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A dignidade da pessoa vem da natureza humana e não da vontade
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Por Sergio Renato de Melo, publicado pelo Instituto Liberal

A expressão dignidade da pessoa humana, fundamento expresso da República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição Federal), é de uma abertura muito significativa, que pode levar o seu intérprete ao máximo do alargamento léxico capaz de mutações repentinas no conceito do próprio humano. O Poder Judiciário, assim, intérprete do texto legal, pode sentir autorizado a, por exemplo, permitir a ideologia de gênero nas escolas infantis com ensino de sexo a crianças de tenra idade. Em nome da modernidade da dignidade da pessoa humana, por exemplo, Luis Roberto Barroso, ministro progressista do Supremo Tribunal Federal, pode se sentir autorizado a permitir aborto além do terceiro mês de gravidez. Esses são alguns dos riscos.

Por isso, é de se entender que a dignidade da pessoa humana não é e não pode ser vista como um conceito normativo, da lei. Ela tem que ser tida como um conceito natural. Ou seja, a dignidade da pessoa humana é um conceito que deve ser extraído do ser e não do dever ser>.

O exemplo de gays conservadores dá a entender que a dignidade da pessoa humana, como uma bandeira da modernidade, decorre da natureza do ser humano e não de sua mera vontade. Esse entendimento permite que a vontade geral seja respeitada e o Poder Público não faça da constituição um instrumento de tirania contra o próprio destinatário da norma, o ser humano.

A nossa Constituição Federal, em algumas oportunidades em seu texto, cita a palavra dignidade. No já citado art. 1º, inciso III, no art. 226, § 7º (planejamento familiar), no art. 227, caput (direito da criança, do adolescente e do jovem) e no art. 230, caput (direito dos idosos). Para começar, a mera menção a ser a dignidade da pessoa humana um direito já se afigura um equívoco. Ela é um pressuposto, um princípio, e não um direito com o risco de ser tirado ou modificado ao talante do Estado. O risco de ela ser utilizada para fins tirânicos, em abolição do próprio homem, e é o que vem acontecendo no mundo ocidental, é muito grande. Os direitos humanos, com a dignidade da pessoa humana tendo uma simbiose muito grande – já que aquele decorre do reconhecimento de que o ser humano tem vida real e não fictícia (como ocorre com as empresas) – já foram utilizados pelo próprio Hitler como fundamento de suas desumanidades (o resultado é bastante conhecido: milhões de corpos espalhados pelo mundo). Só por aí já se vê o quão importante é estabelecer o contato permanente da identificação da dignidade da pessoa humana com a natureza, porque alvo direto de investidas da novilíngua e do emprego de uma semântica tirânica, bem como de representações partidárias ou globalistas contra o próprio homem (caso da ONU e de partidos classistas).

A natureza humana, e não o mero desejo de progredir descriteriosamente, é o fio condutor de todas as conquistas humanitárias e a chave para entender nosso mundo e as suas mazelas, não podendo haver substitutos voluntários e não naturais de Deus. A par disso, multiplicam-se os exemplos de tentativas de abolição do homem: ideologia de gênero em escolas infantis que ensinam sexo lúdico, feminismo radical, a perda do afeto nas relações sociais mais simples, o “meu corpo minhas regras”, a adesão ao gayzismo como um modismo, e por aí vai. O rol de atrocidades voluntárias não tem limitação taxativa, sendo meramente exemplificativo, seguindo o potencial humano e quase infinito de criar e imaginar.

A história humana e baseada, entre outros alicerces, no Contrato Social, vemos uma incrível criatividade tirânica em se afastar da natureza utilizando o próprio destinatário como bode expiatório para sua destruição. Como se o ser humano fosse um objeto político, foi ele utilizado para experimentações humanas das mais satânicas. As revoluções socialistas e comunistas que aconteceram no mundo deixaram de preservar o essencial para a garantia das instituições sociais já conquistadas e delas resultaram milhares de corpos espalhados em boa parte do mundo.

Esses ideólogos encaram a dignidade da pessoa humana como uma utopia e não um pressuposto humano e caro e que deve ser preservado, gerando expectativas de felicidade geral por um sentimento de evolução que isso acarreta, por isso que o conservadorismo acaba perdendo aceitadores. O conservadorismo não é ideólogo, é um pensamento, um espírito eterno, só que enfraquecido pelo desejo romântico e idealista de sonhos irreais e absurdos, alçados à condição imaginária de uma realidade alcançável por partidos e humanos messiânicos. É incrível como a falibilidade humana e a imprudência são aspectos esquecidos ou maliciosamente deixados ao largo nesse imaginário político, pressupostos tão defendidos por conservadores para que as transformações sejam bem sucedidas.

É célebre a frase “O homem é um animal político por natureza”. Aristóteles, considerado o pai do conservadorismo, sustenta que a política e a moral são naturais e não criações humanas voluntárias, não sujeitas à modificações ao talante do imaginário humano mutável. A crítica dos sofistas antigos reside na base do relativismo moral, ou seja, em que os padrões morais são artificiais e convencionais. Esse relativismo moral está presente hoje. Roger Kimball, em Radicais nas universidades…no Capítulo Seis, denomina Nova Sofística o padrão moral estabelecido nas universidades americanas, tomadas pelo poder da doutrinação ideológica ou de partido. Comenta a arte de interpretar o texto a partir da vontade do intérprete. Platão, citado por Roger Kimball nessa obra, já tinha deixado claro que “O que digo é que ‘justo’ ou ‘correto’ não quer dizer nada além do que é do interesse do partido mais forte”. É em Aristóteles que vemos também a negação de que a sociedade seja um contrato estabelecido entre os indivíduos, um arranjo, surgindo naturalmente. Da família e da sociedade, surgidas naturalmente, decorre a moralidade, a lei moral. A lei moral é natural. Como Aristóteles, Burke também afirmava que a sociedade é natural para o homem, não sendo nenhum contrato social artificial, como dizia Rousseau, bandeira levantada pelos radicais na Revolução Francesa.

O passado é ditoso em nos informar que o indivíduo e sua subjetividade foi ocupando o lugar que antes era da verdade e da certeza, do absoluto e da razão, de nossa tradição e do legado natural. Protágoras deixou dito que “O homem é a medida de todas as coisas”. Deu-se início à era do paganismo. Dignitas hominis, ou melhor, a dignidade do homem foi oposto voluntariamente à miséria do homem, daquele ser caído e fruto do pecado original, da queda, que, em certo ponto, justifica o lobo do próprio homem trazido por Thomas Hobbes.

A natureza humana foi o alvo da Revolução Francesa. Frank Manuel observa que “fosse na crença ou na descrença, os homens do iluminismo se mostravam profundamente preocupados com a religião como exploração da natureza humana” (citado por Terry Eagleton, em A morte de Deus na cultura). Aqueles poucos pensadores iluministas que acreditavam em Deus, professando ser o homem um ser naturalmente sociável, eram uma minoria. Quanto a eles, ainda, não se pode dizer que eram defensores da ideia de progresso, “esse farol sombrio”, “autorizado sem a garantia da Natureza ou de Deus, essa moderna lanterna que projeta um jorro de escuridão sobre os objetos do conhecimento” (A morte de Deus na cultura).

A depender da vontade humana absoluta, dispensando a natureza humana, chegaremos ao extremo e absoluto daquilo que Aristóteles tinha chamado de democracia extrema, o que denominou Burke de democracia pura. Acontece quando uma multidão com enorme raiva causa maiores danos do que um rei, nada impedindo a sua vontade, chegando ao ponto da autodestruição.

Por tais motivos é que os conservadores falam em leis baseadas na natureza. A dignidade da pessoa humana e o conservadorismo estão no coração (alma) humano e não no espírito ou na mente; vêm desde a criação e não suportam arranjos humanos pelo mero pensar, nem pelo sentir. É algo inato e imutável, eterno e avesso a paixões humanas, algo que passou, comprovadamente, pelo crivo dos testes do tempo. Roger Scruton professa que o conservadorismo vem do mais profundo da alma humana (Como ser um conservador). Problema de hoje é que os desavisados ou criminosos não conseguem ter uma leitura visível de dentro de si, do que está no coração, já que o cérebro não deixa.

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