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A direita chegou ao poder. Mas qual direita? O bolsonarismo é um fenômeno complexo, com inúmeras variáveis. Há um fator de esgotamento do lulopetismo. Há outro ligado ao discurso da segurança pública. A presença do liberal Paulo Guedes na campanha atraiu outra gama de eleitores, mais instruídos que a média. E claro, há a vertente do conservadorismo e também de um reacionarismo que se confunde com aquele.

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Por conta de ser esse saco de gatos, desde o começo tenho me esforçado para separar o joio do trigo. É fundamental, para o bem da direita brasileira no longo prazo e do próprio governo Bolsonaro, traçar uma distinção entre liberais e conservadores e essa ala mais reacionária, que parece o PT com o sinal trocado, como já disse Janaina Paschoal.

Os fanáticos autoritários, que costumam usar os mesmos métodos dos inimigos, atendem pelo carinhoso apelido de “bolsominions”. Mas outro termo, criado por uma amiga, talvez seja ainda melhor: bolsoviques. Sim, a maioria vem do marxismo, e muitos não parecem capazes de abandonar esse ranço ideológico, apesar de colocaram o marxismo cultural como maior ameaça ao mundo – com boa dose de razão.

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O que os torna tão semelhantes aos seus adversários é o método de atuação. Eles não aceitam conviver com o contraditório; partem em ataques de manada a qualquer crítico, em especial aqueles dentro da própria direita; cultuam mitos e políticos; e adotam um duplo padrão extremamente seletivo. O assassinato de reputação dos críticos está em sua cartilha também, e os tiros iniciais quase sempre vêm do núcleo duro do próprio bolsonarismo.

Um sujeito com cargo no governo, por exemplo, pediu publicamente a cabeça do editor e escritor Carlos Andreazza (que, afirmo desde já, é editor dos livros que publico pela Record). Outro, por trás de um perfil falso, chegou a ameaçar a filha do escritor. Andreazza desabafou: “Não serei permissivo com quem age para assassinar reputações e difamar, de maneira concertada, aqueles, sobretudo jornalistas, que não aderem ao novo regime. Isto tem comando, cadeia. É milícia. Sei exatamente quem é quem e como funciona. Prosperam sobre a covardia”.

Paulo Cruz, colunista da Gazeta do Povo e um dos grandes intelectuais do Brasil, já foi alvo da horda também, assim como Alexandre Borges e tantos outros. Quem atua mais nos bastidores dos movimentos de direita conhece o modus operandi dessa gente. Por muito tempo, vários acharam melhor manter o silêncio: a alternativa era pior, o risco de volta do PT, o que seria a destruição total do país. Mas agora Bolsonaro é governo, a direita está no poder, e adotar uma postura de independência que trace uma clara linha divisória entre pensadores sérios e militantes fanáticos se torna questão de sobrevivência da própria direita no futuro.

Um episódio divisor de águas foi o ataque virulento e até criminoso de Olavo de Carvalho contra o vice-presidente Hamilton Mourão. Não vem ao caso se Mourão merecia ou não críticas: acho que merecia e as fiz, pois ele andou seduzido pelos holofotes e afagos da imprensa. Mas Olavo foi muito além, e acusou o general de conspirar um golpe contra Bolsonaro, hospitalizado. Trata-se de denúncia gravíssima, sem qualquer prova concreta. Não importa: os bolsoviques fecharam com o “guru” e endossaram os ataques pérfidos e levianos.

Se tudo isso não passasse de “treta” das redes sociais, nem sequer mereceria um artigo. O problema é que essa turma faz parte do governo, e contribui para manchar a reputação da direita ao abraçar uma política de guerra total, em que todo aquele que discordar uma vírgula merece ser eliminado do mapa. Não só prejudica a imagem da direita, como atrapalha o próprio governo e o andamento das reformas estruturais lideradas pela equipe de Paulo Guedes.

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Ninguém menos que um dos filhos do presidente faz parte desse time. Eduardo Bolsonaro colou em Steve Bannon, um populista nacionalista que nem Trump quis manter em seu governo. Bannon é da direita “alternativa”, tribal, que se alimenta politicamente dos grupos extremistas do outro lado. Sem Antifa ou Black Lives Matter não haveria “o movimento” lançado por Bannon. Seus adeptos se enxergam como templários numa cruzada para salvar a civilização ocidental, mas não passam de coletivistas autoritários dispostos a meios condenáveis para chegar e ficar no poder.

Segundo O Antagonista, Eduardo já estaria até pensando em criar um partido novo, sob influência de Bannon. Faz todo o sentido dentro da lógica de poder deles: dobrar a aposta na narrativa revolucionária jacobina, contra tudo e todos que estão aí – inclusive o PSL, que teria “se corrompido”. Como o universo dos incorruptíveis é nulo, todos se tornam alvos em potencial desse grupo “purista” (e hipócrita), assim como foi com os seguidores fanáticos de Robespierre, ele mesmo vítima da turba que ajudou a criar.

Sempre que um liberal ou conservador de boa estirpe critica uma postura condenável desse pessoal, vem a manada bovina ou xingar de “esquerdista”, ou lembrar que há outro inimigo muito pior. Sim, ninguém nega que a esquerda radical seja a maior ameaça ao Brasil. Mas são os bolsoviques que estão no poder agora. E passar panos quentes sempre que um deles falar ou fizer uma barbaridade qualquer é o caminho mais seguro para implodir de vez não só a direita, mas nossas liberdades.

Nos bastidores da direita há muita gente cansada dessas táticas de guerrilha virtual dos bolsoviques, mas poucos têm a coragem de se manifestar publicamente. Entende-se: não é agradável ter uma legião ensandecida te perseguindo, difamando ou mesmo ameaçando, sem falar que agora esses loucos estão no poder. Mas essa é uma briga importante de se comprar. Não lutamos contra o PT para abaixar a cabeça para reacionários fanáticos. A luta é contra toda forma de coletivismo e autoritarismo. Não importa se vem da esquerda ou da “direita”.

Artigo originalmente publicado pela Gazeta do Povo impressa

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