Muitos bolsonaristas, diante da aparente incompetência do presidente em articular com o Congresso para aprovar as reformas, alegam que o foco da imprensa é injusto, pois poupa os deputados e senadores de qualquer responsabilidade no cartório. Há um ponto aqui. Particularmente creio ser possível criticar as duas coisas: a postura do presidente e a do Congresso. Em seu editorial da hoje, a Gazeta do Povo cobrou do Congresso maior responsabilidade, sem isentar o presidente de culpa pelo desgaste:
A esse pacote de facilidades, somam-se ainda outras sinalizações preocupantes do Congresso. Como forma de demonstrar força perante o governo, interlocutores do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), têm feito um pente-fino para encontrar projetos que possam enfraquecer o governo, como é o caso do projeto que diminui o poder do presidente de editar Medidas Provisórias e o que obrigaria o governo a explicar formalmente qualquer decisão de contingenciamento de despesas. Alguns desses projetos são verdadeiras pautas-bombas, como o que regulamenta o repasse de recursos da União para os estados como forma de compensar as perdas decorrentes da Lei Kandir, que desonerou exportações. Pelo texto atual, a União seria obrigada a repassar R$ 39 bilhões aos estados, montante suficiente para fazer estourar o teto de gastos.
Por enquanto, Rodrigo Maia tem dito que não pautará nada que ponha ainda mais em risco a saúde fiscal do país, já na UTI, mas o Congresso dá sinais de pouca responsabilidade diante dos tropeços do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em desenhar uma estratégia de diálogo com os parlamentares. Se o Executivo tem falhado em coordenar os esforços pela reforma da previdência e em estabelecer um diálogo produtivo com o Legislativo, não é menos verdade que o Congresso em nada ajuda nesse processo – principalmente na imagem que mostra para a opinião pública – ao aprovar autoanistias inexplicáveis e ameaçar o governo com pautas-bombas. O tamanho do desafio diante do Brasil exige responsabilidade e moderação de todos os atores políticos. Não há espaço, nem tempo, para pacotes de bondades ou de maldades.
Julgo essa análise a mais acertada. Sim, o Congresso age de maneira suspeita e acaba perdendo credibilidade com razão. Por outro lado, Bolsonaro, alimentado por uma mentalidade revolucionária presente em parte de sua base, adota discurso purista que praticamente criminaliza toda a política, e isso acaba inviabilizando um bom relacionamento com o Congresso.
Alguns acham que isso é uma excelente estratégia, pois colocaria enorme pressão contra os deputados e permitiria a aprovação das reformas sem a necessidade de corrupção ou toma-lá-dá-cá. Se for mesmo só uma estratégia, trata-se de uma muito arriscada e perigosa. Mas há o receio de que não seja apenas isso. É o ponto de Carlos Andreazza, que escreve sobre a mentalidade bolsonarista hoje:
Que não nos iludamos. É a mentalidade revolucionária a que dirige Bolsonaro; aquela apregoada pela ala que se nomeia antiestablishment, o grupo dos filhos Carlos e Eduardo, e que tem Filipe Martins, o intelectual do novo regime, dentro do Planalto. Segundo o próprio Martins, seria essa a única ala capaz de garantir e nortear a pressão popular sem a qual agenda alguma do governo prosperará. Inclusive a de Guedes. A reforma liberal, portanto, dependente da revolução reacionária.
Trato aqui de um processo revolucionário que se quer plantar como permanente — e cuja estratégia de enraizamento obedece ao seguinte infinito: depois de haver vencido o establishment na eleição, o bolsonarismo ora enfrenta, desde dentro do governo, a batalha por novamente vencer o mesmo establishment, desta vez em sua facção aparelhada na máquina pública, guerra de guerrilha cujo êxito dependerá de aplicação ininterrupta.
[…]
Foi a ala antiestablishment o centro difusor dos ataques à necessidade de o governo dialogar com o Parlamento e articular politicamente em benefício da reforma da Previdência. O conceito é objetivo — está na convenção da fábrica de algozes: não se conversa com bandido, o qual deve ser submetido. Ou o Congresso, espécie de sindicato do crime, casa de traidores da pátria, poder intermediário a ser esmagado, aprova o que deseja Bolsonaro ou se acertará com a única força legítima para além do presidente: a pressão popular.
Crer que desse modus operandi estabelecido se possa extrair alguma paz institucional duradoura será negar a natureza da mentalidade que preside o país. A regra é o choque. Que estimemos, pois, as possibilidades de um pacote reformista estrutural numa estrada cuja pavimentação é a rachadura.
Andreazza é editor do livro bestseller de Olavo de Carvalho, e daí se entende a situação delicada em apontar para o “pai” do monstro. Mas para bom entendedor uma expressão basta. Não só o aluno do “guru” é mencionado diretamente, como a meta de “esmagar os poderes intermediários” foi citada, remetendo sem rodeios à fala recente de Olavo.
Não nos enganemos: Filipe G. Martins não é o intelectual dessa ala do governo; é o aprendiz, ou então o despachante do verdadeiro intelectual por trás do troço. E este é mesmo Olavo, que vem detonando os militares de forma insistente, e depois apela para a dissimulação para fingir que não controla ou influencia qualquer funcionário do governo, falando apenas por si mesmo.
Na típica tática dialética, banca o desinteressado ao mesmo tempo em que destila megalomania, chegando a afirmar que os militares só estão no poder hoje graças a ele: “Se não fosse o meu trabalho, vocês não estariam no governo, vocês ministros militares todos. Fui eu que abri espaço para vocês. Eu entendo de guerra cultural. Eu empreendi e eu ganhei. Graças a isso vocês estão aí. O que eu ganhei com isso? Não ganhei nada, só a satisfação de ter feito”.
Uma pessoa desatenta poderia confundir isso com um surto de grandeza, mas há método: Olavo, assim, desperta em seus seguidores mais fanáticos a reverência que gurus costumam exercer em seitas. “Nossa, como o mestre é desapegado e poderoso ao mesmo tempo”, pensam os mais bobinhos. Olavo se afasta dos seus alunos no poder e do governo, ao mesmo tempo em que segue testando ao limite seu poder de influência sobre o governo, nessa batalha insana contra os militares que Bolsonaro escolheu como ministros.
E o pior: o presidente não diz nada! Leva o próprio Filipe Martins em viagem a Israel enquanto seus filhos elogiam Olavo, e não sai em defesa daqueles que ele mesmo apontou para cargos relevantes e de confiança. Que tipo de mensagem isso pode passar? Vera Magalhães fez uma análise perfeita da situação em uma série de tweets:
Vendo a incontinência verbal de Olavo de Carvalho dirigida ao ministro e general Carlos Alberto Santos Cruz, sem nenhum nexo, me lembro que um dos pupilos do guru, Filipe Martins, acusou a mídia de querer opor setores do governo à tal ala anti-establishment. Filipe Martins trabalha no Palácio do Planalto ao lado de Santos Cruz, que sabe que é um homem sério e leal ao presidente. Nem ele nem Bolsonaro vêm a público defender o ministro da Secretaria de Governo. Quem então está opondo as alas do governo? Ao não admoestar Olavo por expor o ministro à metralhadora de palavrões e desatinos, a tal ala anti-establishment mostra que todos (até os militares) podem ser alvo da máquina de moer reputações do bolsonarismo radical. Que mensagem isso passa aos ministros? E às instituições?
A mensagem está clara: é guerra constante, ataque permanente, clima de revolução. É assim – e só assim – que essa turma sabe agir, como se em eterna campanha, e não governo. Há, sem dúvida, uma forte pitada de fascismo nisso. Esmagar os poderes intermediários é um objetivo que Mussolini adoraria. E quem faria isso? Como? Ora, o líder que é “amado” pelo “povo”:
O problema, claro, é que o próprio presidente parece endossar essa postura, o que é a maior ameaça, hoje, para a agenda de reformas de Paulo Guedes. Se Bolsonaro embarcar mesmo nessa narrativa de que é amado pelo povo e que pode – deve – colocar o Congresso de joelhos, o Brasil estará perdido, ou ao menos seu governo. Se Bolsonaro escutar demais Olavo de Carvalho, Paulo Guedes poderá desistir do casamento forçado entre liberais e reacionários, e o presidente corre o risco de não terminar seu mandato.
Talvez seja a meta do “guru” dessa direita nacional-populista e jacobina: um eventual impeachment de Bolsonaro seria um presente dos deuses – ou dos deputados – para os revolucionários que insistem num discurso de que nenhuma instituição presta, de que tudo está corrompido, e de que todo o establishment precisa vir abaixo, para que uma “nova era” tenha começo. Essa gente joga com o caos, enquanto o povo – o verdadeiro povo brasileiro – tem pressa, precisa de empregos.
Cada dia fica mais claro o dilema que muitos anteciparam lá atrás: ou Bolsonaro abandona de vez sua ala jacobina, que ele parece no fundo admirar mais do que qualquer outra, ou seu governo será engolido por ela, paralisando a agenda reformista e ameaçando sua própria sobrevivência política. Dar uma “prensa” no Congresso é sempre saudável, não resta dúvida, e seria mais eficaz num modelo de voto distrital.
Mas o que a turma olavista parece desejar é algo bem diferente: é um ambiente caótico e revolucionário em que o “grande líder”, “amado” pelo “povo”, incorpora a “vontade geral” e “esmaga” os “poderes intermediários”. Se isso soa como fascismo, é porque parece mesmo!
Rodrigo Constantino
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