tarefas como trocar a resistência de um chuveiro elétrico ou pintar as paredes de casa passam a não parecer tão difíceis, e a dispensar a contratação de profissionais para sua execução – especialmente em tempos de crise econômica e dinheiro escasso (e de decisões judiciais tresloucadas: já pensou se o eletricista sofre um choque elétrico no seu banheiro? É melhor já saltar pela janela!).

A esta altura (do texto, não da queda), podemos estar nos perguntando como seria possível combinar o direito constitucional do trabalhador (mesmo autônomo) a um ambiente laboral seguro com sua (suposta) liberdade de prestar serviços a quem entender e nas condições que quiser (e puder) aceitar. É possível apontar direções a serem seguidas apenas usando como base o que foi elucidado até aqui:

  • Com educação de melhor qualidade, o trabalhador não apenas poderia cuidar melhor de si mesmo, como seria admitido em empresas do setor com mais facilidade, e nem precisaria, quem sabe, ser um autônomo – considerando, no caso, que a maioria destes profissionais prestam serviço de forma independente pela dificuldade de obter um emprego formal que remunere no mesmo nível. Ensinar mais matemática, física e demais disciplinas tradicionais, em vez de perder tempo com proselitismo político, seria de grande valia neste sentido;
  • Reduzindo a carga tributária, o Estado permitiria que empresas fizessem poupança para reinvestimento e ampliação da produtividade marginal, permitindo, destarte, mais contratações e melhores salários, atraindo trabalhadores outrora autônomos para empregos formais (tornando sua segurança incumbência das empresas, as quais possuem melhores meios de provê-la);
  • Facilitar para que qualquer autônomo pudesse criar sua própria empresa, reduzindo tarifas, burocracia e permitindo um arranjo mais apropriado (possível) entre empreiteiros e empregados – permitindo uma maior destinação de recursos para (melhores) equipamentos de segurança.

Estas sugestões não constituem listagem “numerus clausus”, visto que diversas outras providências podem ser adotadas para redução de acidentes de trabalho com autônomos, sem que estas impliquem em fazê-lo perder seu nicho de mercado. Todavia, estimular uma indústria de indenizações e pensões vitalícias, como vem fazendo o Judiciário, certamente não atende ao interesse nem de clientes, nem de trabalhadores (no médio/longo prazo).

Murray Rothbard conhecia uma boa fórmula para equacionar problemas desta natureza. Dizia ele: “A melhor maneira do governo ajudar os pobres – bem como o resto da sociedade – é saindo do seu caminho, removendo sua enorme e parasitante rede de impostos, subsídios, ineficiências e privilégios monopolísticos”. Se trocarmos “pobres” por “autônomos” nesta frase, temos um bom caminho a seguir.

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