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“Democracia em vertigem”: o comunismo é o ópio dos herdeiros ricos e entediados.
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A Gazeta do Povo deveria me pagar um extra de insalubridade por me fazer ver para o podcast Ideias esse lixo panfletário disfarçado de documentário da herdeira da Andrade Gutierrez sobre Lula e Dilma. Duas horas de tortura! Mas já que vi e não é possível “desver”, então que ao menos sirva para uma reflexão e um texto.

Falo, claro, do “documentário” de Petra Costa na Netflix, “Democracia em Vertigem”, em que narra, por uma ótica bem pessoal e ideológica, os acontecimentos que culminaram no impeachment de Dilma e prisão de Lula. Para ela, tudo golpe das “elites”, naturalmente.

Para começo de conversa, a narradora tem um tom monocórdio, depressivo, que torna aquilo tudo ainda mais chato e arrastado, mas também captura a desilusão dela com a política e, de certa forma, o PT. Eis a essência da coisa, muito bem resumida por Paulo Polzonoff em ótimo texto na Gazeta. Destaco o trecho final:

O maior mérito do filme é, de fato, substituir no espectador a onipresente e pervasiva raiva por uma sincera compaixão.

Porque Petra Costa, com sua narrativa cheia de lugares-comuns, delírios conspiratórios e pieguice, acaba por explicar como nasce e se desenvolve e se consolida a mente petista-revolucionária. E é um processo inquestionavelmente duro e sofrido, por mais que se tenha apartamentos em Paris e por mais que se receba uma bela mesada pela iniciativa capitalista bem-sucedida do vovô.

O processo todo começa com boas intenções catalisadas por uma ou mais tragédias. No caso de Petra, essa combinação estava nos pais, guerrilheiros marxistas que viram seus mentores serem assassinados pela ditadura. Dessa mistura nasceu a menina já com a estrela vermelha no peito, fadada ao romantismo da causa operária, inabalável em seu bom-mocismo, por mais que paredões e Mensalões provassem o contrário.

Me compadeço, sim. Porque, em Democracia em Vertigem, fica claro que Petra Costa não teve escolha. Muito antes de as redes sociais darem origem a uma legião de zumbis viciados em política, os pais da cineasta já arriscavam a vida em nome dessa coisa intangível e demoníaca, o que, evidentemente, corrompeu para sempre a visão que ela tinha de liberdade. Ela só pôde seguir os passos de seus genitores e acreditar na santidade de um líder popular – a realização de um ideal aprendido nos melhores bancos escolares, com os piores professores.

E este é o verdadeiro drama do documentário. Democracia em Vertigem talvez pretenda, como andei lendo por aí, consolidar uma narrativa mentirosa e até mesmo santificar um líder corrupto. Sem querer, contudo, o filme mostra toda uma geração corrompida por pais, professores e líderes inescrupulosos, levada a acreditar na superioridade do coletivo sobre o indivíduo, do material sobre o espiritual, da igualdade sobre a diferença, etc. Uma geração para a qual a realidade tem que se adaptar a uma história oblíqua contada por uma narradora de voz tão infantil quanto sua percepção de mundo a fim de que nessa realidade se encaixem seus sonhos e frustrações.

Uma geração verdadeiramente perdida.

Em Esquerda Caviar, procurei elencar vinte potenciais origens para o fenômeno dessa elite endinheirada que “adora” o socialismo. Uma das possíveis causas é justamente o tédio. Herdeiros costumam cair com mais frequência nessa ladainha, justamente porque não foram eles que construíram a fortuna familiar, e sentem-se culpados pelo dinheiro que possuem sem mérito ou esforço.

Uma sensibilidade mal calibrada é o ingrediente que falta para a explosão marxista: no mundo das desigualdades, a elite culpada e entediada encontra propósito na aventura revolucionária igualitária e coletivista. O que teve e tem de ricaço financiando o comunismo mundo afora não está no gibi! E não é apenas oportunismo; é uma forma de se sentir vivo, descolado, justo, é um ópio para essa elite “intelectual”, como mostrou Raymond Aron.

Petra pode ser sonsa ou canalha, com uma narrativa claramente falsa, ridícula até. Mas ela pode ser também uma “true believer”, como na interpretação mais obsequiosa do Polzonoff. Já resenhei o livro imperdível de Eric Hoffer sobre esse tipo, e levo muito a sério o estrago cerebral causado por seitas ideológicas. Eis um trecho relevante para o tema aqui:

O ser humano em geral clama pela sensação de pertencimento a algum grupo maior. Suas frustrações alimentam ainda mais o desejo de sumir em meio a uma massa uniforme. O tédio diante da vida, a falta de sentido na existência, tudo isso joga mais lenha na fogueira, empurrando o indivíduo na direção da massa. Um movimento de massa representa o pacote completo que exime o sujeito da responsabilidade de desejar e arriscar por conta própria.

A submissão ameniza o fardo de sua autonomia. Seu fanatismo retira a necessidade de pensar e questionar por conta própria. A “certeza absoluta” da doutrina infalível fornecida pelo movimento conforta a angústia da hesitação. A aventura revolucionária estimula e reduz o tédio de sua vida vazia. A causa fanática alivia seu sentimento de culpa. O futuro fantástico lhe dá forças para enfrentar o presente medonho, um fardo temporário, um vale de lágrimas e sofrimento até o oásis por vir. O ideal glorioso e indestrutível oferece a força que lhe falta como indivíduo, a eternidade que acalenta sua inexorável mortalidade e aniquilação.

Era dessa sensação que Petra provavelmente estava em busca. Ela pinta Lula como um “escultor cujo material é a argila humana”, uma declaração constrangedora. Ela, herdeira rica e influente, teve acesso a momentos muito íntimos de dois presidentes poderosos, enquanto se vende como representante dos fracos e oprimidos, dos pobres ignorados. Tudo isso é digno de pena mesmo.

Mas quando lembramos que todo o esforço, os recursos, a influência dela foram destinados para produzir um panfleto ideológico extremamente mentiroso, que poderá ser visto por vários leigos que acreditarão naquelas bobagens, a peninha dá lugar à raiva sim, legítima, de quem sabe que no fundo sempre há a escolha, e que devemos cobrar responsabilidade por ela.

Petra se colocou como cúmplice de bandidos, da pior quadrilha criminosa que a política brasileira já teve. Ela vende esses marginais como pessoas maravilhosas, decentes, genuinamente preocupadas com os mais pobres. Ela faz isso tudo com muita hipocrisia, ao citar o nome da empresa de sua família, mas se recusar a abrir mão dos frutos dessa relação promíscua com o poder que ela “condena”.

Um ato covarde de vingança aos que permitiram sua vida nababesca, provavelmente motivado pela inveja: ela precisa se sentir moralmente superior aos que se lambuzaram no poder e, com isso, criaram a fortuna familiar de que ela faz uso. O “idealista” que sonha utopias enquanto cospe nos mais “pragmáticos”, mas sem abrir mão do conforto gerado pelo “pragmatismo”.

Em suma, trata-se de uma peça de ficção vendida como documentário, um trabalho de marketing para impor uma narrativa falsa sobre o petismo, inocentando o partido pelo estrago que fez no país e pelo maior esquema de corrupção já visto, ignorando seu projeto totalitário de poder, tudo isso feito por uma herdeira culpada e entediada, que encontrou na seita petista a sua religião.

Rodrigo Constantino

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