É dura a vida daquele liberal-conservador como eu, que defende a importância das instituições republicanas, num país como o Brasil. Os representantes das mesmas instituições fundamentais para a democracia parecem não se dar o devido respeito. O abismo que se abre entre representantes e representados é cada vez mais preocupante, e pode se tornar um racha inevitável.
Falo, claro, da votação desta quarta que aprovou, na Câmara, várias brechas que permitem abusos, lavagem de dinheiro e caixa dois aos partidos. A “minirreforma partidária e eleitoral” afrouxa regras de fiscalização de contas partidárias e impõe um teto às multas para partidos que descumprirem a prestação de contas.
O projeto aprovado traz regalias para partidos e brechas para caixa 2 e elevação do fundo eleitoral. A Câmara retomou vários pontos polêmicos que o Senado, após pressões e críticas da opinião pública, havia retirado do projeto. Deputados acham que senadores “jogaram para a plateia”, ou seja, escutaram a voz do povo, das ruas. Que absurdo, não?!
Suprimiram os pontos mais escrachados, mas mantiveram os bodes fedidos na sala. Permaneceram pontos que diminuem o controle sobre o uso das verbas públicas pelas legendas, incluindo a liberação para pagamento de multas eleitorais, compra de sedes partidárias e passagens aéreas até para não filiados. O texto principal foi aprovado por 252 votos contra 150.
O projeto segue agora para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tem até 15 dias úteis para tomar uma decisão. Todos aqueles que investiam numa narrativa um tanto jacobina de que o presidente é o líder do povo contra as instituições corrompidas terão a chance de verificar sua tese. Acham mesmo que Bolsonaro vai contra o Congresso e vetará as mudanças? Ou vai chancelar os privilégios do establishment?
É curioso que os dois lados tentem o monopólio da voz do povo. Nem os “representantes” das instituições falam em nome do povo como um todo, nem as lideranças de movimentos nas redes sociais. O povo é disperso, heterogêneo, não tem uma “vontade geral”. Dito isso, claramente nesse caso podemos afirmar que os 252 deputados jogaram contra os anseios da imensa maioria.
Alguns adotam uma narrativa estranha de que “a sociedade” decide. Não foi a sociedade que decidiu vetar o financiamento privado de campanha, mas poucos ministros do STF, numa canetada. Assim como não foi a sociedade que escolheu, agora, afrouxar essas regras eleitorais, mas sim 252 deputados, sob a liderança de Rodrigo Maia. E fizeram isso apesar da sociedade.
Fernando Schuler comentou sobre essa visão de que “a sociedade” escolhe em sua coluna na Folha, trazendo a lição fundamental da Public Choice School: “É evidente que isso é uma fantasia. No mundo real da política, escolhas são feitas no mercado político, a partir do jogo de interesses e capacidade de pressão de diferentes grupos sociais. É mais ou menos isso que o James Buchanan, ganhador do prêmio Nobel de economia, chamava de ‘política sem romance’.”
Os deputados jogaram lenha na fogueira jacobina de quem investe contra as instituições. O deputado Paulo Eduardo Martins, cujo PSC recomendou voto favorável a essas mudanças esdrúxulas, não só votou contra, desafiando seu partido, como tentou levar bom senso aos colegas, como é de seu estilo. Foi voto vencido, e teme pelas reações populares. Com razão.
Afinal, nunca sabemos que tipo de faísca vai incitar o próximo incêndio. Em 2013 as ruas foram tomadas sob o pretexto dos vinte centavos no aumento do transporte, mas era algo orquestrado. Já em 2015 vimos milhões ocuparem as ruas sem qualquer controle, e deu no que deu. É fato que esse tema do fundo eleitoral estava sensível para muitos, com vários comentaristas na mídia alertando para a indecência dessas medidas, com pressão nas redes sociais contra.
No Congresso, o Partido Novo foi quem mais lutou contra, até porque tem como bandeira essencial não tocar no fundo partidário, por entender que os partidos devem se sustentar de forma voluntária, com adesão de filiados que acreditam em seus valores e agendas. Agora, a bancada do Novo, de oito deputados, deve dobrar, quiçá triplicar nas próximas eleições.
O deputado Marcel van Hattem, uma das vozes mais ativas contra essa pornografia, falou comigo hoje mais cedo, em tom de desabafo pela derrota: “Um aspecto importante dessa discussão toda, além do óbvio desse absurdo de gastar dinheiro com advogado, sede de partido, impulsionamento de Facebook, essas coisas abjetas, é que diminui a capacidade de renovação, porque a concorrência fica muito mais difícil para quem não tem acesso a isso, para quem não tem partido, quer começar na política, ou quer entrar em partido tradicional, mas vai ter que pedir bênção aos caciques que têm acesso a todo esse dinheiro. Isso sem falar que abre as portas para nepotismo, para um monte de gasto irregular, dentro das direções partidárias, que têm muito menos fiscalização e transparência”.
Comecei o texto reconhecendo como é dura a vida de quem defende as instituições, mesmo com essas figuras do pântano que as dominam. Mas não há alternativa, ao menos não uma interessante. Quem apostou as fichas no “incorruptível” Bolsonaro deve entender isso melhor hoje. Nenhum líder representa “o povo” contra o “sistema”, isso é papo revolucionário de jacobino.
Portanto, só há uma saída concreta, realista: seguir na luta pelo fortalecimento dessas instituições, depurando a cada eleição a qualidade dos representantes, colocando pressão nas redes sociais e eventualmente nas ruas. Nas próximas eleições, procurem candidatos que tenham compromisso e histórico com a defesa de valores republicanos, e que tenham coragem de realmente remar contra a maré do establishment. Se o Novo tivesse uma bancada três vezes o tamanho atual, por exemplo, será que essa vergonha teria passado?
Rodrigo Constantino
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