“Nós, conservadores, somos chatos. Mas também estamos certos”. – Roger Scruton
Os liberais clássicos e os conservadores de boa estirpe, aqueles que compõem a tal direita democrática, são vistos como chatos, ranzinzas por muita gente. Eu mesmo já começo alguns textos pedindo desculpas por ser o estraga-prazeres. É que a turma está lá, celebrando coisas com base nas emoções, e vou eu tentar colocar um pouco de razão. Aí já viu: a maioria se irrita, pois preferiria continuar na ilusão, nas doces fantasias. Por que alguém sempre tem de lembrar que 2 + 2 = 4?
No caso dos jogos olímpicos foi a mesma coisa: muitos comemorando a boa festa de abertura, apesar do tema ideológico e do pobrismo escancarado, e depois mergulhados nas disputas emocionantes. É mesmo um evento grandioso, e o clima deve estar fantástico no Rio. Ao menos para os que estão participando. Pois – e lá vem o chato – há aqueles que nem deveriam sair de casa, segundo o prefeito. Aí dá no mesmo estar na “cidade maravilhosa” ou na pacata Weston, vamos combinar.
Eis o papel do chato na festa: lembrar que aquela euforia por conta da bebedeira se transformará em ressaca no dia seguinte. Mas poucos bêbados querem saber disso. Eles querem ser deixados em paz com suas fantasias. Sorry, it’s not gonna happen. E nem serei eu o ranzinza agora. Tenho ajuda.
Falo de Carlos Andreazza, meu editor na Record, colunista do GLOBO, que escreveu hoje sobre essa “cultura do feriado” e do “day-after”, quando teremos de pagar a conta pelo “legado” dos jogos. Diz ele, após desnudar os “heróis-derretidos”, o trio em boa parte responsável pela festa, Lula, Sergio Cabral e Eike Batista:
Que clima olímpico — que espírito pacificado — querem de nós, se o Rio de Janeiro, mais sitiado que nunca, está armado para uma guerra? Não há legado que legitime um estado de exceção. Ou será errado dar nome às coisas?
Penso também na indecência em que consiste este recurso de decretar feriados. Era como fazíamos nas brincadeiras de moleque, diante de um aperto, ao gritar “altos!” — e ainda lá, na farra infantil, algo de imoral havia naquilo. “Altos” é ao que nos obriga o prefeito — para disfarçar o caos, para camuflar a incompetência, a falta de planejamento. O país está quebrado, parado. A cidade, a poucos meses de se enxergar traída, vendida. Mas, ainda assim, os governantes decidem enfrentar a impossibilidade urbana multiplicando feriados.
É quase tudo que a cultura estatista pode oferecer. O resto está no chororô de se declarar falido para esmolar mais dinheiro público. É a melhor síntese da onipresença do governo entre nós: enfezou, faltou, imprimam-se reais, aumentem-se os impostos. Complicou, embolou, meta-se um canetaço e determinado estará que o cidadão não pode trabalhar, que as empresas não podem produzir.
Curiosamente, no entanto, a galera vibra nas arquibancadas. É como se o menino das argolas, a própria personificação da certeza, a definição exata de estabilidade, caísse, falhasse — e a torcida nacional comemorasse o tombo como um gol do Pelé. Claro. Um novo feriado é inveja no coração do brasileiro de outras partes e medalha de ouro no peito do carioca, quando a festa do esporte vira carnaval, micareta. Não importa se for também evidente programa de aceleração do desemprego. Depois a gente vê.
Sim, depois a gente vê. E não é sempre assim na terra da malandragem? Eis justamente o tema do meu novo livro, Brasileiro é Otário? – O alto custo da nossa malandragem, que foi editado com muito talento por Andreazza. Gostamos do improviso, rejeitamos esses chatos organizados que pensam no futuro, somos cigarras felizes dando um “jeitinho” para sobreviver cantando até amanhã. Não gostamos de contas, de fatos, da dura realidade. Preferimos as emoções do “aqui e agora”. E depois a gente vê…
E vê mesmo! Vê, por exemplo, os bandidos dominando a cidade. Vê pobres morrendo nos hospitais públicos como moscas. Vê, ainda, os alunos sendo deformados por doutrinação ideológica e ficando na rabeira dos rankings internacionais. Vê os impostos aumentando e a inflação nas alturas. Vê também o trânsito caótico e mortes, muitas mortes nas estradas. Enfim, vê o caos que resta depois da fantasia.
Brasileiro não sabe analisar o custo de oportunidade das coisas. É um espanto! Quando debatem sobre o legado da Olimpíada, por exemplo, mencionam o metrô, o VLT, o Porto Maravilha, as arenas, mas nunca questionam o básico: quanto custou isso e como estaria o estado se os recursos escassos fossem utilizados em outras áreas, talvez mais prioritárias? Custo de oportunidade é aquilo que deixamos de fazer para realizar algo. O custo de oportunidade de estar casado, por exemplo, é “não pegar todas as mina”, como diria um paulista.
Não quer dizer que não compense. Mas a análise deve ser feita de forma séria, realista. Não basta olhar para as vantagens do que se está julgando; é preciso também olhar para as alternativas. É assim que empresários fazem o tempo todo na hora de avaliar investimentos: comparam as diferentes opções. E não basta depois alegar que o investimento deu retorno para julgá-lo como positivo; é necessário verificar se ele deu mais retorno do que daria nas alternativas abandonadas. Custo de oportunidade.
Quem fez uma tentativa de cálculo sério sobre o custo de oportunidade da Olimpíada? É verdade que nunca é algo trivial, pois não sabemos em que exatamente a montanha de recursos teria sido investida. São conjecturas. Mas qualquer análise séria terá de levar em conta isso. Ignorar esse detalhe é fazer como os nacionalistas bobocas que amam a Petrobras e justificam sua situação de estatal “porque dá lucro”. Não!
O lucro não garante que o país estaria pior sem a estatal. A pergunta de gente séria é: como estaria o Brasil sem a Petrobras estatal, com várias empresas privadas competindo nesse setor? Ninguém sério acha que estaria pior, por isso a defesa da privatização. Em outras palavras, o custo de oportunidade de se manter a Petrobras uma estatal é alto demais.
Cultura do feriado, improviso, foco no curto prazo, mais emoções do que razão e ignorância acerca do conceito de custo de oportunidade: somos ou não otários? O resultado está aí: aproveitem bem os jogos, porque depois vem a fatura. E o Rio está quebrado, literalmente quebrado.
Rodrigo Constantino