Por Bernardo Santoro, publicado pelo Instituto Liberal
A principal tese de defesa de Renan Calheiros no dia de ontem, na sofrível guerra política que o Senado Federal travou com o STF, foi que a decisão do Ministro Marco Aurélio afrontava o princípio da separação de poderes, havendo uma suposta ilegitimidade do judiciário em afastar um presidente do legislativo.
Ao final do dia, a decisão que reformou a liminar do Marco Aurélio, apenas afastando Renan da linha sucessória presidencial, na qual hoje ele seria o “segundo suplente”, é que realmente matou o princípio da separação de poderes.
O princípio da separação de poderes é uma teoria da democracia liberal, compilada e esquematizada por Montesquieu, com o objetivo de promover a desconcentração de funções públicas entre os governantes, reduzindo assim a possibilidade de desvio das finalidades públicas de Governo.
Assim, as três funções públicas essenciais, a executiva, a legislativa e a judiciária, seriam independentes, harmônicas e equânimes entre si, não sendo uma superior à outra. Além disso, essencial para seu funcionamento é o sistema de freios e contrapesos, onde cada poder tem o dever de limitar o outro, através de meios constitucionais específicos, para impedir o exercício ilegal ou abusivo de suas instituições.
Quando Marco Aurélio expede liminar afastando Renan, ele está no exercício desse sistema de freios e contrapesos. É até possível que tenha havido abuso nesse exercício, mas a desobediência à ordem judicial é um instrumento ilegítimo para combater o abuso. Renan deveria ter acatado a decisão, e recorrido ao próprio STF, além de usar outros meios legítimos do sistema de freios e contrapesos, como o CNJ (administrativo/executivo) ou o impeachment do Ministro (via legislativo).
Portanto, foi Renan quem primeiro rasgou o princípio da separação de poderes ao desrespeitar o rito e as instituições vinculadas ao sistema de freios e contrapesos.
Em seguida, quando o STF decide que um réu pode chefiar o poder legislativo (e o Presidente do Senado é o chefe do poder legislativo), mas não pode estar na linha sucessória para chefiar o poder executivo, está na prática declarando, em acórdão a ser transitado em julgado, que a chefia do poder legislativo é inferior em importância à chefia do poder executivo.
Eu nem aprofundarei aqui o que penso dessa ideia de que réu não pode exercer a liderança de poder, apenas afirmando que acho um absurdo uma pessoa sem condenação transitada ser arbitrariamente restringida em seus direitos políticos. Minha preocupação é o duplo-padrão de postura do judiciário. Se um réu não pode exercer a chefia do executivo, não pode também exercer a chefia do legislativo, porque, como já dito, os poderes são INDEPENDENTES, HARMÔNICOS e EQUÂNIMES entre si, um não sendo superior ou mais importante que outro.
Para terminar esse textinho com alguma descontração, lembro um episódio da minha adolescência. Uma vez, jogando truco com amigos, a rodada estava 1 a 1 e eu era o pé. Meu amigo gritou “truco” e eu respondi, de cara, “retruco”.
Ele declarou: “não pode ser, eu truquei com copilha e você só pode me vencer com uma carta”.
Eu repliquei: “quem truca com copilha está sempre disposto a tomar um zap no meio da testa”.
Então ele soltou uma frase para ficar nos anais da história: “posso DESTRUCAR”?
A minha resposta, lacônica: “não existe destruco na vida, amigo”.
E isso vale tanto para bebuns de churrasco quanto para grandes homens públicos.
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