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Cuidado com o fervor revolucionário: instituições capengas ainda podem ser um mal menor

A greve dos caminhoneiros suscitou uma espécie de racha na direita, separando de um lado aqueles conservadores burkeanos e liberais clássicos reformistas, que temem rupturas drásticas, e do outro os mais revolucionários, que já jogaram a toalha quando o assunto é mudar o Brasil por meio do próprio sistema carcomido que temos hoje. As discussões seguem acaloradas, farpas foram trocadas nas redes sociais e, num círculo minoritário, um bom debate surgiu.

Li alguns textos de quem tenta argumentar em prol de um caminho mais radical. Claro que apontam argumentos razoáveis. Mostram, por exemplo, como nossas instituições estão dominadas, a começar pelo próprio STF, que deveria ser o guardião da Constituição e mais parece um puxadinho de advogados dos corruptos, ou o Congresso, tomado por “300 picaretas”. Diante desse quadro, adotam a máxima do Tiririca: “pior que está, não fica”.

Mas será que não? O intuito desse texto é provocar a seguinte reflexão: muitos se tornam revolucionários ou radicais por conta do que os economistas chamam de “falácia do Nirvana”. Eles pegam uma realidade imperfeita, bem ruim até, e a comparam com uma alternativa idealizada, abstrata. Como o Brasil está mergulhado numa enorme crise geral, econômica, política, institucional e moral, qualquer alternativa parece sedutora. Volta do regime militar? Lindo! Revolução contra esse sistema opressor? Vamos nessa!

Poucas vezes, porém, o raciocínio sai dessa primeira fase para uma ponderação mais realista e honesta dos riscos envolvidos em tais atos. Tenho leitores, por exemplo, romantizando a vida durante o regime militar, e alguns mais raivosos querendo censurar a imprensa, já que ela é toda esquerdista mesmo, cúmplice dos políticos que nos ferraram. A própria democracia, extremamente falha, virou alvo predileto de muitos, culpada pela desgraça que se espalhou pelo país.

É preciso ter mais cuidado nessa análise. Não só a vida não era uma maravilha antes, como o legado dos militares não foi positivo – especialmente na área econômica, como Roberto Ellery já demonstrou no Instituto Liberal. A boa herança dos militares foi ter impedido o comunismo no Brasil, mas isso em 1964. Ficaram no poder até 1985…

O ressentimento para com o presente, destroçado pela esquerda, tem levado alguns conservadores a flertar com o reacionarismo, que é a idealização do passado. Muitos se tornam, então, “jacobinos de direita”, pregando uma revolução “redentora”. Eles querem dar um “boot” no sistema, recomeçar do zero, criar tudo novo, resgatando esse passado fantasiado.

Só há um problema: historicamente falando, quase toda revolução terminou mal, muito mal. Na melhor das hipóteses, trocou seis por meia-dúzia, sendo a exceção isolada o caso americano, que muitos especialistas avaliam como uma “revolução” conservadora, sui generis, porque os “pais fundadores” lutavam para preservar valores e liberdades, não para fazer tábula rasa da sociedade. E se tinha os mais radicais como Paine e Jefferson, havia também os mais moderados e prudentes, como Adams e Madison.

Já a Revolução Francesa, adorada pela esquerda, causou um banho de sangue desnecessário no país, e seu legado, além do Terror, foi Napoleão. A Revolução Bolchevique, uma espécie de continuação da Francesa, também acabou muito mal, como sabemos. É muito raro sair algo bom desse tipo de movimento de massas raivosas, ressentidas e sem esperanças nas instituições democráticas. Os instintos mais primitivos tomam conta da festa. Por isso acho importante resgatar o alerta de Edmund Burke em suas Reflexões sobre a Revolução em França, a precursora desses movimentos descontrolados.

Não ignoro nem os erros, nem os defeitos do governo que foi deposto na França e nem a minha natureza nem a política me levam a fazer um inventário daquilo que é um objeto natural e justo de censura. […] Será verdadeiro, entretanto, que o governo da França estava em uma situação que não era possível fazer-se nenhuma reforma, a tal ponto que se tornou necessário destruir imediatamente todo o edifício e fazer tábua rasa do passado, pondo no seu lugar uma construção teórica nunca antes experimentada?

E aqui chegamos ao cerne da questão: o Brasil é um caso totalmente perdido? Muitos à direita têm usado o caso venezuelano para justificar seu fervor revolucionário. É um ponto a ser levado em conta. Se acreditarmos mesmo que estamos perto dessa tragédia, como não reagir, com as armas que forem? Estamos, porém, perto desse destino, mesmo após o impeachment de Dilma, o enfraquecimento do PT, a prisão de Lula e outros sinais de que os golpistas não lograram êxito? Alguém está mesmo disposto a defender a tese de que hoje corremos mais risco bolivariano do que na era petista?

Parece absurdo sustentar essa tese. Logo, isso nos leva a crer que a revolta se dá mais pelo cansaço geral, pelo desemprego, pela criminalidade, pela corrupção alastrada, e o pedido de revolução ou intervenção militar seria mais um grito de desespero inconsequente. “Cansei de tudo que está aí, me dê algo diferente, qualquer coisa, quero ordem!”, parecem berrar essas pessoas, com toda razão em sua revolta. Mas sabemos que as paixões não são bom guia para as ações, ainda mais políticas, que demandam mais frieza e razão.

O PMDB é um lixo corrupto fisiológico que foi cúmplice do projeto petista? Sabemos que sim. Também era o motivo de eu repetir, em minhas análises em palestras, que o Brasil não seria a Venezuela, apesar do risco, graças ao… PMDB. O “centrão”, se nos impede de virar um Chile, também não deseja matar a galinha dos ovos de ouro. Entendo o desejo de dar um basta e destruir essa gente, mas é preciso cuidado aqui: para colocar quem em seu lugar?

Os militares? E logo depois eles vão sair de cena e chamar eleição, ou vão ficar duas décadas no poder? Lembrem-se de que Boulos e companhia também fazem coro no “Fora Temer” e na tese de que o PMDB é o grande problema do Brasil. Se ao menos as esquerdas pudessem abrir mão de ter que governar com ele…

Talvez por perfil ideológico ou personalidade, talvez por uso da razão e conhecimento histórico, o fato é que morro de medo de uma “revolução”, pois sabemos como começa, nunca como termina. E, como disse meu amigo Alexandre Borges, o erro (ou má-fé em alguns casos) dessa turma mais jacobina é achar que quem rejeita virada de mesa é porque tem uma fé cega nas instituições, o que é claramente falso. A fé nas instituições é bem baixa; a fé na revolução é que é menor ainda. Eis o ponto que define a postura conservadora, em nossa opinião.

Ou seja, não há saída simplista, milagrosa. E ainda que seja preciso dar um basta nessa situação atual, a cautela nos impele a lembrar os mais afoitos que o basta terá de ser gradual, lento, por meio de reformas e fortalecimento das instituições, pois o risco de a coisa degringolar e sair completamente de controle pelas vias revolucionárias é enorme. Poderemos sentir saudades até mesmo do Temer e seu PMDB…

Rodrigo Constantino

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