Apenas três dias após a vitória na reeleição, o governo Dilma aumentou a taxa de juros. Nesta quarta, novo aumento, e a Selic, taxa básica, já chega a 11,75% ao ano. Além disso, o preço da gasolina subiu, a tarifa de energia elétrica aumentou, e um ortodoxo “fiscalista” foi escolhido para substituir Guido Mantega na Fazenda, após um convite feito (e recusado) a um banqueiro.
Estelionato eleitoral evidente, não há como negar. Dilma presidente faz o contrário daquilo que a Dilma candidata dizia, age como uma legítima tucana. O silêncio daqueles que votaram no PT porque os “neoliberais” tucanos iriam subir juros e beneficiar banqueiros é mais que constrangedor: é ensurdecedor!
Falo não daqueles militantes oficiais a soldo do partido, mas daquela elite que se sente moralmente superior só por digitar 13 nas urnas, acha que assim comprova que se preocupa mais com os pobres, pois monopoliza os fins nobres. A esquerda caviar, enfim, que acusa os demais de insensíveis por defenderem uma gestão mais ortodoxa.
O mínimo que se esperava dessa gente era um reconhecimento do erro e um pedido de desculpas. Mas se agissem assim não seriam eleitores do PT, não é mesmo? O silêncio que fazem agora é prova de que não querem saber dos fatos, não ligam para a “traição” da presidente, para as mentiras na campanha, pois buscam somente o regozijo da sensação de nobres e caridosas almas preocupadas com os pobres.
Mas há um debate em curso, principalmente dos investidores, se Dilma realmente mudou e traiu seus eleitores. Que o estelionato eleitoral está claro nesse momento é algo inegável. Mas até que ponto a mudança veio para ficar? Dilma realmente desistiu de ser… Dilma? Aquela heterodoxa desenvolvimentista foi mesmo enterrada após a campanha?
Cedo demais para cantar a vitória do bom senso. Todos nós, que não torcemos pelo “quanto pior, melhor” e que sabemos como o modelo vigente é terrível, como a “nova matriz macroeconômica” trouxe apenas estagflação, e como Mantega e a própria Dilma representam uma fracassada ideologia oriunda da Unicamp, todos nós sentimos alívio com as escolhas recentes, ainda que fiquemos irritados com as mentiras da campanha.
Mas será que podemos mesmo dormir mais tranquilos confiando que Dilma acordou, mudou e abandonou seu passado? Infelizmente, digo que não. Ouso afirmar que Dilma não mudou nada. E que mesmo a escolha de Joaquim Levy para a Fazenda e a alta de juros recente não comprovam o contrário. Vejam o que aconteceu com a Selic no começo de seu primeiro mandato:
Ou seja, mesmo a “velha” Dilma permitiu o aumento na taxa de juros quando assumiu seu governo pela primeira vez. A sensação que temos, ao observar o gráfico, é a de déjà vu. Nós já vimos essa história antes. Até mesmo uma desenvolvimentista como Dilma entende que, às vezes, precisa recuar um passo para avançar dois depois, precisa ganhar tempo, fazer concessões ao “mercado”.
O Brasil corre o risco de ser rebaixado pelas agências de risco, a economia parou de crescer, a inflação está em patamar elevado e acima do topo da meta, e são coisas que até Dilma pode entender. A desculpa de que isso tudo é o resultado de uma crise internacional, usada durante a campanha, convence em parte sua equipe. No fundo, até os desenvolvimentistas compreendem que é preciso “pegar leve” agora, sob o risco de afugentar de vez os investidores e agravar o quadro de crise.
Daí a achar que houve realmente um despertar de Dilma e seus aliados, que os desenvolvimentistas abriram os olhos e resolveram trocar a Unicamp pela PUC-RJ, vai uma longa distância. É preciso bem mais do que a indicação de um Levy e algumas altas seguidas da Selic para isso. Sou da opinião de que certas pessoas não mudam sua essência da noite para o dia. Mas podem dissimular, podem fingir que mudaram para enrolar os inocentes úteis. Se até o comunista revolucionário Lenin fez concessões ao mercado…
Enfim, e lamento muito dizer isso, acho que todos aqueles que querem crer que Dilma mudou, que desejam acreditar na guinada racional da presidente, vão quebrar a cara depois. Teremos mais altas nos juros, algumas medidas austeras de Levy, umas e outras concessões aos investidores, sinalizações de recuo do desenvolvimentismo, mas nada além de decisões táticas de quem ainda pretende avançar com sua visão ideológica que desdenha do mercado e deposita no estado um papel quase onisciente de locomotiva do progresso.
Warren Buffett tem uma frase boa que vem ao caso aqui: “Quando uma gestão com uma reputação brilhante aborda um negócio com uma reputação de fundamentos econômicos ruins, é a reputação do negócio que permanece intacta”. O que o bilionário quer dizer é que mesmo um CEO espetacular não faz milagre quando assume um péssimo negócio.
Adaptando para nossa realidade, um ministro eficiente jogado em um governo incompetente e ideológico, com fundamentos frágeis, não fará milagres. A probabilidade maior é que os maus fundamentos falem mais alto e se sobressaiam. Quem aposta na mudança de Dilma e que Levy é a cara de seu novo governo vai se dar mal. Talvez, no fim, o silêncio dos eleitores petistas “traídos” hoje com esse estelionato eleitoral faça algum sentido. A “traidora” voltará a lhes sorrir, para o pranto de toda a nação.
Rodrigo Constantino