Por Jocinei Godoy, publicado pelo Instituto Liberal
De vez em quando parece que a democracia brasileira nos prega algumas peças e acabamos por desacreditar desta forma de governo como a melhor saída para condução da coisa pública. Uma parte da nossa nação tem estado mais atenta às questões que tocam a vida política, bem como os recentes acontecimentos que vão desde as eleições de outubro do ano passado até a eleição para a presidência das duas casas do Congresso Nacional.
Para contextualizar esses acontecimentos relativos à nossa democracia, vejamos um breve panorama desta forma de governo.
Como se sabe a democracia é a forma de governo exercida pelo povo através de seus representantes eleitos. Sua origem provém dos termos gregos: demos e kratos (distrito/povo e poder/governo). Em oposição a formas anteriores de governo como a monarquia (governo de um), a oligarquia (poucos sobre muitos) e a aristocracia (os nobres ou poucos melhores sobre o restante), a democracia se apresenta como uma saída mais justa e coesa quanto ao exercício do poder na pólis (termo grego para cidade-estado).
Em suma, na democracia brasileira sob o regime de República Constitucional Federativa Presidencialista temos a eleição direta dos representantes do povo nas esferas executiva e legislativa. A ideia é que estes representantes sejam o elo entre o povo e as decisões políticas que, no final das contas, afetam a própria vida comum da nação. Como diz o doutor em filosofia e cientista político americano, David Koyzis, enquanto estrutura, a “democracia consiste numa série de arranjos institucionais que incorporam a participação regular dos cidadãos no governo”.
Isso demonstra que, independente de aspectos étnicos ou de estratificação social, qualquer cidadão pode participar ativamente da escolha de seus representantes via sufrágio universal. Ainda sobre a democracia, o escritor americano Reinhold Niebuhr disse: “a capacidade humana de fazer justiça torna a democracia possível; porém, a inclinação humana para a injustiça torna a democracia necessária”.
A democracia é uma boa prova de que a humanidade, por conta de sua perversidade natural, não pode confiar o poder de uma nação a uma pessoa apenas. A diversidade humana e sua capacidade para cometer ações egoístas requer um sistema com freios e contrapesos entre os poderes constituídos. Para tanto, o poder de elaborar as leis (legislativo), o poder de executá-las (executivo) e o poder de julgar e punir as infrações cometidas (judiciário) deve ser exercido de forma autônoma e independente por pessoas ou instituições em separado.
Este breve panorama sobre a democracia nos ajuda a compreender, em particular, a celeuma protagonizada pelos senadores na última votação para Presidente do Senado Federal. Tanto na Câmara como no Senado há anos algumas figuras e partidos políticos atuam como sanguessugas oligárquicas, cuja visível intenção primeira configura-se na perpetuação do poder. Dentre tantas, uma dessas figuras caricatas é Renan Calheiros do PMDB (AL). Em meio a conluios e estratagemas políticos, Renan tentava, pela quinta vez, a posição de presidente do Senado – o atual MDB (antes PMDB) esteve na presidência do Senado desde o ano 2001.
Mas, antes dessa conturbada votação destaco alguns fatos importantes que remetem ao tema da nossa jovem democracia. Um deles se refere ao principio da transparência nos atos públicos relativos ao governo, estabelecido pela Constituição. A votação aberta para a presidência do Senado é um destes atos públicos, cuja transparência foi requerida via mandado de segurança aceito pelo Ministro do STF Marco Aurélio. A votação prosseguiria de forma aberta até que um grupelho de senadores fizesse a maior algazarra para que a votação fosse feita de forma secreta. Chegou-se até a fazer uma votação sobre a proposta de votação aberta. O plenário optou, então, por 50 votos a 2, por prosseguir com a votação aberta.
A confusão pegou mais fogo ainda diante desse resultado até que, na madrugada de sábado, o Presidente do STF, Dias Toffoli, anulou essa votação presidida pelo Senador Davi Alcolumbre, além de determinar a substituição da condução da votação pelo Senador José Maranhão. Alcolumbre chegou a dizer que, caso a votação permanecesse secreta, a população deveria se insurgir contra essa falta de transparência.
Este tumultuado enredo da política brasileira nos dá a impressão de que nossa frágil democracia tem sido golpeada por todos os lados. Na Grécia Antiga, o surgimento da democracia se deu, dentre outros fatores, para evitar possíveis tiranias e para encurtar a distância de tomada de decisão pelo governo e o seu povo. Aquilo que antes era uma decisão centralizada, distante e fora da realidade dos demos (distritos), tornou-se uma decisão descentralizada através dos representantes eleitos de cada distrito que, por conta da proximidade, agiam conscientes das verdadeiras demandas do povo.
Mesmo tendo os nossos representantes eleitos democraticamente, tem-se a impressão de que a vox populi, ou seja, o clamor popular, não tem sido atendido ou, muito pior, sequer tem sido ouvido. Nesta trilha, o escritor, cientista político e agora Deputado Federal Luiz Philippe, em seu livro “Por que o Brasil é um país atrasado?” observa que em nosso país há ainda (a esperança é que isso chegue logo ao fim) uma nefasta cultura de oligarquias político-econômicas que age em benefício próprio como se o povo não existisse.
Embora o Brasil adote um regime político democrático, parecia impossível transpor essa barreira de poderosos caciques políticos que se locupletavam do erário público há décadas. Contudo, essa trupe não contava com um poderoso fator que, nos últimos anos, vem fazendo a diferença para uma renovação política nos poderes legislativo, judiciário e executivo, qual seja: a internet e as redes sociais. Com o advento da internet e das redes sociais, o clamor popular foi potencializado e as consequências desse clamor têm chegado aos corredores e gabinetes do governo.
Antes, a exemplo de ditaduras sangrentas como o stalinismo e o nazismo, os meios de comunicação eram fortemente explorados pelos ditadores, a fim de que seus planos fossem apresentados como propagandas políticas. Naqueles tempos, o controle da informação era restrito apenas às grandes autoridades políticas em conchavo com os grandes empresários da comunicação (quando estes não eram dominados por aqueles). Com o avanço da tecnologia e, consequentemente, com a chegada das redes sociais, dois fatores vieram à tona: 1) a visibilidade das ações públicas, em especial, das mancomunações políticas feitas nos cantos escuros da corrupção; 2) a alta capacidade de mobilização social para ir à luta contra essas mancomunações.
Não por acaso, uma parte da população mais ativa e cansada dos desmandos do governo vem se mobilizando sistematicamente desde os protestos de 2013, passando pelo impeachment da ex-presidente Dilma, apoios sistemáticos à operação Lava-Jato até o acompanhamento mais de perto do debate político brasileiro atual. O sucesso de tudo isso só foi possível graças à disseminação de informações e à mobilização em tempo real proporcionada pelas redes sociais acessíveis a ricos e pobres.
Até pouco tempo, petições e abaixo-assinados de origem popular tinham grande dificuldade de circulação e coleta de assinaturas. Hoje em dia, através da internet, é possível coletar um milhão de assinaturas em um curto espaço de tempo. Prova disso é a petição pública que exige a votação aberta para a presidência do Congresso (Câmara e Senado). Até o momento da redação deste texto, a petição encontra-se com quase 900.000 assinaturas. Não é de duvidar que a renúncia de Renan à disputa pela presidência, ao deixar o plenário do Senado, tenha sido motivada por conta do alto apelo popular contra a sua reeleição, fato este disseminado amplamente nas redes sociais.
Há muita coisa ainda para ser mudada e melhorada em nosso cenário político. Entretanto, parece que a bruxa da velha política brasileira não tem tido vida fácil nestes últimos tempos. O espírito que possibilitou a chegada da democracia na Grécia Antiga, isto é, a descentralização do poder e a proximidade aos anseios do povo, deve nortear a nossa forma de fazer política.
A despeito de decisões arbitrárias do poder Judiciário, como a do Ministro Dias Toffoli, espera-se que, com a maior renovação do Congresso desde a redemocratização, a bruxa da velha política seja, no mínimo, afastada de suas funções maquiavélicas por um bom tempo. Talvez isso seja ingenuidade política. Que seja! Não custa nada sonhar com dias melhores para a nossa nação. Por hora pode-se dizer que o povo, além de ir para as ruas, tem feito uso efetivo do megafone das redes sociais para que a sua voz seja ouvida. Isso pode ser um bom indicador de que a nossa democracia vai bem, obrigado.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS