Em seu editorial de hoje, o Estadão fala sobre a provável redução da meta fiscal pelo governo, uma vez que a retomada econômica tem sido muito lenta, a arrecadação caiu bastante e o corte de gastos não aconteceu. Os analistas do mercado financeiro já se preparam para uma mudança mais realista, e parecem dispostos a ter alguma paciência com a equipe econômica atual, que ao menos aponta para a direção certa. Mas o ritmo da política não é aquele necessário para a economia, e eis onde mora o perigo. Diz o editorial:
Será muito difícil o governo alcançar a meta fiscal deste ano, um déficit primário de no máximo R$ 139 bilhões, se a economia seguir lenta, como no primeiro semestre, e a arrecadação continuar decepcionante. Reconhecer o problema e escolher um alvo menos ambicioso poderá ser complicado, política e economicamente, mas talvez seja inevitável.
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Pelas previsões ainda em vigor, as contas primárias só deverão equilibrar-se em 2019 ou 2020. Só a partir daí sobrará algum dinheiro para os juros. Com isso será possível diminuir o peso da dívida pública, hoje superior a 70% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa proporção dificilmente passa de 50% em outros países emergentes. O quadro brasileiro é, portanto, muito ruim tanto pelos critérios internos como pelos padrões internacionais. Mas falta definir como ficará o horizonte do ajuste, se as metas deste e do próximo ano forem alteradas. Haverá esforço compensador, a partir de 2019? Talvez seja possível, se a economia ganhar impulso e a arrecadação melhorar muito.
Mas em 2019 haverá um novo governo. Também isso será provavelmente levado em conta, como risco adicional, pelas agências de classificação. Se escolher novas metas para 2017 e 2018, o atual governo terá de se contentar com a formulação de um bom programa e com o melhor encaminhamento possível do ajuste. Tudo ficará muito pior, naturalmente, se a reforma da Previdência for travada ou desfigurada no Congresso. Não se deve subestimar o poder da Bancada da Irresponsabilidade Fiscal.
Não se deve subestimar jamais a irresponsabilidade dos governantes perdulários, sob pressão de grupos de interesses organizados. Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. Eis o ditado que vale no Brasil desde sempre. Por isso funcionários públicos como juízes e promotores já pedem aumentos salariais, enquanto sindicatos lutam para impedir as reformas estruturais. E o governo, de mãos atadas e fraco, já fala em aumento de impostos, o que é inaceitável.
A verdade é que o governo foca nas vírgulas, mas ignora o “big picture”, ou seja, está atento às árvores e não enxerga a floresta. Falar em alguns bilhões para cá ou para lá é não se dar conta do tamanho do problema. Ele é simplesmente enorme, astronômico, gigantesco. Sem as reformas e um drástico corte dos gastos públicos, a conta não fechará tão cedo, e teremos como resultado inflação ou depressão, dependendo do método usado para atacar o mal. Em editorial recente, a Gazeta do Povo concluiu que não tem sido feito o esforço suficiente:
Já faz algum tempo que o sinal amarelo está aceso para o governo quando o assunto é o cumprimento da meta fiscal de 2017, e os dados recentes não são nada alentadores. Na semana passada, saiu o resultado do primeiro semestre para o governo central: o pior déficit primário da história para o período, com rombo de R$ 56,092 bilhões (nos primeiros seis meses de 2016, o déficit foi de R$ 36,5 bilhões). Como se não bastasse, junho de 2017 também teve o pior resultado para o mês desde o início da série histórica, com saldo negativo de R$ 19,8 bilhões.
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Em 26 de julho, quando foi divulgado o resultado do primeiro semestre, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, descartou enfaticamente qualquer possibilidade de mudança na meta, mas nesta segunda-feira o ministro Henrique Meirelles disse que, “em relação à questão da meta fiscal, estamos analisando o assunto”, deixando subentendido que poderia haver uma alteração. A equipe econômica sabe muito bem do dano causado por alterações desse tipo, especialmente se ocorrerem perto do fim do ano: elas são um atestado de leniência, mandando o recado de que o governo não está trabalhando com afinco para atingir os objetivos que ele próprio traçou.
O recente aumento de impostos que incidem sobre combustíveis é a mostra de que a população será, mais uma vez, forçada a socorrer os cofres públicos. Mas todo dinheiro a mais que o governo retira da sociedade deixa de girar, seja por meio do consumo ou do investimento, o que retarda a retomada do crescimento tão necessário (até mesmo por seus efeitos benéficos sobre a arrecadação). Não pode haver alta de impostos sem um esforço ainda maior para atacar as despesas, inclusive aquelas com o funcionalismo, no que for possível e legalmente permitido.
Estão discutindo a cereja do bolo e ignorando o gigantesco elefante na sala. Poucos lembram que o tal déficit de uns R$ 140 bilhões, herança do PT, é o déficit primário, ou seja, aquele que sequer considera o gasto com juros. Mas guess what? Esses gastos existem! Não podem ser simplesmente ignorados, e os juros não podem ser marretados artificialmente para baixo, como Dilma fez, pois gera inflação, apesar da recessão. Bernardo Santoro, ex-presidente do Instituto Liberal, foi enfático em seu alerta:
Lendo o Globo agora de manhã, me deparo com a capa da seção de economia: “para manter déficit de R$ 129 bilhões no ano que vem, será preciso elevar mais impostos”. E estamos falando de déficit primário, porque o verdadeiro, o nominal, vai passar dos 600 bilhões. Do ponto de vista fiscal, o país acabou.
Sim, sem mudanças radicais e extremas, sem reformas estruturais para valer, o país acabou. É o que os irresponsáveis políticos não entendem. É o que os grupos organizados de interesses não percebem, ou não ligam, pois querem só garantir seu pirão. O problema é que se o Brasil falir de vez, o que está perto de acontecer, o pirão vai ser tão ralo, tão ralo, que poderá ser confundido com água suja. Ou talvez seja um pirão de papel, impresso pelo Banco Central, à guisa do verdadeiro.
O Brasil tem um encontro marcado com a dura realidade. O PT acabou com as contas públicas. Para recuperá-las, só há uma alternativa factível: aprovar as reformas e cortar gastos públicos de verdade. Aumento de imposto está descartado como opção, e se o governo optar por esse caminho mais fácil, não só vai matar a retomada da economia, como pode provocar uma revolução no país, cansado, saturado de tantos impostos para tanta incompetência, privilégio e corrupção do outro lado.
Focar nas árvores é típico dos “cabeças de planilha”, que fazem contas detalhadas sobre o déficit fiscal na casa da vírgula decimal. Os analistas mais atentos sabem que algo muito maior está em jogo: não é se o rombo primário será de R$ 125,9 bilhões ou R$ 132,7 bilhões, mas como e quando a sangria desatada será estancada para valer. Se isso não ocorrer rápido, o Brasil vai para o buraco de vez. Algumas árvores parecem intactas, mas a floresta está em chamas faz tempo.
Rodrigo Constantino