Por Hiago Rebello, publicado pelo Instituto Liberal
Ano da Graça de 2016: 25 de Dezembro, o segundo milésimo décimo sexto Natal da humanidade. Criado como parte de um rito cristão, em uma tentativa (bem sucedida, aliás) de cristianizar o tempo, o calendário Juliano (o nosso calendário nem Juliano é mais, mas sim Gregoriano, do Papa Gregório XIII) foi recheado de festas, dias santos e meses que poderiam ser usados, e de fato o foram, para catequizar os hábitos, os povos, a cultura europeia.
De todos os dias santos, entre todas as festas e eventos, a Páscoa e o Natal se tornam centrais para o cristianismo. O calendário, enfim, é cristocêntrico, não em forma, mas em intensidade. As festas que comemoram o nascimento e a Paixão de Jesus Cristo, assim como sua morte e ressureição dos mortos, são as mais marcantes, as que mais pedem união e confraternização familiar em nome de Jesus, de seu nascimento, de seu sacrifício.
Com isso, há um rito circular, que se repete todos os anos, pautando a vida, rotina e o cotidiano das pessoas. Símbolos para tais festas, hábitos específicos nessas épocas, formam um amálgama que identifica, concretiza e ambienta as comemorações.
Tratando mais especificamente do Natal, ele marca a passagem dos anos, anuncia o chegar do fim do ano e, também, se atém a um clima festivo, espirituoso e religioso que envolve os entes queridos. O Natal, como nascimento de Jesus Cristo, é uma festa que necessariamente promove o amor, o entendimento mútuo e um tempo para repensarmos nossas vidas, ações e personalidades perante a festa de Jesus Cristo.
Em um mundo sem religião – ao menos no mundo onde ela é, repetidamente, vilipendiada na vida pública –, uma das essências natalinas se conserva, que é a reunião familiar, ou com os amigos, o espírito caridoso, conciliador e de felicidade. A comida, os presentes para quem se ama, também entram como consequências desse espírito genuinamente cristão, ainda que seja praticado por não-cristãos – as decorações, o brilho, a beleza e a música seguem a mesma regra.
Por fim, o Natal, além de suas virtudes já conhecidas, nos dá sentidos, parâmetros temporais e sacros para nos guiarmos no decorrer dos meses. Ao menos assim é para algumas pessoas.
Aqueles que consideram apenas uma época sem sacralidade – pois acham a fraternidade e amor natalinos algo hipócrita, logo, inútil – e reservada apenas para a comida e a bebida que as mães e avós fazem, no fim, colocam as características essenciais de lado e jogam fora o legado cristão do evento. Materializar o Natal é deixar de comemora-lo, é, no fundo, se tornar um hipócrita que tanto se critica: aquele que é bonzinho no dia 25 e se torna um demônio no dia 26.
A hipocrisia de desconsiderar o Natal, perdendo seu espírito, é justamente justificar essa perda pela hipocrisia alheia. Se o Natal é apenas uma época para “comer muito”, “ganhar presentes”, então é um período puramente interesseiro e o sujeito que o desconsidera por isso acaba, hipocritamente, entrando no mesmo buraco que reclama de existir.
As consequências da perda do espírito natalino não são nada agradáveis. Sem o espírito, o “clima” de Natal morre. Seria um dia como qualquer outro, com a diferença da promessa de boa comilança e presentes… Nada que um dia de compras no Shopping não faça igual. Há ainda outra perda: a falta de noção temporal, por conta da anulação de um rito cíclico.
Se as festas natalinas são nulas em valor, então o tempo se torna homogêneo, sem singularidades, ou virtudes. Tudo fica, no sentimento, estagnado, abandonado e deixado de lado. As coisas, com isso, perdem o propósito. Se o Natal é um dia qualquer, então aquilo que ele demanda para ser especial também é algo vago, ordinário. Espírito religioso, familiar? Tudo perde seu cerne sagrado.
No fim, aqueles que perdem seu espírito natalino, também perdem uma parte de sua humanidade, sua característica sagrada e bela. São sujeitos que ferem a si próprios, condenando-se a um vazio de fim de ano que culmina, enfim, a um esvaziamento do ano, de suas particularidades e o que o faz especial.
Aplique a crítica ao Natal aos aniversários, ao Ano Novo, a Páscoa, as Festas Juninas, ao Carnaval… E terá um homem opaco, sem significado e com sua temporalidade paralisada, resignado ao vazio de seu próprio e mísero eu.
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