Democracia é o pior regime de todos, exceto todos os demais que já foram testados. A famosa frase, atribuída a Churchill, captura bem a postura conservadora diante do sistema democrático: não é de endeusamento, mas de resignação. Os conservadores sabem que a democracia é um tanto imperfeita, e não um “deus” que falhou. É a arte de contemporizar, ceder, escolher prioridades, engolir sapos, e tentar, na melhor das hipóteses, caminhar na direção certa, lenta e gradualmente.
Diante dessa realidade, muitos flertam com atalhos, com caminhos alternativos que levem mais rápido ao destino desejado. Um déspota esclarecido, talvez? Um líder sábio e honesto, que possa fechar logo o Congresso, ignorar os limites constitucionais, e impor uma agenda virtuosa: muitos passam a sonhar com essa trilha.
Keynes, no prefácio de sua obra clássica para o povo alemão, admitiu que a “racionalidade” que pregava na economia seria mais fácil de ser implementada por um governo autoritário. No Chile de Pinochet, os “Chicago Boys” puderam tocar suas reformas liberais na economia em “paz”, e o pequeno país colheu os frutos desses acertos depois. Mas a que custo?!
Karl Popper resumiu bem as vantagens da democracia quando disse que “não somos democratas porque a maioria sempre está certa, mas porque as instituições democráticas, se estão enraizadas em tradições democráticas, são de longe as menos nocivas que conhecemos”. Ou seja, seu grande mérito não é nos acertos, mas evitar maiores erros, poder corrigi-los sem derramamento de sangue.
O austríaco Ludwig von Mises estava de acordo, e defendeu a democracia em diversos livros. Em Liberalismo, por exemplo, ele escreveu: “A democracia é aquele forma de constituição política que torna possível a adaptação do governo aos anseios dos governados sem lutas violentas”. Para Mises, que depositava enorme relevância no poder das idéias, somente a democracia poderia garantir a paz no longo prazo.
Em sua obra-prima, Human Action, Mises reforça esta visão em prol da democracia: “Por causa da paz doméstica o liberalismo visa a um governo democrático. Democracia não é, portanto, uma instituição revolucionária. Pelo contrário, ela é o próprio meio para evitar revoluções e guerras civis. Ela fornece um método para o ajuste pacífico do governo à vontade da maioria. […] Se a maioria da nação está comprometida com princípios frágeis e prefere candidatos sem valor, não há outro remédio além de tentar mudar sua mente, expondo princípios mais razoáveis e recomendando homens melhores. Uma minoria nunca vai ganhar um sucesso duradouro por outros meios”.
Eis o contexto para analisar a frase de Carlos Bolsonaro no Twitter ontem, e que gerou forte reação. O filho do presidente lamentou que a velocidade das mudanças na democracia fica muito aquém da desejada, o que pode ser apenas uma constatação realista, como fiz acima, ou um perigoso flerte com a alternativa autoritária.
Vindo de quem vem, e lembrando que o próprio Bolsonaro nunca demonstrou muito apreço pela democracia no passado, essa declaração é um tanto inquietante. O outro filho já “brincou” que a solução para um STF corrompido era mandar um “cabo e um soldado”. O bolsonarismo demonstra, a cada dia, desprezo pela democracia, o que, somado à sua postura intolerante e agressiva contra qualquer discordância, produz um cenário tenso.
Demonstrar preocupação com uma eventual guinada autoritária seria paranoia, coisa de quem persegue um “fascismo imaginário”, ou precaução de quem tem atentado para os sinais de alerta, vendo um possível ovo da serpente sendo chocado lentamente? Só o tempo dirá qual vertente está certa. Espero, claro, que seja aquela que ridiculariza os “corneteiros do fracasso”.
Mas meu lado conservador, sempre cauteloso e prudente, prefere manter forte vigilância. Primeiro, porque esse é o preço da liberdade, como sabia Thomas Jefferson. Segundo, porque o seguro morreu de velho…
Rodrigo Constantino