Por João Luiz Mauad, publicado no Instituto Liberal
Donald Trump lidera com alguma folga a campanha para indicação do Partido republicano à presidência dos EUA, ano que vem. Já comentamos aqui a sua (dele) postura equivocada em relação à imigração, inclusive a idéia estapafúrdia de levantar um muro cobrindo toda a extensão da fronteira com o México.
Mas não é só nesse quesito que o programa de Trump é absurdo. O valente do topete amarelo também tem pregado o recrudescimento do protecionismo americano como forma de incentivar a economia do país, algo que o transforma, de longe, no mais antiliberal de todos os inúmeros candidatos do GOP.
Já no discurso de lançamento de sua candidatura, Trump afirmou que países como a China, Japão e México vão matar economicamente a América. “Nosso país está em sérios apuros”, disse ele. “Nós não temos mais vitórias. Estamos habituados a ter vitórias, mas não as temos mais. Quando foi a última vez que alguém nos viu derrotar a China em um negócio de comércio? Quando foi a última vez que vencemos o Japão em qualquer coisa? Eles nos enviam seus carros, pelos quais pagamos milhões. E o que fazemos? Quando foi a última vez que você viu um Chevrolet em Tóquio?”
Esse tom francamente beligerante, que parece enxergar o comércio mais como uma guerra do que como algo vantajoso para todos, é sintomático do espírito mercantilista que faz a cabeça de muitos políticos, levando-os a acreditar que os interesses comerciais de um país são incompatíveis com os interesses dos demais países.
Ao contrário do que pensa gente como Trump, entretanto, comércio e guerra são como azeite e vinagre. Simplesmente, não se misturam. Como ensinou Adam Smith, há mais de dois séculos, “o comércio, que deveria naturalmente ser um laço de união e amizade entre indivíduos e nações, tornou-se (…) a mais fértil fonte de discórdia e animosidade”. Arrisco dizer que essa discórdia só tem prosperado porque os Estados, através dos governos, assumiram o encargo de negociar coletivamente algo que deveria ficar restrito aos indivíduos e suas empresas.
Outros grandes pensadores, através do tempo, ensinaram que comércio e guerra são mutuamente excludentes. Para Montesquieu, por exemplo, o comércio, lastreado na dependência mútua, desencoraja a guerra e une os povos. O filósofo também assinalou que o comércio tende curar “destrutivos preconceitos” e promover “modos gentis”, já que a “ferocidade” e a “falta de educação” dificultam e/ou impedem o comércio.
Quem chegou à conclusão semelhante foi Kant. O filósofo alemão, em seu famoso ensaio “Paz Perpétua”, ensinou que “o espírito do comércio, que é incompatível com a guerra, mais cedo ou mais tarde ganha força em cada Estado.”
Outro que reconheceu no comércio um poderoso antídoto para a guerra foi o inglês John Stwart Mill. Para este, o “comércio ensinou às nações a enxergar com boa vontade a riqueza e a prosperidade uns dos outros.”
Como se nota, a visão desses grandes pensadores é diametralmente oposta à tradição mercantilista-bélica do jogo de soma zero, em que os ganhos de uns necessariamente representam perdas de outros. Infelizmente, entretanto, no comércio internacional contemporâneo, motivados por um extemporâneo raciocínio mercantilista, a tendência belicista ainda prevalece.
Durante as reuniões da famigerada OMC, por exemplo, assistimos frequentemente a intensos e descabidos debates, em que cada país, representado pelo respectivo governo, defende as suas posições partindo da falsa premissa de que baixar impostos de importação constitui uma espécie de concessão ao inimigo. Essa visão arcaica perde de vista o fato de que barreiras comerciais são, na verdade, muito mais um prejuízo para os consumidores e, conseqüentemente, para a nação que as impõe, do que propriamente para os exportadores estrangeiros.
Saindo da lógica mercantilista, que enxerga o dinheiro como o objetivo e as mercadorias e serviços como meios de obtê-lo, veremos facilmente que são as importações que contribuem efetivamente para aquisição e geração de riqueza, não o contrário. Um país se torna “mais rico” quando entram em suas fronteiras produtos e serviços e não quando estes saem. A saída é um custo, enquanto a entrada é o verdadeiro benefício. Sobre isso, vale lembrar os ensinamentos oportunos de Milton Friedman:
“Outra falácia raras vezes posta em questão é a de que as exportações são boas e as importações são ruins. A verdade se revela muito diferente disto. Não podemos comer, vestir ou gozar dos bens que enviamos ao exterior. Consumimos alimentos provenientes da América Central, calçamos sapatos italianos, conduzimos automóveis alemães e assistimos a programas em televisores japoneses. Nosso ganho com o comércio exterior está no que importamos. As exportações constituem o preço que pagamos para obter as importações. […] o benefício para os cidadãos de determinado país está na obtenção do maior volume possível de importações, em troca das suas exportações. Em outras palavras, de exportar o menos possível para pagar as suas importações”
Ademais, como nos lembra o excelente Mark Perry, Trump merece uma medalha de ouro em hipocrisia política e inconsistência intelectual, afinal, o homem parece adepto do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
Ao mesmo tempo em que o bilionário empresário critica Ford pela produção de alguns de seus carros no México, e ameaça travar a expansão da montadora fora do país impondo uma tarifa de 35% sobre as suas importações, ele não vê nenhum problema quando se trata de seus próprios negócios. Por exemplo, algumas das roupas da coleção Donald J. Trump são produzidas no México e na China, e exportadas para os EUA (ver fotos).
Trump também tem significativos investimentos imobiliários no exterior, onde possui e opera mais de uma dúzia de propriedades em países ao redor do mundo, incluindo Panamá, Brasil, Canadá, Índia, Turquia, Uruguai, Filipinas e Coréia do Sul. Portanto, Para ser justo com Ford, Trump deveria impor também um imposto de 35% sobre as roupas de sua coleção e se desfazer de todos os seus investimentos no exterior. Mas isso certamente ele não fará.
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