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Por Diego Vieira, publicado pelo Instituto Liberal

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Os meios de comunicação brasileiros frequentemente apresentam matérias ou debates sobre a chamada “guerra fiscal”. Será que ela é boa ou ruim?

Sendo objetivo, e de um ponto de vista puramente teórico e federativo, não. A guerra fiscal nada mais é que a competição entre os entes subnacionais pelos tributos, oferecendo melhores serviços e/ou menores alíquotas. É a hipótese descrita no paper de Charles M. TieboutA pure theory of local expenditures” (1956)¹.

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Tiebout argumenta que a melhor forma de alocação da oferta de bens públicos e alíquotas de tributos se dá através de um arranjo em que os governos locais possam competir entre si. Dessa forma, os residentes poderiam trocar de municípios caso o governo local não atendesse seus anseios ou caso a relação custo versus benefício de residir naquela localidade não mais compensasse. Isso de acordo com suas próprias preferências.

Embora o argumento seja mais adequado para os governos locais, ou seja, municipalidades, ele pode ser aplicado para governos estaduais, se você levar em consideração questões como saúde pública e educação pública². Inclusive, pelo argumento de Tiebout, os moradores dos governos locais – ou no caso em que estou colocando os habitantes dos Estados – poderiam decidir, através da escolha dos seus representantes, se iriam oferecer saúde e educação públicas ou não.

Uma objeção frequentemente colocada pelos analistas é a hipótese do “race to the bottom”. Segundo essa hipótese, uma competição entre os Estados geraria uma busca desenfreada pela queda das alíquotas, gerando queda de receita, endividamento e um total colapso fiscal. Entretanto tal hipótese não se sustenta, vide o sistema Americano.

Mas e no caso brasileiro, quais os problemas?

O problema no Brasil é que o arranjo tributário, especialmente a alíquota interestadual do ICMS, permite que os Estados concedam benefícios “às custas” de outros Estados.

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Eis um exemplo importante: Imagine um Estado A no qual somente operem uma indústria e uma exportadora. Teoricamente o Estado A não arrecada nada, pois o imposto devido na saída da indústria é neutralizado pelo crédito da exportadora, a qual possui imunidade com manutenção de crédito.

Acontece que um outro Estado B, pode conceder um benefício e atrair a indústria, passando a arrecadar a alíquota interestadual, enquanto o Estado A passa a incorrer somente nos custos dos créditos mantidos pela exportadora, assumindo que haveria pagamento dos créditos não utilizados. Claro que nesse exemplo estou ignorando um outro problema do arranjo brasileiro: a necessidade de que os benefícios sejam concedidos mediante aprovação de todas as Unidades Federadas, no CONFAZ.

Essa necessidade de unanimidade, além de gerar atritos, gera demandas judiciais junto ao STF. Resumo da “ópera”: 37 Ações Diretas de Inconstitucionalidade no STF tratando de “guerra fiscal”.

E qual seria a melhor solução?

Uma possibilidade é acabar com a alíquota interestadual. Kahir (2011) fez um estudo interessante sobre o tema, fazendo uma projeção do que aconteceria se essa alíquota fosse reduzida ou até eliminada. Obviamente a guerra fiscal continuaria a existir, e na minha opinião não vejo problemas em existir³, mas a possibilidade de fazer com que outro Estado assuma o custo diminuiria.

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Outra solução (minha preferida) é um federalismo mais sério, com um requerimento de orçamento equilibrado (balanced budget requirement), algo que a LRF, se cumprida, atende muito bem. Nos EUA, os Estados concedem quantos benefícios  quiserem e pronto. A discussão fica no âmbito interno e os governantes respondem ao eleitorado.

O Canadá oferece uma outra solução interessante. As províncias estabelecem acordos, sendo as transações para fora dessas zonas tratadas como exportação4.

Finalizando, a guerra fiscal não é uma coisa ruim por si própria, mas o ambiente brasileiro proporciona uma distorção da competição entre os Estados, o que gera muito mais desgastes do que deveriam existir. Um federalismo forte melhoraria (muito) essa situação.

Referências:

1 https://www.unc.edu/~fbaum/teaching/PLSC541_Fall08/tiebout_1956.pdf
2 Digo isto pois, dentre todos os serviços públicos oferecidos, talvez saúde e educação sejam os mais sujeitos ao free rider. Free rider é um problema de política pública em que um agente se beneficia de um bem sem que tenha havido contribuído para que ele existisse. Um exemplo: um município constrói um hospital e o município vizinho somente compra ambulâncias. Todo o custo de manutenção do hospital recai sobre os ombros dos moradores do município original, enquanto os moradores do município vizinho possuem um custo bem menor.
3 Quero fazer um adendo: embora eu não seja contra a guerra fiscal, nos moldes que desenhei acima, isso não significa que eu concorde com todos os benefícios fiscais concedidos pelos Estados. Pelo contrário, vários deles são extremamente desnecessários e não provaram, até o presente momento, trazer nenhum benefício real à população. Benefícios pontuais e específicos, em especial os do tipo empréstimo concedido via fundos de desenvolvimento, além da falta de transparência em suas concessões, acabam por limitar a competição e selecionar “campeões” da economia.
4 Para os interessados, sugiro a leitura de “VAT lessons from Canada” (http://www.taxanalysts.com/www/freefiles.nsf/Files/SULLIVAN-22.pdf/$file/SULLIVAN-22.pdf)

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