A “pesquisa” recente do Datafolha, que concluiu que um terço da população brasileira “culpa” a mulher pelo estupro, foi amplamente citada pela esquerda. Fiquei com preguiça de comentar. Às vezes acontece. Sou humano. Mas felizmente outros tiveram saco, e vou usar seus textos aqui, só para não deixar passar em branco no blog mais essa campanha absurda da esquerda.
Primeiro, Flavio Morgenstern, no Senso Incomum, destrinchou a baboseira, não deixando pedra sobre pedra. Diz ele:
Na frase do Datafolha, o que significa “não pode reclamar”? Que a mulher estuprada é “culpada”, como tenta fazer crer o jornal? Dá para notar que, instintivamente, o pesquisador escolheu justamente aquela frase que, no linguajar mais popular, rés-do-chão, povão mesmo, quase toda a população usa, da boca pra fora, com um sentido diferente do dicionarizado. É a diferença entre lato sensu e stricto sensu.
O Datafolha, para enaltecer o discurso feminista, tem de usar do mesmo artifício do feminismo: criticar a fala do povão, como se o que diz o seu Severino da construção e a dona Jusecreide da faxina refletisse um profundo tratado moral, uma axiologia arraigada e, mais do que tudo, um desejo de transformar palavras em letra da lei.
Como se quando a dona Jusecreide dissesse para sua filha Josefina “Não vá sair com essa roupa tão curta, depois reclama de estupro!” significasse que a dona Jusecreide acredita que sua filha não pode reclamar em caso de estupro, que a dona Jusecreide lutaria na Justiça pela inocência do estuprador da sua filha, que a dona Jusecreide tem como valor moral que sua filha foi culpada de ser estuprada, talvez até merecendo o mesmo modelo de punição muçulmana para mulheres estupradas (pela religião da paz, a mulher estuprada, se não tiver 5 testemunhas [!] a seu favor, ainda é punida com chicotadas pelo sexo fora do casamento).
Alguém acredita mesmo nessa hipótese estúpida?
Que tal uma pesquisa entre aqueles que concordam com a frase “Mulher que não faz regime não pode reclamar de ficar encalhada” e pesquisar na periferia, no sertão e nas favelas se há uma profunda “gordofobia” que “provoca arrepios” (sic) no Brasil?
Pois é: uma questão de interpretação foi usada para manipular uma “pesquisa” de forma a ela entregar os resultados esperados. E isso sem dizer que a manchete poderia ser tranquilamente outra: “Mais de 70% dos brasileiros não acham que a mulher tem culpa alguma pelo estupro, independentemente da roupa que usa”. Mas seria pedir demais, não é mesmo?
O outro texto é de Helio Schwartsman, sempre mais suave, “equilibrado”, quase isentão, fazendo até concessões indevidas ao feminismo, mas que nem por isso deixa de destacar o óbvio: é truque linguístico, é problema de interpretação. Diz ele:
O que mais chama a atenção no detalhamento da pesquisa, feita por encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é que a proporção de homens e mulheres que concordaram com a frase é idêntica. Assim, a menos que imaginemos que a tal da cultura do estupro seja abraçada com igual entusiasmo pelos dois gêneros, o que parece biologicamente implausível, devemos procurar outra explicação.
Minha hipótese é que a frase não é tão unívoca quanto se supõe. Suspeito que ao menos uma parte dos entrevistados a tenha interpretado mais como juízo probabilístico do que ético: uma mulher que se veste de forma provocante teria mais chance de ser estuprada, sem que esteja embutida aí uma condenação moral da vítima. Se não for assim, nos deparamos com o desafio, a meu ver mais difícil, de providenciar uma explicação para o fato de não haver menos mulheres do que homens sugerindo que a vítima “merece” ser estuprada. Estaríamos aqui lidando com uma cultura do estupro sem as digitais do machismo, o que é improvável.
Pois é. Pela “lógica” esquerdista, mulheres deveriam ser tão machistas como homens, para que a pesquisa fizesse sentido. Estão dispostos a bancar essa conclusão? Mas nada disso importa. O que a esquerda feminista quer é repetir a “tese” da tal “cultura do estupro” mesmo, pois o relevante é só atacar os homens. Tati Bernardi fez exatamente isso em sua coluna de hoje na Folha:
Pela lógica dessa gente gritantemente provida de intelecto (ironia), se um raio cair na minha cabeça, a culpa é minha por ter cabeça. Se um tubarão comer minha perna, a culpa é minha por ter perna.
A natureza do raio é ser raio, a do tubarão é ser tubarão. Seria então a natureza do homem violentar mulheres e, portanto, caberia a nós, moças honestas que abrem mão de um estuprinho no fim de tarde, só usar moletom GG do Lakers? Um em cada três brasileiros acha que sim. Ou seja, muitas mães acham que sim, muitos pais acham que sim, muitas avós acham que sim. A soma disso você já sabe: vem aí mais uma geração de adolescentes achando que sim. Chega a dar desespero.
Tentei imaginar qual seria a cena possível caso eu realmente fosse culpada por sofrer alguma bestialidade naquela tarde. Um digno (ironia) senhor me espera sair da padaria para dar o bote. Me empurra em algum beco e eu então caio aos seus pés, pedindo perdão.
Perdão, magnânimo ser, perdão. Eu não deveria ter saído de casa, eu não deveria usar vestidos, eu não deveria ter seios, eu não deveria ter bunda, eu não deveria usar esmalte vermelho, eu não deveria chupar sorvetes por aí, pra quem quiser ver. Eu não deveria ter nascido mulher. Eu não deveria nem ter nascido. Oh, soberano macho, dono do universo, rei supremo defendido pelas pesquisas e pelas pessoas de bem, queira, por gentileza, me desculpar por ter uma vagina. Nunca mais farei isso!
Depois ela continua descendo a ladeira e piorando o nível, só para atacar os homens. Tudo, repito, com base numa pesquisa claramente furada, enviesada, que explorou uma dificuldade de interpretação do pesquisado. Seria o caso de concluir que as feministas também sofrem dessa enorme dificuldade de interpretação? O que acha, Tati?
Rodrigo Constantino
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