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Entre o inferno e o céu há o purgatório, fase de depuração, de arrependimento dos pecados, de castigo temporário para a purificação final. Se a metáfora bíblica for aplicada à política nacional, podemos dizer que as eleições municipais representam o estágio de purgatório do Brasil.

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A velha esquerda, aquela jurássica representada pelo PT, PCdoB, PSOL e Rede, saiu chamuscada, humilhada, derrotada de forma avassaladora. Já o grande vitorioso foi sem dúvida alguma o PSDB. Mas não necessariamente o velho PSDB, aquele bem mais esquerdista, com os antigos caciques dominando a cena; e sim um novo PSDB, com candidatos como João Dória em São Paulo e Nelson Marchezan Jr. em Porto Alegre.

Ambos adotaram um discurso bem mais liberal, contaram com o apoio do Movimento Brasil Livre, que leva uma mensagem liberal de forte redução do estado na economia e em nossas vidas. São tucanos sim, social-democratas portanto, mas cada vez mais afastados do socialismo fabiano de seus pares e antecessores. Há menos FHC ali, e mais Milton Friedman, foco no empreendedorismo, nas privatizações.

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Se até Michel Temer tem mencionado Margaret Thatcher de forma positiva, então algo está mudando mesmo. Claro, não podemos esquecer que até “ontem” Temer era do governo petista, que os tucanos não demonstram forte convicção no liberalismo e só mesmo a esquerda jurássica para “acusá-los” de “neoliberais”. Mas são os sinais de mudança que nos interessam aqui, a segunda derivada, a tendência.

O editorial do GLOBO hoje comenta:

O segundo turno, no domingo, aprofundou a derrota do PT, varrido do entorno da cidade de São Paulo, batizado de “cinturão vermelho” devido à presença quase histórica da legenda nas prefeituras da região. Exemplar punição ao partido pelo eleitorado.

De maneira emblemática, em São Bernardo do Campo, onde Lula nasceu para a política e mora, venceu um candidato tucano, Orlando Morando Junior, na disputa com o representante do PPS, Alex Spinelli. O PT não emplacou representante na decisão das eleições, e verá o prefeito Luiz Marinho, ex-ministro de Lula e que chegou a ser cotado para disputar postos mais altos, passar o cargo ao adversário. No balanço final das eleições municipais, o PT encolheu de maneira vertiginosa: de 638 prefeituras em que venceu em 2012, caiu para 254. Governou para 27 milhões de eleitores, no domingo reduzidos a apenas 4 milhões. O PT foi levado pelos eleitores de volta à dimensão que tinha antes da primeira eleição de Lula presidente, no final de 2002. No conjunto de cidades com mais de 200 mil habitantes, em que podem haver dois turnos, o partido ganhou, e no primeiro, apenas em uma, Rio Branco, capital do Acre, com Marcus Alexandre, reeleito.

Para aumentar o desgosto do lulopetismo, o grande vitorioso foi o PSDB. O poder da legenda cresceu muito, tendo conquistado o controle da maior cidade do país, São Paulo, em que elegeu, logo no primeiro turno, João Doria, estreante em eleições.

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Todos os olhos estarão voltados para esses novos gestores. São Paulo e Porto Alegre serão vitrines para o pleito nacional em 2018. O discurso é bom: privatizações, cortes dos gastos públicos, austeridade, menos intervenção. Resta entregar o prometido, para que o país comece a ensaiar uma recuperação para valer. É a purificação dos anos vermelhos de lulopetismo, da desgraça imposta pela esquerda, do inferno socialista.

E aí, quem sabe?, em 2018 um legítimo liberal possa vencer com uma agenda reformista, com a promessa de privatizar até a Petrobras, de acabar com o imposto sindical, de flexibilizar para valer as leis trabalhistas obsoletas e fascistas que temos, de devolver o dinheiro confiscado pelo FGTS ao trabalhador, de reduzir a burocracia para tornar o ambiente de negócios mais amigável etc. Se não der em 2018 ainda, se for cedo demais para sonhar com isso, pois as bases intelectuais não estão prontas, o importante é caminhar nessa direção.

Depois de tantos anos de inferno, o brasileiro aguenta alguns anos de purgatório. Desde que possa vislumbrar o raiar do sol adiante, as luzes do paraíso* de um lugar mais livre e próspero, sem a asfixia brutal do monstro estatal. Vamos sonhar – e arregaçar as mangas e trabalhar muito para tornar o sonho realidade.

* É claro que liberal algum acredita em paraíso terrestre, em utopias. O liberal é cético, condena justamente a visão utópica da esquerda, que quer prometer um paraíso na Terra. A desgraça política começa quando as pessoas esquecem que o estado existe para evitar o inferno, não para entregar o paraíso. “O que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno foram justamente as tentativas de torná-lo um paraíso”, resumiu Hoelderlin. Mas o leitor entendeu a metáfora. Só de não virarmos uma Venezuela (inferno), e termos chances de realizar profundas reformas liberais nos próximos anos, o Brasil poderá seguir rumo ao “paraíso”, ou seja, um lugar mais rico e menos injusto.

Rodrigo Constantino

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