Muitos economistas e jornalistas focam apenas no superávit primário, ou seja, no resultado das contas públicas antes do pagamento de juros. Faz algum sentido se desejarmos analisar o resultado “operacional” do governo. É como analistas que observam o EBITDA das empresas, uma proxy da geração bruta de caixa. Mas, como um chefe meu gostava de lembrar, o EBITDA significa lucro antes de um monte de coisa…
Para avaliar as finanças públicas de forma correta, não dá para ignorar o pagamento de juros. Até porque é uma despesa gigantesca, por conta do elevado estoque de dívida, do histórico ruim de credibilidade e da trajetória esperada para o próprio resultado fiscal. O governo brasileiro é como uma família perdulária que vive no cheque especial, no cartão de crédito estourado e até na mão de agiotas eventualmente.
Os populistas pregam o calote ou a redução na marra da taxa de juros, como se bastasse “vontade política” para tanto. Não aprenderam nada com a desgraça recente da gestão Dilma. Só há, na prática, três formas de sair dessa enrascada: aumentar receita, reduzir despesa ou vender ativos. No primeiro caso, já temos uma carga tributária absurdamente alta, que pune o setor produtivo. Sobram, mesmo, o corte de custos e as privatizações.
O governo precisa sinalizar aos investidores que fará o dever de casa, que vai conseguir reduzir suas despesas. Estamos longe disso. O superávit primário é quase inexistente e, enquanto isso, o rombo nominal vai aumentando. O professor Ricardo Bergamini comenta os resultados de abril:
O setor público consolidado registrou superávit primário de R$10,2 bilhões em abril. O Governo Central e os governos regionais apresentaram superávits de R$8,7 bilhões e R$1,6 bilhão, respectivamente, e as empresas estatais, déficit de R$131 milhões.
No ano, o superávit primário acumulado é de R$4,4 bilhões, ante superávit de R$32,4 bilhões no primeiro quadrimestre de 2015. No acumulado em doze meses, registrou-se déficit primário de R$139,3 bilhões (2,33% do PIB), 0,05 p.p. do PIB superior ao valor observado em março.
Os juros nominais, apropriados por competência, registraram despesa líquida de R$23,3 bilhões em abril, comparativamente a receita líquida de R$648 milhões em março. Contribuiu para essa trajetória o ganho menor em operações de swap cambial em abril (R$12,3 bilhões) comparativamente ao mês anterior (R$42,7 bilhões). No acumulado no ano, os juros nominais somam R$108,7 bilhões, comparativamente a R$146,1 bilhões no mesmo período do ano anterior. Em doze meses, os juros nominais totalizaram R$464,4 bilhões (7,76% do PIB), elevando-se 0,32 p.p. do PIB em relação ao observado em março.
O resultado nominal, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, foi deficitário em R$13,2 bilhões em abril. No ano, o déficit nominal soma R$104,3 bilhões, comparativamente a déficit de R$113,6 bilhões no mesmo período ano anterior. No acumulado em doze meses, o déficit nominal alcançou R$603,7 bilhões (10,08% do PIB), elevando-se 0,37 p.p. do PIB em relação ao valor registrado em março.
Um déficit nominal – que é o relevante – acima de R$ 600 bilhões, ou 10% do PIB, é um quadro assustador. O Brasil tem um grave problema estrutural: a despesa primária do governo cresce mais do que a economia. A conta não fecha. Quando a conjuntura deixa de ajudar, como no caso atual com a queda do preço das commodities, o cenário fica sombrio. Há um impasse político: o “pacto” de 1988 se esgotou, os “direitos” de nossa Constituição “besteirol”, como dizia Roberto Campos, não cabem no PIB.
Possuímos uma dívida pública alta demais para padrões emergentes. Além disso, ela é caríssima, e isso se deve a vários motivos estruturais, como o efeito “crowding-out” produzido pelo BNDES com seus subsídios, a incerteza jurídica, a cultura de cigarra do povo brasileiro, a fragilidade das contas públicas, o histórico de calotes etc. Não se muda isso da noite para o dia. Logo, o alto custo dessa dívida continuará por algum tempo.
Mas se nada for feito logo, a tendência se tornará explosiva. E não pensem que essa dívida pertence aos banqueiros apenas. Balela! O credor do governo somos todos nós! Qualquer um com alguma poupança tem lastro em títulos públicos. Qualquer um com aplicação num fundo de investimento depende disso. A Previdência Social depende disso. Falar em calote é coisa de gente irresponsável, demagoga. É preciso, então, produzir superávit primário mesmo. Num patamar bem maior. No mínimo de 3% do PIB. De preferência, de 5% do PIB.
Como fica claro, estamos bem longe disso. O governo interino de Michel Temer, com sua equipe bem mais qualificada, vem tentando aprovar reformas nessa direção. Parecem muito aquém do necessário, mas apontam na direção correta ao menos. Se o Brasil não reduzir drasticamente os gastos públicos, não haverá mais recursos para os “gastos sociais”. É isso que a esquerda precisa compreender. Uma família que depende de agiotas não tem condições de bancar boa educação para os filhos, tampouco saúde de qualidade para seus membros. Só há uma saída: reduzir despesas de forma séria, ser mais responsável. Ou isso, ou o caos.
Rodrigo Constantino
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