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A Declaração da Abolição: uma homenagem a Martin Luther King Jr.

Hoje é feriado aqui nos Estados Unidos. Comemora-se o Martin Luther King’s Day, em homenagem àquele que foi um verdadeiro herói na luta por liberdade e direitos civis. Ao contrário de outros líderes negros, como Malcom X, MLK não queria segregar ainda mais a população com base na “raça”, muito menos usar de violência para combater o preconceito. Ele se apegou à própria Declaração de Independência Americana para defender uma mensagem liberal, com foco no indivíduo.

Seu famoso discurso conhecido como “I have a dream” ganhou o mundo, mas poucos sabem que, nele, King enfatiza exatamente os valores liberais dos “pais fundadores”, tão esquecidos pela esquerda que hoje fala em seu nome, pregando coisas que o fariam se revirar no túmulo. Segue, portanto, como homenagem a esse grande homem, um texto meu antigo, justamente sobre a importância deste documento na abolição da escravatura:

A Declaração da Abolição

“Não há nada tão forte quanto uma idéia cuja hora é chegada.” (Victor Hugo)

A escravidão é uma prática nefasta que, infelizmente, acompanhou a humanidade por longos séculos. Não fazia distinção por raça ou cor, e praticamente todos os povos conquistados viravam escravos dos conquistadores. O próprio termo slave vem de eslavos, que foram vítimas da escravidão por séculos. Com o Iluminismo, as idéias pela liberdade individual foram ganhando mais força, e a noção de “direito natural” proposta por Locke plantaria as sementes da abolição da escravatura. Tais idéias tiveram ampla influência nos “pais fundadores” dos Estados Unidos. A Declaração de Independência americana foi sem dúvida um importante marco na luta contra a escravidão. Apesar do fato lamentável de que alguns dos “pais fundadores” tinham escravos, como o próprio Thomas Jefferson, é inegável que suas idéias foram cruciais para o combate à escravidão.

A jornalista Stephanie Schwartz Driver, autora de um livro sobre a Declaração, afirma: “Desde a década de 1820, a linguagem da Declaração de Independência e as promessas nela contidas foram discutidas com grande efeito retórico pelo movimento abolicionista. […] Os abolicionistas baseavam sua causa em princípios morais, retomando a idéia da lei natural advogada por Jefferson na Declaração de Independência e utilizando esse documento para defender seus argumentos”. De fato, os principais abolicionistas compreenderam que na própria Declaração já havia todo o argumento necessário para abolir a escravidão.

Em 1823, o importante abolicionista inglês David Walker fez o seguinte discurso inflamado: “Vejam suas declarações, americanos!!! Vocês compreendem sua linguagem? Escutem o que foi declarado ao mundo no dia 4 de julho de 1776 – ‘Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas – que TODOS OS HOMENS SÃO CRIADOS IGUAIS!! Que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade’!! Comparem sua própria linguagem acima, extraída da Declaração de Independência, com as crueldades e os assassinatos cometidos por seus pais impiedosos e por vocês próprios contra nossos pais e contra nós – homens que nunca lhes fizemos, nem a seus pais, a mínima provocação!!!!!”.  

O começo da petição da abolição da escravatura, assinada por 19 escravos em New Hampshire, também deixa evidente a influência do texto da Declaração: “A petição dos abaixo-assinados, nativos da África, agora detidos à força em regime de escravidão no estado mencionado, muito humildemente atesta: Que o Deus da natureza lhes deu vida e liberdade, nos termos da mais perfeita igualdade com outros homens; Que a liberdade é um direito inerente à espécie humana, a qual não deve ser abdicada, senão por consentimento, para o bem da vida social; Que a tirania pública e privada e a escravatura são igualmente detestáveis às mentes conscientes da igual dignidade da natureza humana”. Eram as idéias dos “pais fundadores” sendo usadas uma vez mais para a luta pela liberdade.

William Lloyd Garrison, abolicionista e fundador do The Liberator, principal jornal abolicionista, fez alusão direta ao texto da Declaração também: “Acredito na parte da Declaração de Independência em que se estabelece, como verdades evidentes por si mesmas, ‘que todos os homens são criados iguais; que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade’. Logo, sou um abolicionista”. Garrison voltou às idéias dos “pais fundadores” em 1833: “Ao som do chamado das trombetas, três milhões de pessoas levantaram-se do sono da morte e se precipitaram para a luta sangrenta; acreditando ser mais glorioso morrer instantaneamente como homens livres do que desejável viver uma hora como escravos. Eles eram em pequeno número – pobres em recursos; mas a honesta convicção de que a Verdade, a Justiça e o Direito estavam do seu lado os tornou invencíveis”.

O ex-presidente John Quincy Adams atuou como defensor dos escravos perante a Suprema Corte no famoso caso Amistad, em 1841. Os escravos tomaram o controle do navio enquanto estavam acorrentados, matando a tripulação e poupando apenas dois navegadores, mas foram capturados novamente em solo americano. Sua defesa foi toda calcada na Declaração: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido. Não peço nada mais em nome desses homens desafortunados senão o que se encontra nessa Declaração”. A Suprema Corte confirmou a decisão de libertar o grupo de escravos.

Abraham Lincoln reconheceu na Declaração de Independência os pilares contra a escravidão: “Tenho convicção de que todos os registros do mundo, desde a data da Declaração de Independência até três anos atrás, poderiam ser investigados em vão à procura de uma única afirmação, de um único homem, de que o negro não foi incluído na Declaração de Independência”. Após ser eleito presidente em 1861, Lincoln foi mais direto ainda: “Nunca tive um sentimento político que não nascesse dos sentimentos incorporados à Declaração de Independência”.

Por falar em Lincoln, Martin Luther King Jr., em seu conhecido discurso no Lincoln Memorial em 1963, sobre o sonho de viver numa nação onde os indivíduos fossem julgados pelo caráter, e não pela cor, disse: “Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória, da qual todos os americanos seriam beneficiários. Essa promissória dizia que todos os homens, sim, o homem branco e o homem negro, teriam garantidos os direitos inalienáveis de ‘Vida, Liberdade e busca da Felicidade’. […] Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e viverá para sempre o verdadeiro significado do credo: ‘Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais'”.

No Brasil, o combate à escravidão contou com um forte aliado na figura de José Bonifácio, o Patriarca da Independência. Seus argumentos, em discurso pronunciado na Assembléia-Geral em 1824, eram claramente influenciados pela visão liberal dos “pais fundadores” americanos. O pilar de seu discurso era moral. Contra os defensores da escravidão com base no direito de propriedade, eis o que Bonifácio argumentou: “Não é, pois, o direito de propriedade, que querem defender, é o direito da força, pois que o homem, não podendo ser coisa, não pode ser objeto de propriedade”. E acrescentou ainda: “Não basta responder que os compramos com o nosso dinheiro; como se o dinheiro pudesse comprar homens! – como se a escravidão perpétua não fosse um crime contra o direito natural”. Em resumo, a escravidão é injusta, pois ignora que todos os homens merecem tratamento igual perante as leis, e que nascem livres.

Como fica claro acima, a escravidão, uma prática comum até poucas décadas atrás, foi finalmente abolida no Ocidente, graças às idéias iluministas com base no direito natural à liberdade. A Declaração de Independência foi, talvez, a mais importante arma contra a escravidão. Nossa liberdade não deriva do consentimento de uma autoridade qualquer, como o governo ou mesmo a maioria. Quem discorda disso, precisa aceitar como legítima a escravidão se a maioria de um povo a desejar. O principal argumento contra a escravidão, mesmo nos casos onde a maioria de um povo vota por ela, pode ser encontrado nas magníficas palavras da Declaração de Independência americana. Ela pode até mesmo ser chamada de Declaração da Abolição!

PS: Muitas pessoas, vítimas de uma mentalidade marxista, acreditam que a escravidão acabou apenas por fatores econômicos. Nada mais falso! Em primeiro lugar, essas pessoas precisam explicar porque demorou tantos séculos para isso. Em segundo lugar, devem explicar também porque foram os países mais liberais do Ocidente que acabaram com tal prática, apesar de interesses contrários dentro desses próprios países. Não devemos esquecer que a escravidão continuou por muito mais tempo dentro da própria África, por exemplo, e que os países comunistas também mantiveram este regime nefasto. No fundo, a visão de mundo que julga todos os acontecimentos apenas como resultado de interesses econômicos dá um triste atestado sobre o caráter da própria pessoa. Como disse Benjamin Franklin, “ele que é da opinião que o dinheiro fará qualquer coisa pode muito bem ser suspeito de fazer qualquer coisa por dinheiro”. Há muito mais que dinheiro no mundo. A paixão pela liberdade não pode ser comprada. Eis o sentido da Declaração de Independência americana.

Rodrigo Constantino

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