Meu primeiro texto sobre os “rolezinhos” deixou a esquerda em polvorosa. O que pegou foi um trecho em que usei o termo “inferioridade”, pecado dos pecados na era do politicamente correto, quando os inferiores chegaram ao poder. Cortaram um parágrafo e espalharam pelas redes sociais, tentando distorcer o contexto, acusando-me de “fascista”, “nazista” ou “preconceituoso”. Era esse o trecho:
Não toleram as “patricinhas” e os “mauricinhos”, a riqueza alheia, a civilização mais educada. Não aceitam conviver com as diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de reconhecer a própria inferioridade, e morrem de inveja da civilização.
Foi o suficiente para a baba de ódio escorrer do canto da boca dos pobrezinhos, ou para os mais malandros, porém pérfidos, usarem a passagem na tentativa de me atacar perante os desatentos. Vejam que logo abaixo vinha essa outra passagem, deliberadamente ocultada:
Notem que isso não depende da conta bancária ou da cor da pele! Como eu disse, vários pobres ou negros frequentam esse tipo de estabelecimento numa boa, sem problema algum, como deve ser. Por outro lado, é bem capaz de que gente da esquerda caviar, da elite intelectual ou financeira, aplauda a barbárie dos “rolezinhos” para se sentir “engajada” e fugir justamente da pecha de preconceituoso.
Mas tudo isso já foi melhor explicado aqui. Não é o foco desse texto. O que pretendo, agora, é utilizar essa reação histriônica como sintoma de uma grave doença moral da era moderna. Afinal, muita gente realmente parece pensar que a simples menção do termo “superioridade” remete ao nacional-socialismo de Hitler, um antiliberal fanático. Isso é patético, mas sintomático.
Um desses esquerdistas que me chamou de fascista nas redes sociais escreveu: “Acreditamos que não existem cidadãos superiores ou inferiores e trabalhamos para promover a liberdade e a igualdade de todos os brasileiros”. O que ele quis dizer com isso? Que Ruy Barbosa não era superior ao Delúbio Soares? Que Joaquim Nabuco não era superior ao Lula ou ao Sarney? (Esse, não custa lembrar, é visto como “homem incomum” pelo Lula)
Que igualdade é essa que a esquerda deseja? Aquela de todos perante as leis, uma bandeira liberal? Não. É a igualdade das colônias coletivistas, dos insetos gregários, nivelando por baixo, à exceção da “nomenklatura” do poder. Se todos somos iguais mesmo, sem hierarquia, e se há no mundo gente como Bin Laden, então somos todos Bin Ladens! Assim, ao menos, pensa o esquerdista. Talvez seja projeção freudiana, vai saber…
Nelson Rodrigues, que remava contra a maré vermelha da estupidez em sua época, gostava da tese de que o marco da modernidade era a descoberta, feita pelos idiotas, de que estavam em maior quantidade. Era a análise de Ortega y Gasset também. Foi o caos: os vulgares, feito crianças mimadas, começaram a exigir mais do que seu “direito” à vulgaridade; era preciso enaltecê-la como o que havia de mais sofisticado no mundo!
Quando falamos em superioridade e inferioridade, antes é preciso definir: em relação a quê? Se for moral, por exemplo, só um ser imoral pode defender a tese de que somos todos iguais, ou “apenas diferentes”. Como já disse, o papa João Paulo II ou um estuprador de crianças seriam equivalentes. Alguém da esquerda está mesmo disposto a sustentar isso?
Se for cultural, ora, somente alguém muito covarde para abraçar o multiculturalismo. Quer dizer que não há grau de hierarquia alguma entre o que o Ocidente criou até aqui e o estilo de vida dos nambiquaras? Quer dizer que entre os hábitos e costumes, estoque de conhecimento e valores dos suíços e dos aborígenes, é absurdo afirmar que há clara superioridade de um dos lados?
Por que tanto medo de atestar o óbvio? Por que esse discurso sensacionalista, mentiroso, covarde da “igualdade plena” entre indivíduos e culturas? Jamais vi alguém superior com tal discurso. Apenas gente que adoraria suspender qualquer tipo de julgamento moral ou ético, para nivelar todos por baixo. Por que será?
Podemos, agora, falar da minha própria inferioridade, para facilitar a compreensão de alguns. Do ponto de vista cultural, não resta a menor sombra de dúvida que considero muitas pessoas superiores a mim. Olho para eles, com sua vasta cultura, refinamento estético, sensibilidade apurada e estoque de conhecimento, com profunda admiração.
Quem olha para as pessoas ou culturas melhores com inveja já dá atestado da própria inferioridade. Richard Bach retratou isso muito bem em Fernão Capelo Gaivota. Aquela gaivota que se destacava no bando, pois tentava vencer os limites da própria natureza e voar mais alto, logo virou uma renegada e teve de ir embora (muitos desejam que eu me mude para Miami, só para constar). Pura inveja.
Descobriu, então, algumas outras gaivotas melhores do que ela, em um ambiente onde esse tipo de coisa não era tabu, e sim algo respeitado, natural. Ela podia, agora, aprender com essas outras gaivotas coisas que não conhecia. Podia, enfim, evoluir, algo que somente quem está aberto para a existência do conceito de melhor ou pior pode fazer.
Os igualitários adorariam uma sala de aula sem provas ou notas! Afinal, ali já fica claro que, em certa medida, há alunos melhores e piores. O filme Os Incríveis retrata bem isso quando a família poderosa precisa disfarçar seus poderes, e a mãe manda o Flecha perder de propósito a corrida, confortando-o de que todos continuam sendo especiais. O garoto retruca com um xeque-mate: “Se todos são especiais, ninguém é especial” (se tudo é arte, nada é arte).
A dolorosa verdade que choca as “almas sensíveis” da era moderna. Em busca da “autoestima”, repete-se uma falácia por aí, o tempo todo: a de que todos são especiais, ou tão bons quanto os demais. Eu não sou tão bom em futebol como o Neymar, não tenho a mesma cultura do João Pereira Coutinho (adoraria), ou o mesmo conhecimento filosófico do Pondé, não escrevo bem como meu vizinho Reinaldo Azevedo, não tenho a mesma habilidade musical do Arnaldo Cohen, enfim, tenho minhas várias limitações.
O que tento ser é o melhor daquilo que posso, e para tanto é necessário esforço contínuo, sacrifícios pessoais. Não é vendo futebol, novela e BBB o dia todo, ou dando “rolezinho” com a turma no shopping, que chegarei lá, disso estou certo. O hábito faz a virtude, como sabia Aristóteles. Escolhas precisam ser feitas.
E justamente porque há a alternativa, o livre-arbítrio, a escolha, é que podemos julgar. Fôssemos todos pré-programados, determinados pela genética, eu concordo que não faria tanto sentido julgar o mérito, analisar a superioridade ou inferioridade (ainda que isso possa ocorrer mesmo sem nosso mérito em alguns casos, na loteria da vida).
É porque existe a opção disponível para cada um de nós, de ser alguém melhor, de fazer mais, de agir de maneira correta e decente, de beber da cultura existente, que falamos em superioridade. A civilização depende da constatação desse fato. A alternativa é escolhermos a barbárie, em nome da igualdade total vendida pelos mentirosos ou covardes.
Rodrigo Constantino
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