O clima anda muito pesado, de fim de campeonato de futebol, onde ou você está totalmente a favor do seu “time”, ou é um inimigo mortal a ser eliminado. É o resultado inevitável do tribalismo, método de atuação do bolsonarismo. E as manifestações governistas, convocadas pela turma próxima de Bolsonaro e endossada pelo próprio presidente, viraram um divisor de águas: quem se mostra contra ou mesmo não demonstra muita empolgação com o ato já vira um “traidor”.
O humorista Danilo Gentili experimentou na pele a pressão da patrulha. Mas como Gentili é independente, e não costuma ceder a esse tipo de pressão ou chantagem, partiu para o ataque como mecanismo de defesa, apontando para a farsa dos perfis robôs para tentar intimidar quem ainda não se declarou favorável ao protesto.
Numa série de tweets em resposta à hashtag #chamaGentili, cobrando que o humorista convoque seu público para as manifestações, Gentili rebateu em tom cada vez mais indignado:
Queridos, tô vendo q precisam q eu chame alguma coisa. Eu até chamaria por aqui, mas melhor se eu entrar no meu perfil fake vapowaver 400seguidores pra fazer isso. Sabem como é, se eu chamar com meu rosto passarei por coisas terríveis. Temos que ter a coragem de nos preservar.
Mudei de idéia. Não preciso fazer isso. Já temos um exército de cavaleiros templários munidos de extrema sabedoria social e política e grande poder de ação e influência. Certamente não precisam que nenhum agente globalista da mídia faça isso. Eles tem muitos perfis foda pra isso!
Sendo assim a única coisa que vou chamar é vocês de filhos da puta. Vão patrulhar e intimidar a mãe de vcs na zona. É isso que vcs conseguem sendo esse monte de escroto truculento que são. Vão tomar no cu e aprendam a ser gente.
Essa militância vaporwave acha q são cocheiros. Acham que estão controlando cavalos que farão o q querem na base da chicotada. Vão ficar aí falando sozinho. Aliás, parabéns pela inteligência em querer se passar por movimento expontâneo com todo mundo usando o mesmo padrão visual.
Não se faz de desentendido não. Já percebi o padrão. Não é “o povo”. Começa com esse grupelho usando avatar vapowaver e frase templária na bio tentando manipular e intimidar com achincalhação. Primeiro os covardes se escondem atrás de fake vapowaver e agora atrás “do povo”.
E ao padronizarem os avatares com a mesma linguagem ficou mais fácil identificar que partem justamente desses avatares a intimidação e o achincalhamento para tentarem fazer os outros falarem o que querem. Ou seja, ficou claro que são sempre os mesmos e coordenados.
Qualquer um que já tenha ousado criticar de forma mais veemente algo do bolsonarismo estará familiarizado com esse modus operandi. É uma horda que vem tentar intimidar, uma turba ensandecida de chacais babões que xingam, rotulam, mentem, na tentativa de fazer o “herege” se ajoelhar diante do mito.
Fernanda Tanaka comparou essa patrulha bolsonarista àquela petista, que age de forma parecida: “Pqp, deixa o Danilo Gentili, o cara é humorista, não é burro e nem inimigo. Essa coisa toda com ele já tá parecendo a situação da Daniela Mercury forçando a Anitta a gritar ‘Ele Não’ mesmo depois dela dar todos os sinais que era contra Bolsonaro”.
Essa postura de ala do bolsonarismo é a coisa que mais afasta gente séria e independente de qualquer apoio ao governo, pois é simplesmente intragável e assustador alimentar esse tipo de gente autoritária e intransigente. O fato de que essa militância conta com o aval dos filhos do presidente é simplesmente bizarro, e mais um motivo para justificar tanto receio com esse populismo autoritário.
A verdade é que o bolsonarismo já está virando, para alguns, uma espécie de religião política, e em nada ajuda o próprio presidente compartilhar vídeo de embusteiros que o comparam a um messias de fato, ungido por Deus. Assim como tampouco esse tipo de mensagem colabora:
Está certo que o Bernardo seja um católico fervoroso, mas o ato mais importante do governo Bolsonaro?! Acho que isso pode soar um pouco exagerado para a imensa maioria, não? Ainda mais num país com 13 milhões de desempregados, um estado falido cujo rombo é crescente, cerca de 60 mil homicídios por ano etc. Mas cada um é livre para escolher suas prioridades, claro…
O problema é que muitos, como Gentili, começam a ver um tom meio profético e religioso no bolsonarismo, normalmente vindo de jovens nerds que se veem como cavalheiros templários numa batalha de vida ou morte da civilização ocidental. Eles se enxergam como os únicos corajosos – do conforto de suas casas – que vão resgatar a “alta cultura”, estimulados pelo desbocado guru Olavo de Carvalho.
Que me perdoem os mais fanáticos, mas acho que estamos no total direito de desconfiar dessa receita, não é mesmo?
Rodrigo Constantino